Uma nova camada de espaços públicos: explorando as coberturas dos edifícios

Uma nova camada de espaços públicos: explorando as coberturas dos edifícios

A medida que os ambientes urbanos se tornam cada vez mais densos, é preciso aproveitar ao máximo cada centímetro quadrado de área disponível. Pensando nisso, arquitetos e arquitetas do mundo todo recentemente descobriram o enorme potencial das coberturas existentes dos edifícios urbanos, na maioria das vezes, espaços subutilizados e de difícil acesso. Além do mais, coberturas e telhados chegam a somar juntas até 25% da área de superfície total disponível em uma cidade. Podendo ser utilizadas tanto como áreas verdes e cultiváveis quanto como espaços públicos e acessíveis, estes jardins suspensos estão sendo pouco a pouco incorporados à infraestutura urbana de várias cidades ao redor do mundo. Neste contexto, este artigo procura analisar em profundidade o real potencial desta estratégia para a criação de uma nova camada de espaços públicos acessíveis em cidades densamente ocupadas.

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Existem vários formas de preencher as muitas lacunas e espaços residuais que caracterizam nossas cidades. Embora tenhamos avançado muito neste sentido ao longo dos últimos anos, basta olharmos nossas cidades de cima para perceber que uma parcela considerável do território urbano permanece praticamente inexplorada. Com algumas raras excessões, a maioria das coberturas de nossas estruturas urbanas pode ser considerada uma verdadeira terra incognita. Não é por acaso que muitos arquitetos e arquitetas recentemente começaram a explorar esse território, abrindo respiros em cidades que até então pareciam sufocar. Além disso, a recente pandemia fez com que todos nós percebêssemos a importância dos espaços públicos para a nossa saúde física e mental, além de chamar a atenção para a carência deste tipo de espaço na maioria dos centros urbanos das grandes cidades.

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TU Delft Library by Mecanoo. Image © Ossip Architectuurfotografie

Com a popularização das soluções de isolamento e impermeabilização no início do século XX, a cobertura plana passou a ser amplamente explorada por arquitetos e engenheiros. Entretanto, a ênfase exagerada na forma acabou por ofuscar todo o potencial funcional do plano de cobertura para a arquitetura. Salvo raras exceções, como a famosa cobertura da Unidade de Habitação de Marselha de Le Corbusier, concebida como uma espécie de playground, ou a própria cobertura do edifício da Fábrica da Fiat em Torino projetada pelo arquiteto italiano Giacomo Mattè-Trucco como uma pista de testes para os veículos produzidos na fábrica, a arquitetura moderna pouco contribuiu para além da planificação massiva de nossos telhados e estruturas de cobertura. Foi apenas na década de 1990 que arquitetos e arquitetas começaram a explorar este território com mais naturalidade, passando a ver a cobertura não mais como um simples plano de fechamento, mas um elemento integral do programa do edifício. Partindo pioneira solução do Mecanoo para a cobertura da Biblioteca da Universidade de Tecnologia de Delft, passando pelo playground público Park ‘n’ Play instalado na cobertura de um edifício de estacionamentos em Copenhagem, até a recente e ousada solução criada pelo BIG, inserindo uma pista de ski na cobertura da Usina de Energia CopenHill também na capital da Dinamarca, a cobertura passou de um simples elemento programático a um componente integrante da rede de espaços públicos de uma cidade.

Novos Espaços Recreativos

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Stairs of Kriterion by MVRDV. Image © Laurian Ghinitoiu

Entretanto, apesar de alguns poucos exemplos, inspiradores por natureza, a grande maioria das coberturas e telhados existentes de nossas cidades encontram-se subutilizados, um território especulativo que aguarda para ser finalmente liberado e posto à prova. Referindo-se ao projeto de instalação temporária de uma escadaria monumental em Roterdã no ano de 2016, Winy Mass do MVRDV defendeu o uso da cobertura como uma 5ª fachada, um território que deve ser explorado e integrado à rede de espaços públicos de uma cidade: “mostramos naquela ocasião como seria se todas as nossas coberturas fossem acessíveis, se pudéssemos transitar de um edifício para o outro criando uma nova topografia urbana, mais interativa e tridimensional e que finalmente incorreria em uma maior densificação de nossas cidades”. Naquele ocasião, o escritório de arquitetura holandês estava começando a flertar com uma ideia que posteriormente viria a ser explorada cotidianamente em seus projetos de arquitetura. Em recente projeto realizado na cidade de Shenzhen, o MVRDV transformou um antigo edifício industrial em um novo hub de criatividade, instalando um exuberante parque público—acessível através de uma escadaria—em sua cobertura.

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Green Cloud by ZHUBO-AAO. Image © John Siu

Da maneira muito similar, o projeto desenvolvido pelos arquitetos do officePROJECT para o YOU+International Youth Community Shenzhen incorpora uma série de amenidades e espaços programáticos em uma cobertura existente e anteriormente desocupada. Por sua vez, o Green Cloud, concebido pela ZHUBO DESIGN cria um espaço público escalonado em forma de jardim sobre a cobertura de um edifício existente. Outro exemplo de projeto que transformaou uma antiga cobertura em espaço público é o parque da estação ferroviária de Hofbogen em Roterdã, um local frequentemente utilizado para a realização de eventos públicos a céu aberto.

Uma oportunidade para o futuro

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Senior Citizen Community Center by f451 Arquitectura. Image © José Hevia

Um dos modos mais difundidos de utilização do plano de cobertura de um edifício é o telhado jardim, seja para incrementar a massa térmica do edifício, para cultivar alimentos ou para a instalação de sistemas de produção de energia e coleta de água da chuva. Em particular, as coberturas jardim apresentam uma série de diferentes benefícios à arquitetura, captando e filtrando águas pluviais, melhorando a qualidade do ar, mitigando efeitos de ilha de calor em centros urbanos e até contribuindo para a promoção da biodiversidade na micro-escala.

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CopenHill by BIG. Image © Hufton+Crow

A utilização do plano de cobertura como um telhado verde acessível tornou-se lei na Dinamarca, sendo obrigatório em caso de novas edificações na cidade de Copenhague desde o ano de 2010. Desde 2015, todos os edifícios recém-construídos na França devem contemplar seja a instalação de uma cobertura verde seja um sistema de produção de energia. Por sua vez, a cidade de Barcelona está incentivando os proprietários a reavaliar a condição de suas coberturas existentes com a intenção de transformar o centro histórico da cidade. Recentemente, a prefeitura de Barcelona lançou um guia que ajuda os moradores a encontrar soluções para seus telhados e coberturas, as quais historicamente já são utilizadas pelos moradores para diferentes finalidades. Além disso, coberturas verdes podem representar o futuro da agricultura urbana, disponibilizando espaços cultiváveis que podem ser utilizados tanto por moradores quanto para abastecer um restaurante, como é o caso de alguns projetos implementados recentemente na Europa.

Estudos de caso

Podemos dizer que a conscientização da população a respeito da importância e o potencial de utilizarmos nossas coberturas e telhados é algo que tem sido paulatinamente implementado ao longo dos últimos anos. O festival ROEF Amsterdam é uma das principais iniciativas neste sentido, um festival anual realizado em diversas coberturas da capital holandesa, permitindo que os moradores experimentem a sua cidade de uma maneira completamente nova, ao mesmo tempo que contribui para a transformação do skyline da maior cidade do país. De forma muito similar, para a ultima edição da Melbourne Design Week, a John Wardle Architects e a Finding Infinity apresentaram o projeto de uma instalação que permite tanto a produção de energia solar quanto a criação de um espaço acessível de socialização. O projeto pretende incentivar o uso criativo das coberturas existentes da cidade de Melbourne, ao mesmo tempo que promove a produção de energia limpa e sustentável.

Por fim, há também aqueles que vêm nas coberturas desocupadas e subutilizadas de uma cidade como uma solução para ampliar a disponibilidade de novas moradias em centros urbanos densamente ocupados. Neste sentido, a prefeitura de Londres está planejando lançar um plano de ação em grande escala como uma iniciativa para combater o déficit habitacional no centro da cidade. No entanto, a opinião pública sobre a viabilidade de um empreendimento deste tipo parece muito dividida—e até agora não se sabe se este projeto finalmente será implementado.

Utilizar coberturas como espaços habitáveis apresenta uma série de desafios, desde a acessibilidade, a previsão de sobrecargas na estrutura existente até questões de propriedade e problemas de manutenção. No entanto, a atual tendência de adensamento dos centros urbanos está levando arquitetos e arquitetas, moradores e empreendedores a pensar e desenvolver soluções inteligentes e criativas que, muito provavelmente, irão transformar o skyline de nossas cidades em um futuro próximo.

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "Uma nova camada de espaços públicos: explorando as coberturas dos edifícios" [A New Layer of Public Space: The Case for Activating Urban Rooftops] 01 Mai 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/959770/uma-nova-camada-de-espacos-publicos-explorando-as-coberturas-dos-edificios> ISSN 0719-8906

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