O direito à praia: murando a erosão costeira

No início da pandemia de coronavírus, em março de 2020, os parisienses abastados afluíram para suas segundas residências na costa atlântica da França, quando foi declarado o lockdown no país. Em junho de 2020, quando as restrições afrouxaram na Inglaterra, os moradores se dirigiram para cidades litorâneas como Bournemouth para aproveitar o tempo ensolarado. O primeiro cenário reflete a crescente lacuna entre ricos e pobres da França, enquanto o último é um reflexo do poder democratizante das praias de acesso público.

Em ambas as situações, o que se busca é a tranquilidade natural normalmente encontrada nas praias. Globalmente, no entanto, há um fenômeno inquietante, segundo o qual, entrelaçado com mudanças climáticas e decisões políticas, as praias estão se tornando cada vez mais espaços privados e inacessíveis.

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Kiribati - sob ameaça devido ao aumento do nível do mar. Imagem cortesia de ​YAC - Young Architects Competitions

Dois anos após 2020, as mudanças climáticas estão na vanguarda das conversas políticas, pois os desastres naturais que ocorrem globalmente estão cada vez mais ligados à essas mudanças induzidas pelo homem. Outra consequência - um clima global em aquecimento - fez com que o nível do mar subisse à medida que a água do mar ocupa mais espaço na base do oceano e as geleiras derretem.

Esse aumento do nível do mar é motivo direto de tensão na região costeira dos Estados Unidos, já que as praias estão cada vez mais fechadas ao público em geral. A elevação do nível do mar, por sua vez, causa erosão costeira – e é a solução arquitetônica para essa situação que diminui o direito do público à praia.

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Muro no País de Gales. Imagem © Richard Allaway under the (CC BY 2.0) license

Para combater a erosão, os proprietários e gestores utilizam a prática de “blindagem” da linha costeira – usando estruturas como paredões e quebra-mares para estabilizar a região e proteger propriedades comerciais e residenciais. Ao mesmo tempo em que impede que a areia se mova para o interior, a blindagem da costa também restringe uma parte da orla disponível ao público em geral.

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Muro em Carsblad, Califórnia. Imagem © DBSOCAL via Shutterstock

Na maioria das praias dos Estados Unidos, o público tem o direito de acesso "lateral" às praias de areia seca, o que significa que as pessoas têm acesso à praia ao longo da areia molhada entre a maré baixa e a maré alta. No estado da Flórida, no sudeste americano, uma lei de 1974 declarou todas as praias de areia seca do estado abertas ao público. Isso, no entanto, foi contestado. No noroeste da Flórida, os proprietários de terrenos à beira-mar reivindicam direitos de propriedade privada sobre as praias desde 2016, buscando despejar os moradores que as acessam.

Os banhistas responderam afirmando seus direitos de uso de acordo com a lei de 1974. Embora lugares como o condado de Walton tenham se mantido ao lado dos banhistas públicos, uma consequência dessa disputa é que o Legislativo da Flórida agora tornou mais difícil para os governos locais aprovarem leis de uso habitual – o que não é totalmente surpreendente, já que quase 60% do litoral da Flórida está em áreas privadas. 

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Muro ao redor de uma casa na Flórida - restringindo o acesso do público. Imagem © Thomas Ankersen

Em paralelo a essa disputa sobre os direitos de acesso à terra, leis menos centradas no público também abrem espaço para a construção de diques que protegem os investimentos privados à beira-mar, infringindo ainda mais o que deveria ser um litoral acessível.

Do outro lado do globo, as praias da capital australiana Sydney também estão testemunhando conflitos relacionados ao acesso público causado, principalmente, pela construção de um paredão de 7 metros de altura e 1,3 quilômetro de comprimento no norte da cidade de Sydney, em Collaroy. O muro dividiu a comunidade local. Um grupo de moradores liderou o custo da construção, procurando limitar a erosão extrema que ocorre sempre que há uma grande tempestade. Outros moradores, no entanto, se opuseram a isso, citando o fato de que o espaço público é sacrificado para proteger a propriedade privada.

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Construção do paredão de Collaroy. Imagem © Northern Beaches Council

Alguns engenheiros costeiros criticaram os paredões verticais como o construído em Collaroy por serem desagradáveis, projetando-se desajeitadamente para fora da costa natural. Além de não serem estruturas visualmente atraentes, os paredões também limitam temporariamente a invasão do oceano e não são necessariamente uma solução de longo prazo para combater a erosão costeira.

A construção de paredões como forma de blindagem costeira também pode interferir no suprimento natural de areia, tornando mais provável que trechos de praia fiquem intransitáveis e o público em geral fique sem uma costa arenosa.

Alguns especialistas veem elementos rochosos como uma alternativa mais adequada aos paredões - estruturas inclinadas compostas por várias camadas de pedra. A pesquisa também mostrou que soluções mais “verdes”, como colinas, montes e vegetação, podem tornar os paredões obsoletos enquanto fornecem um nível semelhante de proteção.

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Muro na Ilha de Wight. Imagem © Public Domain

O paredão, a erosão costeira e o tema do acesso público são uma demonstração de como áreas públicas, a exemplo das praias, podem ficar inacessíveis. É também uma demonstração de como as soluções infraestruturais de mudança climática estão inevitavelmente interligadas com a terra e a lei.

Este artigo é parte dos Tópicos do ArchDaily: Tendências urbanas e habitacionais. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos do ArchDaily. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

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Sobre este autor
Cita: Maganga, Matthew. "O direito à praia: murando a erosão costeira" [The Right to the Beach: Walling off Coastal Erosion] 31 Jul 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/984866/o-direito-a-praia-murando-a-erosao-costeira> ISSN 0719-8906

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