A cidade como organismo

A natureza tem sido continuamente considerada uma musa inspiradora para os arquitetos. Cores e formas do mundo natural encontram-se embutidas em construções artificiais. Os edifícios também são moldados por padrões de vento e sol, topografia e vegetação. Enquanto a arquitetura é alimentada pelos efeitos da natureza, os edifícios têm sido propostos como objetos inertes que permanecem estáticos num mundo em evolução biológica. As “selvas” de concreto antropocêntricas são desprovidas de vida, separando os humanos dos ambientes naturais e causando desequilíbrios que se manifestaram em forma de pandemias. Mas, como seriam as cidades se não houvesse fronteiras entre humanos e ecossistemas?

A cidade como organismo - Imagem 2 de 10A cidade como organismo - Imagem 3 de 10A cidade como organismo - Imagem 4 de 10A cidade como organismo - Imagem 5 de 10A cidade como organismo - Mais Imagens+ 5

Os edifícios como entidades singulares parecem ter uma relação parasitária com a natureza. A arquitetura sustentável muitas vezes luta para ser mais do que um processo "cosmético" de cidades “verdes”. Um campo de pesquisa emergente chamado “biodesign” oferece oportunidades de encontrar formas eficientes para que as cidades “cresçam. Ferramentas e tecnologias permitem que os arquitetos se inspirem além da beleza da natureza, em suas funções e processos resilientes. As descobertas desse campo emergente são tão potentes a ponto de mudar a forma de conceituar uma relação simbiótica entre o construído e o cultivado.

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© Shivani Rastogi, Sitthitouch Surabotsopon, Zheyang Yao

A natureza é inteligente, com sistemas biológicos inatos que evoluem, se adaptam e sobrevivem. Os avanços na biocomputação abriram o caminho para a aplicação da inteligência natural em edifícios, incentivando a arquitetura como uma extensão da natureza. A próxima fronteira das cidades pode se concentrar no ambiente construído como um organismo mutuamente dependente do mundo natural. Edifícios que antes eram barreiras ao meio ambiente se tornarão irreconhecíveis na paisagem natural. Os assentamentos pós-antropocêntricos verão os humanos integrados ao mundo vivo inanimado.

Um organismo metaboliza em muitas escalas - de células e órgãos a corpos e ecologias. As cidades também prosperam em vários níveis de estruturas, onde a composição do material tem tanto impacto na paisagem urbana quanto as redes de transporte. O ambiente construído direciona como as ecologias evoluem uma vez que elas precisam constantemente se adaptar aos humanos, e não o contrário. As cidades biointegradas devem envolver outros organismos e responder em diferentes escalas co-criando ecologias sustentáveis com a natureza.

Biomateriais 

Na menor escala da cidade, os materiais de construção afetam muito a forma como as estruturas reagem ao ambiente. Os pesquisadores vêm testando uma variedade de biomateriais, cada um com suas propriedades e contribuições dominantes. Materiais de construção 'vivos' - uma subcategoria de biomateriais - usam matéria viva e suas reações químicas para criar materiais que crescem, respondem e se adaptam ao ambiente.

O Living Materials Laboratory da University of Colorado Boulder é um laboratório experimental e computacional de pesquisas em ciência de materiais liderado pelo Dr. Wil Sruber. A equipe desenvolveu uma forma de "biocimento" feito de microalgas biomineralizantes que são cultivadas usando luz solar, água do mar e CO2. Semelhante à forma como os corais e ostras constroem suas conchas, as microalgas se conectam fortemente ao material. Elas absorvem carbono suficiente para que os blocos apresentem 90% menos carbono incorporado do que o concreto convencional.

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Biocimento feito com microalgas. Imagem © Brooks Freehill

Materiais vivos também estão sendo feitos de fungos, como exposto no MoMA por David Benjamin, do The Living. Intitulado ‘Hy-Fi’, o projeto apresenta uma torre biodegradável de 12 metros de altura feita de tijolos de micélio. Usando computação de ponta e biotecnologia, os tijolos foram cultivados naturalmente a partir de micélio de cogumelo e talos de milho triturados. Blocos de micélio são mais fortes que o concreto, leves, resistentes ao fogo e bons isolantes de calor e som.

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Hy-Fi / The Living . Imagem © Andrew Nunes

Bioedificações

Não apenas os edifícios moldam as cidades, mas também as percepções do que a arquitetura deve ser. As práticas tradicionais de design e construção utilizam enormes quantidades de energia e recursos sem dar nada em troca. Para um futuro sustentável, nossos edifícios deverão ser capazes de se adaptar e restaurar dinamicamente os recursos. Construções que podem crescer, curar, respirar e metabolizar se tornariam uma parte ativa dos ecossistemas. Incluir a biologia nos processos de projeto levaria os arquitetos a pensar nos edifícios como sistemas dinâmicos que permitem o fluxo de recursos entre diferentes locais.

Solar Leaf por ARUP foi o primeiro edifício com fachada biorreativa, gerando energia renovável a partir de biomassa de algas e calor solar térmico. O edifício neutro em carbono é envolto por painéis de biorreatores que geram energia para alimentar a estrutura. O edifício quase parece vivo com sua fachada borbulhante, zumbido e o movimento visível de água e algas. Ao usar sistemas vivos e biotecnologia avançada, o edifício passivo é energeticamente autossuficiente.

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SolarLeaf / ARUP. Imagem via GOOD

Um projeto acadêmico de alunos de Bio-Integrated Design da Bartlett University College London explora edifícios verticais como entidades biorreceptivas. O projeto propõe uma ecologia vertical integrada à natureza como solução para o aquecimento global, má qualidade do ar e perda de biodiversidade. O arranha-céu interage com o meio ambiente purificando o ar local. Uma combinação de pele viva biológica, materiais e estratégias de design produz uma biodiversidade composta por plantas que absorvem poluentes. Os alunos colaboraram com Foster + Partners para uma apresentação internacional chamada "The Lungs of our Cities".

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Vertical Ecologies – Bio Receptivity in High-Rise Buildings. Image © Shivani Rastogi, Sitthitouch Surabotsopon, Zheyang Yao

Biocidades 

As cidades são compostas por camadas de sistemas inter-relacionados que auxiliam seu metabolismo, como rede de alimentação e água, rotas de energia, emissão de poluição e produção de resíduos. Os sistemas humanos coexistem desordenadamente com os sistemas naturais, resultando em um desequilíbrio nas ecologias e cenários desastrosos. As ‘biocidades’ especulativas vislumbram o desenho urbano abordado pela inteligência natural, projetando espaços e sistemas para todos os seres vivos.

Pioneira na inovação em design biourbano, a ecoLogicStudio está pesquisando o uso de inteligência artificial no planejamento urbano com seu projeto DeepGreen. Ao desenvolver uma estrutura de projeto biocomputacional, a equipe analisa dados de paisagens urbanas para produzir simulações de alternativas para o desenvolvimento urbano sustentável. Elas são regidas por pesquisas em modelos biológicos, mesclando inteligência natural e artificial. A IA é treinada para se comportar como um organismo familiar traçando possíveis formas de crescimento e mapeando recursos urbanos. A estrutura pode ser usada em qualquer cidade e foi testada em locais parceiros do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, como Vranje, Guatemala e Mogadíscio.

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Redes de Slime Mould / Biocenosis Nest: uma cidade tecida por inteligências coletivas. Imagem © Oscar Villarreal
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Imagem gerada por IA / Biocenosis Nest: uma cidade tecida por inteligências coletivas. Imagem © Oscar Villarreal

Explorando essa estrutura de design, o projeto de Oscar Villarreal Viera prevê cenários de mudanças climáticas que podem induzir inundações no East End de Londres. Biocenosis Nest funde estrutura com água através da criação de pântanos. Atuando como uma zona transitória, ele torna-se também um nó de biodiversidade que fornece nutrientes ao ecossistema. A IA, neste caso, é treinada para imitar a inteligência natural do mofo limoso, usada para desenvolver um sistema de distribuição não centrado no ser humano. Os 'edifícios' assumem a forma de redes fibrosas que abrigam humanos em seu interior e outros organismos em sua superfície.

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Biocenosis Nest: uma cidade tecida por inteligências coletivas. Imagem © Oscar Villarreal

Através da compreensão e integração de sistemas biológicos dentro da cidade, uma nova forma de desenho urbano verde pode se desenvolver. O futuro exigirá uma reavaliação da relação entre os seres humanos, seu impacto e o meio ambiente. É preciso repensar velhos padrões e reestruturar a forma como as cidades são formadas. Uma mudança dos ambientes construídos centrados no ser humano permitirá que futuros assentamentos participem dos sistemas compartilhados pelos seres vivos. Ao construir junto com o natural, em vez de contra ele, as cidades e a natureza podem co-evoluir em um superorganismo inteligente.

Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: Tendências urbanas e habitacionais. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

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Sobre este autor
Cita: Gattupalli, Ankitha. "A cidade como organismo" [The City as an Organism ] 30 Jul 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/985035/a-cidade-como-organismo> ISSN 0719-8906

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