Diante das forças combinadas do crescimento populacional, da prosperidade econômica e da expansão urbana, as cidades vêm registrando um aumento expressivo na circulação de pessoas e mercadorias — reflexo direto da evolução dos sistemas de mobilidade nos ambientes urbanos. Com o avanço das tecnologias e a transformação dos meios de transporte, o reaproveitamento adaptativo de vagões de trem, cabines de avião e outras infraestruturas de serviço revela novas oportunidades para explorar seu potencial criativo. Materiais, tecnologias e ferramentas de projeto convergem em torno de um mesmo propósito: restaurar e ressignificar estruturas desativadas, para dar-lhes nova vida.
Cores podem definir atmosferas, orientar a percepção do espaço e traduzir modos de ser, memórias e afetos coletivos. Por isso, compreendê-las tornou-se parte essencial dos processos criativos e construtivos contemporâneos. Por trás de cada tom há um campo de pesquisa que articula sociologia, psicologia, estética e tecnologia, conectando a cor a transformações culturais mais amplas e revelando como ela pode se tornar uma ferramenta de leitura e expressão do tempo presente.
Desi Training Center / Studio Anna Heringer. Image Courtesy of Studio Anna Heringer
“The times they are a-changin’” (os tempos estão mudando), cantava um jovem Bob Dylan em 1964, capturando um país tomado por protestos por direitos civis e pelas tensões da Guerra Fria. Quase uma década depois, David Bowie voltou o olhar para dentro de si com “Ch-ch-ch-ch-changes” (mudanças, mudanças, mudanças), uma abordagem pessoal sobre identidade e reinvenção, em meio ao colapso das promessas da contracultura e à aceleração da globalização. Já nos anos 1990, Tupac Shakur trouxe a conversa de volta para as ruas, escancarando as realidades da injustiça racial e da violência sistêmica com um lembrete direto: “That’s just the way it is, things are never gonna change” (é assim que as coisas são, elas nunca vão mudar).
Três vozes, três décadas, três maneiras de confrontar a mudança. Se a arte — aqui, por meio da música — tem historicamente funcionado tanto como espelho quanto como grito em tempos de turbulência, é legítimo perguntar: como a indústria da construção tem respondido a um mundo em constante transformação, um mundo que clama, com urgência, por novas direções? A arquitetura tem, de fato, se engajado com as necessidades da sociedade ou apenas reforçado a lógica dos sistemas econômicos vigentes? Hoje, enfrentamos uma confluência entre crise planetária e fragmentação social: o planeta aquece, as desigualdades persistem e se aprofundam, os dados se multiplicam, as identidades se fraturam. Nesse contexto, a arquitetura já não pode se dar ao luxo de se limitar à experimentação formal ou aos imperativos do mercado. É chamada a repensar — com clareza, responsabilidade e imaginação — o que construímos, com o quê construímos, como construímos e, sobretudo, para quem.
Às vezes, as soluções mais simples são as mais revolucionárias e impactantes. Durante a crise energética no Brasil, em 2002, o mecânico Alfredo Moser desenvolveu uma maneira acessível e eficaz de iluminar ambientes internos durante o dia. Usando apenas uma garrafa PET instalada no telhado, preenchida com água e alvejante, ele aproveitou a refração da luz solar para levar claridade a espaços antes imersos na escuridão. Em moradias autoconstruídas, onde sucessivos anexos muitas vezes comprometem a entrada de luz natural e ventilação, essa solução faz toda a diferença. Batizada de "lâmpada de Moser", a invenção gera iluminação equivalente a uma lâmpada de 60W e se espalhou pelo mundo, através de diversas reportagens. Desde então, o projeto continuou a evoluir e se adaptar às necessidades das comunidades atuais, transformando vidas por meio de uma solução que é tão simples quanto altamente inteligente.
Rebirth Brick. Image Courtesy of Jiakun Architects
O mundo observa o desenvolvimento da China com uma mistura de admiração, curiosidade e apreensão. De gigantescas obras de infraestrutura, como hidrelétricas e uma moderna rede ferroviária de alta velocidade, ao surgimento de cidades inteiras praticamente do zero, o país evidencia um ambicioso projeto de crescimento e uma impressionante capacidade de execução. No entanto, esse avanço também traz desafios e contrastes marcantes. Se, por um lado, a modernidade se impõe em arranha-céus futuristas e tecnologias de ponta, por outro, permanece a necessidade de preservar a rica herança cultural e histórica do país, refletida em templos ancestrais, palácios imperiais e cidades tradicionais.
O rápido crescimento urbano também trouxe problemas como superlotação, poluição ambiental, aumento da desigualdade social e perda de terras agrícolas. A urbanização em larga escala levou ao desaparecimento de aldeias tradicionais, à degradação ambiental e à homogeneização da arquitetura e do estilo de vida em muitas cidades chinesas. É nesse cenário que Liu Jiakun, laureado com o Prêmio Pritzker de 2025, se destaca por uma uma arquitetura de gestos sutis, mas profundamente transformadora, que responde a estes e outros desafios da sociedade chinesa enquanto valoriza materiais e técnicas tradicionais, bem como a criação de espaços comunitários.
No coração de Chiang Mai, uma cidade rica em história e cultura do norte da Tailândia, o Panyaden Hall, concluído em 2017, carrega uma história de inovação e tradição, contada por meio do bambu. Combinando a tradição tailandesa centenária de bambu com soluções estruturais modernas, o projeto reflete o ethos da Chiangmai Life Architects , uma empresa dedicada a elevar materiais naturais ao seu mais alto potencial. Neste artigo, exploraremos algumas das soluções estruturais contemporâneas aplicadas a este projeto icônico, revelando ainda mais o verdadeiro potencial do bambu e convidando a uma nova perspectiva sobre arquitetura sustentável e engenharia de estruturas de bambu.
Park Hill, um amplo complexo de habitação social em Sheffield, se destaca como um dos exemplos mais ambiciosos de arquitetura modernista na Grã-Bretanha do pós-guerra. Projetado em 1961 por Jack Lynn e Ivor Smith, seu conceito inovador de "ruas no céu" buscava combinar habitação de alta densidade com o espírito comunitário de bairros tradicionais. No final do século XX, o complexo enfrentava uma profunda negligência, marcada por problemas sociais e degradação estrutural que comprometeram tanto sua funcionalidade quanto sua reputação. Gradualmente, Park Hill tornou-se sinônimo de fracasso do modernismo, carregando um pesado estigma social e marginalizando seus moradores. A partir dos anos 2000, começaram esforços significativos para reverter essa narrativa por meio de um processo de revitalização em duas fases. Na primeira fase, liderada pela Urban Splash, em colaboração com os escritórios Hawkins\Brown e Studio Egret West, a abordagem focou na preservação e valorização dos elementos históricos do edifício, introduzindo intervenções modernas para criar um espaço habitável, funcional e atrativo. Essa etapa demonstrou o potencial da reutilização adaptativa em revitalizar comunidades e resgatar ícones arquitetônicos. A segunda fase da renovação, conduzida pelo escritório Mikhail Riches, buscou expandir esse trabalho inicial, introduzindo novos elementos que aprofundaram a conexão entre os espaços existentes e a vida contemporânea. Com uma abordagem que uniu sensibilidade histórica e inovação arquitetônica, Mikhail Riches deu continuidade ao processo de transformar Park Hill em um exemplo emblemático de como a arquitetura modernista pode ser adaptada às necessidades atuais sem perder sua identidade original.
A fachada de concreto exposta foi cuidadosamente restaurada, janelas com eficiência energética substituíram unidades obsoletas e paineis de alumínio de cores vivas animaram o exterior. Os apartamentos foram reconfigurados para atender aos padrões modernos com plantas abertas, enquanto espaços compartilhados como pátios e centros comunitários foram revitalizados para promover a interação social. Medidas de sustentabilidade, incluindo cobertura verde e isolamento aprimorado minimizaram a pegada ambiental, mantendo o caráter brutalista icônico do projeto ao mesmo tempo em que criavam uma vibrante comunidade de uso misto de unidades residenciais, escritórios, espaços de varejo e locais culturais. O projeto destaca o potencial de reutilização adaptativa de projetos modernistas, algo que também carrega enormes desafios, sobretudo em termos programáticos e de materiais e soluções construtivas.
Em muitas culturas, o fogo é um elemento sagrado, utilizado em rituais de renascimento e renovação. Ele carrega uma simbologia dicotômica, sendo ao mesmo tempo criador e destruidor, capaz de iluminar caminhos ou consumir tudo à sua volta. Na mitologia grega, por exemplo, Prometeu roubou o fogo dos deuses e o entregou à humanidade, marcando-o como um símbolo de progresso, conhecimento e poder criativo. No entanto, o fogo também evoca destruição, como nos contos bíblicos de Sodoma e Gomorra, onde foi usado como punição divina. Essa dualidade ficou evidente também no incêndio da Catedral de Notre Dame, em 2019, que devastou sua estrutura histórica. O desastre evidenciou uma onda de solidariedade e impulsionou avanços tecnológicos, com esforços de restauração utilizando ferramentas digitais, como escaneamento a laser e modelos BIM (Building Information Modeling), para recriar detalhes intrincados e preservar o legado arquitetônico.
Fundado pela arquiteta senegalesa Nzinga Mboup e pelo arquiteto francês Nicolas Rondet, o Worofila é um estúdio dedicado à arquitetura bioclimática e ecológica. Com sede em Dakar, Senegal, o escritório explora o potencial de materiais vernaculares, como tijolos de terra e fibras vegetais, aplicando técnicas contemporâneas para criar soluções construtivas eficazes. Seu trabalho aborda questões fundamentais relacionadas ao meio ambiente, sustentabilidade e urbanização, unindo materiais tradicionais a práticas inventivas.
Nesta entrevista, Nzinga e Nicolas compartilham sua visão sobre uma modernidade africana distinta, que integra métodos contemporâneos com conhecimentos e recursos tradicionais. Eles defendem uma abordagem de desenvolvimento que não apenas atenda às necessidades imediatas, mas também empodere comunidades e promova um progresso significativo e duradouro. Suas ideias oferecem uma perspectiva instigante sobre como a arquitetura pode impulsionar um futuro mais sustentável e contextual para as cidades africanas.
A prototipagem é um elemento essencial em setores como o design automotivo e a tecnologia, onde o desenvolvimento iterativo possibilita testar, refinar e inovar. Trata-se de criar versões preliminares ou modelos iniciais para validar ideias e ajustar soluções antes da produção final de uma peça, sendo uma etapa crucial para identificar falhas, otimizar designs e reduzir riscos, economizando tempo e recursos na implementação definitiva. Na arquitetura, entretanto, a prototipagem segue como uma prática subutilizada. Embora a disciplina envolva projetos marcados por particularidades únicas — sejam programáticas, climáticas ou relacionadas à implantação —, sua aplicação poderia ser transformadora. A prototipagem permite que arquitetos experimentem materiais inovadores, validem técnicas construtivas e testem configurações espaciais de forma prática e mensurável. Com isso, não apenas reduz incertezas no processo criativo, mas também impulsiona soluções ousadas e eficientes, promovendo um equilíbrio mais robusto entre estética, funcionalidade e viabilidade.
A arquitetura romana, celebrada por sua grandiosidade, precisão e inovações técnicas, tem fascinado historiadores e entusiastas por séculos. Ao combinar funcionalidade e estética, ela transformou as paisagens urbanas da antiguidade e deixou um legado que continua a influenciar a arquitetura contemporânea. Estruturas icônicas, como o Coliseu, o Panteão e os aquedutos romanos, exemplificam a engenhosidade romana no uso de materiais como o concreto e na aplicação de técnicas avançadas, como o arco e a abóbada, que garantiam durabilidade e eficiência às construções. No entanto, grande parte da teoria e do conhecimento que sustentaram esses feitos extraordinários se perdeu ao longo do tempo, deixando lacunas intrigantes em nossa compreensão de seus métodos e práticas.
Para alguns, a perfeição da natureza revela a assinatura de uma força divina, algo que desafia explicações racionais. Resultado de milhões de anos de adaptação e evolução, as estruturas e organismos naturais operam com uma eficiência difícil de não admirar. Cada forma parece ter um propósito preciso, exibindo uma engenhosidade onde funcionalidade e beleza coexistem harmoniosamente. Das folhas aos menores organismos, a natureza segue uma lógica impecável de economia e precisão, eliminando desperdícios. Demonstra que a simplicidade é, muitas vezes, a mais pura expressão de sofisticação.
As árvores, por exemplo, crescem de forma a maximizar a força e a estabilidade enquanto minimizam o uso de recursos. Essa eficiência estrutural é alcançada ao alinhar fibras ao longo dos caminhos de máxima tensão e ao modelar troncos e galhos para distribuir cargas de maneira ideal. Isso é uma prova de que a natureza, acima de tudo, é uma engenheira magistral.
Embora exista mais equilíbrio entre o número de mulheres e homens na arquitetura atualmente, a paisagem era bem diferente há algumas décadas. As mulheres pioneiras arquitetas tiveram que resistir em uma profissão dominada por homens e enfrentaram ceticismo em contextos desafiadores, como os próprios canteiros de obra. Zaha Hadid comentou sobre a dificuldade de inclusão no que chamou de "Boys Club", listando as dificuldades em chegar a acordos ou criar parcerias. Lina Bo Bardi, por sua vez, usou sua forte personalidade para superar o machismo de seu tempo. Embora com essas dificuldades, algumas mulheres sempre encontraram uma maneira de se destacar e trazer contribuições inestimáveis à profissão.
Em diversas ocasiões, lembramos de arquitetos famosos e suas descobertas materiais ao longo do tempo. Mas que tal reconhecer as contribuições das mulheres para a disciplina? Discutir suas explorações materiais pioneiras é essencial para entender seu papel nos projetos. Com uma análise do trabalho das conhecidas arquitetas Lina Bo Bardi, Norma Merrick Sklarek e Zaha Hadid - que introduziram técnicas inovadoras e tendências materiais - a discussão a seguir traz à luz como as ideias das mulheres influenciaram o desenvolvimento da arquitetura. Identificar suas abordagens sobre como gerenciar estruturas e materiais ajuda a entender a personalidade de seu trabalho e como implementar estratégias semelhantes no futuro.
Toda inovação traz consigo fricções, disrupções e, acima de tudo, aprendizados. Na construção civil — um setor historicamente resistente a mudanças — novos sistemas construtivos costumam ser recebidos com certo estranhamento, exigindo uma análise cuidadosa dos desafios que surgem. O sistema wood frame, amplamente adotado em países como Estados Unidos, Japão e Alemanha, nunca se popularizou no Brasil, devido a fatores que mantêm o setor intensivo em mão de obra e fortemente vinculado aos métodos convencionais de alvenaria e concreto.
No entanto, com a diminuição da oferta de mão de obra e novas demandas por eficiência e sustentabilidade, o setor da construção civil tem, gradualmente, explorado alternativas inovadoras. Nesse contexto, o edifício Parkside Carvoeira, em Florianópolis, destaca-se como um marco de inovação, sendo o edifício em wood frame mais alto da América Latina. Desenvolvido em parceria entre a Parkside, o escritório Desterro Arquitetos e a construtora local Tecverde, o projeto pioneiro adota o sistema como uma solução sustentável e eficiente para atender às necessidades da construção contemporânea no país.
Tecnologias vernaculares de construção baseiam-se em séculos de sabedoria prática, fruto de inúmeras tentativas e erros. Isso tende a eliminar tudo o que é irrelevante, criando sistemas altamente eficientes e simples, intrinsecamente adaptados ao clima e aos recursos locais. Para construções em climas frios, por exemplo, tais soluções evidenciam maneiras de conservar calor com o mínimo de consumo de energia, oferecendo insights valiosos para construções modernas, promovendo eficiência energética e harmonia ambiental. Neste artigo publicado anteriormente, já abordamos as técnicas tradicionais de resfriamento passivo, como torres de vento persas ou mashrabiya árabes. Agora, voltamos nosso foco para estratégias aplicáveis a climas frios, explorando soluções eficazes para retenção de calor e aquecimento de espaços.
Generative AI (Gemini / Google DeepMind). Concept: Eduardo Souza / ArchDaily
O termo "pré-fabricado" pode evocar imagens de construções padronizadas e sem variação, lembrando a arquitetura utilitária e repetitiva do período pós-guerra, onde a urgência por habitação rápida e econômica levou à criação de unidades uniformes e, muitas vezes, monótonas. No entanto, a realidade contemporânea é bem diferente. Com o avanço das tecnologias e métodos de construção, a pré-fabricação evoluiu para se tornar sinônimo de inovação, adaptabilidade e design personalizado. Hoje, essa técnica permite a criação de espaços multifuncionais e flexíveis, que respondem não apenas às necessidades práticas, mas também às demandas estéticas e sustentáveis da arquitetura moderna, com integração de materiais de ponta e com a inclusão de novas tecnologias, atendendo às demandas contemporâneas por personalização e adaptabilidade.
O Coliseu Romano é indiscutivelmente o local versátil mais icônico do mundo. Embora essa estrutura não tenha sido projetada para atividades esportivas, sediou diversos eventos, desde os conhecidos combates de gladiadores até performances teatrais e a dramática naumachia (batalhas navais). Isso demonstra que o uso flexível do espaço é relevante desde os tempos antigos. Séculos depois, no contexto do sempre mutável ambiente construído e desenvolvimento urbano, os locais esportivos também evoluíram, tornando-se exemplos notáveis de espaços multifuncionais.
Esses complexos atléticos se transformaram de locais altamente especializados em estruturas dinâmicas e multifuncionais. Seja sediando grandes eventos internacionais, como os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, ou servindo como pontos de encontro para comunidades locais, esses espaços encontram um delicado equilíbrio entre atender às necessidades de esportes específicos e manter a flexibilidade para acomodar uma variedade de atividades. Como essas funções diversas coexistem e se interconectam? Esta análise explorará como as instalações esportivas são configuradas como centros flexíveis para outras disciplinas e atividades do dia a dia.
https://www.archdaily.com.br/br/1020514/de-conchas-de-madeira-a-paineis-de-policarbonato-os-materiais-que-moldam-espacos-esportivos-flexiveisEnrique Tovar