Entre agora e 2050, a instalação de aparelhos de resfriamento, como o ar condicionado, triplicará em todo o mundo, resultando no dobro de energia consumida. Como sinônimo do aquecimento global, nossa dependência cada vez maior desses equipamentos apresenta um paradoxo: até quando iremos enfrentar o aquecimento global com soluções que aumentam ainda mais a temperatura das cidades?
Além de sobrecarregar a rede de energia, pesquisas recentes afirmam que o uso massivo do ar condicionado em um dia extremamente quente pode aumentar cerca de 2°C a temperatura de uma cidade por conta do ar quente que é jogado para fora durante o processo de resfriamento. Uma realidade ainda mais complexa quando se entende que o acesso às tecnologias de resfriamento – seja em casa, no trabalho ou na escola – é limitado e varia de acordo com a condição financeira da população.
Visto como uma salvação para o enfretamento das ondas de calor, o ar condicionado, portanto, não apenas é uma solução seletiva, como também prejudica ainda mais o restante dos habitantes, gerando o conforto térmico de alguns, mas o desconforto de muitos.
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Como projetar para atingir conforto térmico (e por que isso é importante)Mesmo sendo difícil imaginar um mundo onde esses aparelhos não terão mais vez, repensar a arquitetura e o desenho urbano de maneira que possam lidar com o aquecimento global é uma chave para oferecer acesso igualitário ao conforto térmico nos tornando, ao mesmo tempo, menos dependentes da tecnologia. Tratam-se das estratégias passivas de resfriamento entendidas como um conjunto de decisões projetuais as quais direcionam o desenho para um diálogo com o meio ambiente no qual está inserido. Não são medidas isoladas e de resultados rápidos, mas sim um trabalho de conscientização e mudança que deve abarcar diferentes frentes.
É muito fácil apertar um botão no controle e ver a temperatura ambiente diminuir 10 graus Celsius em alguns minutos, no entanto, talvez não fossemos tão dependentes desse resfriamento brusco se as nossas cidades oferecessem um desenho urbano de qualidade e acessível a todos, com superfícies vegetadas, sombreadas ou elementos em água que ajudam a reduzir a temperatura urbana no geral. A revitalização do rio Cheonggyecheon, em Seul, é um exemplo prático de como devemos começar olhando para as nossas cidades. Após sua revitalização e reinserção em Seul, foi possível constatar que a temperatura ao longo rio diminuiu entre 3,3°C e 5,9°C se comparada com uma rua paralela a poucos quarteirões de distância.
Além do âmbito urbano, quando se tratam de estratégias arquitetônicas, a mitigação passiva das altas temperaturas fica à cargo de algumas medidas muito conhecidas, mas talvez igualmente subestimadas, como sombreamento (seja por vegetação ou pelo próprio volume construído), superfícies reflexivas, geração de massa térmica por meio dos materiais, orientação solar adequada, ventilação cruzada, entre outros. Pesquisas afirmam que a utilização combinada das estratégias passivas acima citadas pode alcançar, em média, uma diminuição da temperatura interna de 2,2 °C, uma redução da carga de refrigeração de 31% e uma economia de energia de 29%.
A Escola Secundária Lycee Schorge, de Francis Kéré, é dos projetos que materializa essas estratégias utilizando tijolos de origem local os quais absorvem o calor durante o dia e o irradiam à noite. Além disso, uma fachada secundária, feita de madeira local, envolve as salas de aula como um tecido transparente e cria espaços sombreados para proteger os alunos das sufocantes temperaturas diurnas e evitar a necessidade de equipamentos de resfriamento.
Essas são estratégias que não requerem recursos financeiros específicos, mas que precisam estar presentes desde o início do processo de projeto. Como, infelizmente, a esmagadora maioria da população não tem acesso aos serviços profissionais de arquitetura, replicam-se arranjos ineficientes do ponto de vista térmico e ambiental. Para lidar com essa questão, surgem iniciativas que trabalham diretamente com comunidades vulneráveis e focam nas estratégias que podem ser facilmente aplicadas em suas casas.
O Mahila Housing Trust (MHT), por exemplo, ajuda as mulheres pobres de cidades da Índia a enfrentarem o superaquecimento dos bairros. As iniciativas da organização incluíram medidas simples como a criação de telhados refletores por meio de uma pintura branca, tendo em vista que os telhados padrão ou escuros podem atingir 65 graus Celsius em calor intenso, enquanto os "tetos frios" podem chegar a apenas 10 nas mesmas condições. Desde a fundação do MHT, décadas atrás, suas iniciativas influenciaram a vida de mais de dois milhões de pessoas e formaram mais de 21.000 trabalhadores da construção. O grupo reconhece que a integração de espaços verdes, superfícies reflexivas e ventilação cruzada pode mitigar o estresse térmico e oferecer conforto em meio a ilhas de calor urbanas. “Ao investir nestas soluções, damos vida à visão de um habitat urbano mais fresco, seguro e saudável para os menos privilegiados”, afirma. Em 2021, o MHT ganhou o Prêmio Ashden pelo arrefecimento em assentamentos informais.
Além dessas iniciativas, há ainda outras soluções recentemente desenvolvidas que trazem à tona saberes vernaculares como ferramentas de resfriamento acessíveis, entre elas está a invenção do Ant Studio que reinterpretou as técnicas tradicionais de refrigeração evaporativa indianas para construir um protótipo de cones de argila cilíndrica que funciona como um ar condicionado. O modelo ainda em teste apresenta dados promissores ao possibilitar a diminuição da temperatura ambiente em cerca de 6 graus Celsius.
Na era do aquecimento global, pensar em sistemas de resfriamento não é mais um luxo, e sim uma necessidade básica, assim como saneamento ou água potável. O estresse térmico prejudica o bem-estar físico e mental, dificultando tarefas simples e causando doenças. Nossas arquiteturas e cidades devem estar preparadas para essa nova realidade, principalmente, quando entendemos que a solução não é tão simples quanto um clique no controle remoto.
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