Como é ser um arquiteto que não projeta edifícios?

Há uma série de velhos conselhos que as pessoas costumam dar para aqueles que um dia revelaram o desejo de estudar arquitetura: um curso extenso e exaustivo, noites em claro e um restrito mercado de trabalho extremamente concorrido. Depois da graduação, quando finalmente começa-se a trabalhar, as coisas não costumam ser menos difíceis, muito pelo contrário. Geralmente, arquitetos e arquitetas passam meses ou até mesmo anos desenvolvendo estudos e mais estudos antes de ter qualquer projeto construído. Se existem alguém no mundo que conhece bem o significado da palavra resiliência, existe uma grande chance de que esta pessoa seja um(a) arquiteto(a).

É por isso que muitos dos nossos colegas estão encontrando outros caminhos na profissão. Horários flexíveis, trabalhos mais interessantes ou apenas a possibilidade de sair da frente da tela de um computador. Oportunidades não faltam para aqueles que desenvolveram habilidades tão variadas e abrangentes durante os anos de estudo. Arquitetos costumam desenvolver uma ampla sensibilidade espacial e são capazes de compreender rapidamente o contexto sócio-cultural dos lugares. Neste ensaio, três dos nossos editores do ArchDaily falam sobre o que significa ser um arquiteto, por que deixaram de projetar edifícios e o que eles fazem em seus trabalhos atualmente.

Como foi o processo de transição das atividades de projeto de arquitetura  para outras formas de "fazer arquitetura"?

Romullo Baratto: Para mim, tudo aconteceu organicamente. Depois que me formei, comecei a trabalhar meio período como editor do ArchDaily e a outra metade do meu tempo eu dedicava à um escritório de arquitetura. Durante uma das dezenas de crises que atravessamos nos últimos anos, o escritório estava tão mal de projetos que já não tinha condições de me manter trabalhando, e eu acabei ficando apenas com meu trabalho de editor.

Durante uma das dezenas crises que atravessamos nos últimos anos, o escritório estava tão mal de projetos que já não tinha condições de me manter trabalhando, e eu acabei ficando apenas com meu trabalho de editor.

Han Zhang: Para mim foi uma historia e tanto. Eu comecei trabalhando como economista; isso até pode soar interessante para você, mas não para mim. Então, depois de me formar em Economia e Finanças, decidi voltar à academia para estudar Arquitetura.

Foi uma escolha bastante simples, eu sempre quis poder trabalhar para melhorar o mundo em que vivemos e a arquitetura soava como uma combinação perfeita entre criatividade e praticidade. Além disso, edifícios perduram no tempo, são memórias construídas que permanecem existindo depois de nós.

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Han Zhang at a keynote lecture by RCR Aquitectes in the Phoenix Media Center in Beijing. Image © Han Zhang

Monica Arellano: Eu comecei estudando dança, onde cada pequeno momento tem a ver com o espaço e as sensações. De alguma maneira a dança tem muito a ver com a arquitetura. Depois acabei trabalhando por algum tempo em uma fundação que administrava o patrimônio histórico da minha cidade e parte do meu trabalho consistia na publicação livros e atividades de museografia. Eu acabei me aproximando da arquitetura, mas de uma maneira muito diferente daquela que se aprende na faculdade. Depois passei um tempo trabalhando como arquiteta, mas foi no campo editorial que finalmente encontrei meu caminho.

Como você se sente trabalhando como editor de conteúdo?

Romullo: Trabalhando como editor de mídias de arquitetura, você acaba encontrando outras maneiras de “fazer arquitetura”, através da observação de tudo aquilo que está sendo feito no mundo além dos limites tradicionais da disciplina. Vejo o trabalho editorial como algo que de fato faz parte da arquitetura, mas não exatamente do tipo de arquitetura que as pessoas estão acostumadas a ver.

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Romullo, along with Pedro Vada, another of Archdaily Brazil's editors, observing the streets in Sao Paulo. Image © Estúdio Flagrante

Han: Durante os meus primeiros anos na faculdade de arquitetura, ficou claro que minhas ideias e minha capacidade de trabalhar e coordenar pessoas dentro de uma equipe era o que eu fazia de melhor. Quando decidi começar um mestrado, eu estava ciente que não seria uma arquiteta comum, mas que me envolveria principalmente com outras disciplinas dentro da arquitetura de modo a permitir que grandes projetos pudessem ser realizados. Por isso, depois de seis anos estudando e trabalhando em parte como estagiária e em parte como arquiteta junior, outros dois anos como arquiteta senior além de mais um tempo desenvolvendo negócios para escritórios de arquitetura na China, decidi me juntar ao ArchDaily!

Acho que todos nós vemos nossas contribuições como outra forma de fazer arquitetura.

Vocês sentem falta de projetar edifícios?

Romullo: Francamente, não. Pelo menos não neste momento da minha vida. Na verdade, eu continuo projetando pequenos edifícios e reformas, mas é algo que realmente não me é muito gratificante.

Han: Sim, mas foi exatamente o que eu fiz durante boa parte da minha recente carreira como arquiteta. Neste momento o que eu mais gosto de fazer é participar dos processos e das discussões de projeto com alguns dos mais importantes arquitetos da atualidade. O bom nisso tudo é que sempre podemos voltar atrás, porque esta é nossa formação. E eu realmente não sinto falta dos clientes difíceis.

Neste momento o que eu mais gosto de fazer é participar dos processos e das discussões de projeto com alguns dos mais importantes arquitetos da atualidade. 

Monica: Definitivamente não. O que o trabalho de editora me fez aprender sobre arquitetura não se ensina em um escritório. Eu não sinto falta dos prazos e muito menos das noites e claro antes das entregas.

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Monica visita a obra do Espacio CDMX. It was the last project she was in charge of as an architect. Image Courtesy of Monica Arellano

Quais são os motivos pelos quais os estudantes acabam não se tornando arquitetos segundo os moldes mais tradicionais?

Romullo: Acredito que existam várias respostas para esta pergunta. Edifícios custam caro e a arquitetura é uma das primeiras atividades atingidas por uma crise, como a que ocorreu há 10 anos por exemplo. A crise econômica é uma grande razão pela qual muitos arquitetos hoje em dia não estão desenvolvendo novos projetos. A outra razão - e isso tem muito a ver com a primeira - é que a arquitetura é uma disciplina tão abrangente que nos permite fazer muitas coisas, e seja por escolha ou pela falta delas, acabamos tendo a oportunidade de nos envolver com as "outras faces" da arquitetura.

Edifícios custam caro e a arquitetura é um das primeiras atividades atingidas por uma crise, como a que ocorreu há 10 anos por exemplo. A crise econômica é uma grande razão pela qual muitos arquitetos hoje em dia não estão desenvolvendo novos projetos.

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Romullo has also started to do photography of interior spaces and exterior architecture. Image © Estúdio Flagrante

Han: Eu acredito que a arquitetura é uma profissão de fôlego. A maioria das pessoas se surpreenderia se eu dissesse que somente 10% é projeto de fato, e os outros 90% são coordenação e gestão. Um arquiteto de sucesso é aquele que é muito mais do que um projetista, é um bom vendedor, tecnicamente competente e um ótimo negociador.

Monica: Acredito que um dos motivos tenha a ver com os limites físicos das cidades. Embora a arquitetura esteja se desenvolvendo cada vez mais como um campo mais amplo, não seria possível de qualquer maneira que todos os arquitetos estivessem dedicados apenas ao projeto e à construção.

Embora a arquitetura esteja se desenvolvendo cada vez mais como um campo mais amplo, não seria possível de qualquer maneira que todos os arquitetos estivessem dedicados apenas ao projeto e à construção.

Romullo: Esse é um ponto muito interessante. Há empregos para todos nós, ou contratos e editais suficientes se todos nós nos dedicarmos a projetar? E o mais importante, realmente precisamos de mais edifícios?

Han: Com certeza existem edifícios suficientes na maioria dos países em desenvolvimento. Entretanto acredito que a maior parte daquilo que já esta construído é de qualidade muito baixa, mas devemos reconhecer que os países periféricos enfrentam um conjunto de problemas muito diferentes. Muitas vezes são  respostas desesperadas para situações de desespero, a qualidade nem sempre é a principal preocupação na maioria dos casos.

Monica: Acredito que os arquitetos mais criativos sabem que não há uma real necessidade de seguir construindo novos edifícios. Eles se dedicam a trabalhar com aquilo que já existe. Isso tem a ver com o respeito em relação ao ambiente em que vivemos.

Acredito que os arquitetos mais criativos sabem que não há uma real necessidade de seguir construindo novos edifícios. Eles se dedicam a trabalhar com aquilo que já existe.

Han: Eu diria ainda que o ambiente político e a falta de conscientização nos países em desenvolvimento são as maiores barreiras para o desenvolvimento de uma boa arquitetura, e não da incapacidade de seus arquitetos.

Romullo: Eu concordo 100%. Jaime Lerner, um dos urbanistas mais influentes do mundo, costuma dizer que arquitetos devem projetar cidades para o futuro. Não devem se preocupar apenas em construir coisas novas, mas precisam se concentrar em consertar tudo aquilo que já existe e não funciona.

O que há de mais interessante e importante no tipo de trabalho que você faz agora?

Monica: Eu realmente gosto de aprender coisas novas sobre essa excitante profissão. Eu amo essa incessante busca por conhecimento. É incrível poder estar em contato com tantas pessoas talentosas de meu país e de todo o mundo e me sentir tão envolvida em alguma coisa.

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Monica entrevista Patrick Schumacher of Zaha Hadid Architects. Imagem Cortesia de Monica Arellano

Han: Procuro representar a arquitetura do meu país da maneira mais justa e honesta para com a comunidade internacional. Mostrar ao mundo os arquitetos que realmente estão construindo a China como o povo chinês a conhece, mesmo através das arquiteturas mais genéricas. É importante para mim que o discurso e o ambiente do meu país seja apresentado como ele é de fato, para que o mundo possa conhecer aquilo que estamos fazendo por aqui.

Procuro representar a arquitetura do meu país da maneira mais justa e honesta para com a comunidade internacional. Mostrar ao mundo os arquitetos que realmente estão construindo a China como o povo chinês a conhece, mesmo através das arquiteturas mais genéricas. 

Romullo Baratto: O que me instiga no campo da arquitetura é a possibilidade de vislumbrar uma disciplina muito além do projeto e da construção, e, ao mesmo tempo, não precisar lidar com os protocolos e burocracias que um projeto executivo demanda.

Han: E finalmente, estou muito orgulhosa de poder mostrar o trabalho de He Jingtang e Li Xiangning à comunidade internacional, arquitetos brilhantes e famosos aqui na China. O fato de ambos terem vencido o BOTY despertou muito entusiasmo e orgulho dentro da comunidade da arquitetura chinesa. São coisas como esta que fazem meu trabalho valer a pena.

Hoje somos o principal site de notícias de arquitetura na China e esta oportunidade de mobilizar as pessoas e proporcionar uma ferramenta de divulgação e debate é avassaladora!

Sobre os editores

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Han Zhang é editora chefe do ArchDaily China. Ela supervisiona todas as atividades da nossa plataforma na China, incluindo os editoriais e a área comercial. Ela se formou em Economia e Finanças pela Universidade Monash, antes de começar seus estudos de Arquitetura na Universidade de Melbourne onde obteve também seu mestrado. Ela trabalhou como arquiteta durante mais de oito anos antes de ser contratada pelo ArchDaily como editora chefe na China.

Romullo Baratto é editor do ArchDaily Brasil e frequentemente colabora com diferentes projetos do Archdaily. É arquiteto e urbanista, mestre em arquitetura e cinema pela FAU-USP. Além do ArchDaily, também trabalha como fotógrafo e filmmaker no estúdio Flagrante, explorando as relações entre movimento e espaço através de imagens. Fez parte da equipe de curadoria e edição da 11ª Bienal de Arquitetura de São Paulo em 2017.

Monica Arellano é responsável pelo editorial do Archdaily Mexico. Ela estudou na Faculdade de Arquitetura da UNAM e participou do Laboratório Coreográfico "Saltos Coletivos" com a coreógrafa alemã Isabelle Schad. Colaborou em vários projectos museográficos e editoriais com a Fundación ICA e trabalhou como arquiteta no Sinestesia Arquitectos.

Sobre este autor
Cita: Badalge, Keshia. "Como é ser um arquiteto que não projeta edifícios?" [What It’s Like to Be an Architect Who Doesn’t Design Buildings] 10 Abr 2018. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/892133/como-e-ser-um-arquiteto-que-nao-projeta-edificios> ISSN 0719-8906

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