Arquitetura exclusiva: como as intervenções em espaços públicos ignoram os moradores de rua

A responsabilidade social e o desejo de melhorar a sociedade há muito são influenciados pelo ambiente construído. Olhando para os centros das cidades, a arquitetura tem contribuído para a melhoria do tecido urbano, seja através de estratégias de planejamento e zoneamento, integração de espaços públicos ou pequenas intervenções. Em alguns casos, no entanto, essas intervenções são de fato usadas como ferramentas para manter os sem-teto fora das ruas, disfarçadas de arte ou projetos conceituais. Várias políticas públicas urbanas proibiram implicitamente os moradores de rua e outros grupos sociais marginalizados nos centros das cidades, alegando que sua presença e uso "irregular" do espaço público poderiam comprometer a reputação, a segurança e a conveniência na cidade.

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Condições habitacionais inacessíveis e onerosas contribuem majoritariamente para a espiral descendente dos moradores de rua. Em várias ocasiões, os governos explicaram que tais condições vêm afetando a população como um todo, e não apenas aqueles sem moradia permanente. Nos países europeus, 82 milhões de pessoas são afetadas pela taxa de sobrecarga habitacional, o que significa que gastam mais de 40% de sua renda disponível em custos de moradia. E enquanto os preços das casas estão constantemente em alta, a renda está estagnada. A maior preocupação é a taxa impressionante de moradores de rua. Um relatório da European Federation of National Organizations Working with the Homeless (Feantsa) e da French Abbe Pierre Foundation mostrou que a quantidade de desabrigados disparou em toda a Europa, com as porcentagens mais altas sendo de 169% na Inglaterra, 150% na Alemanha e 145% na Irlanda.

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São Paulo, SP, Brasil, APR, 27 2022, sem-teto acampado na Praça Ramos de Azevedo. Imagem © Erich Sacco / Shutterstock

Para os desabrigados, os espaços públicos são um refúgio. Pessoas marginalizadas descansam em bancos, debaixo de pontes, nas calçadas, mendigando ou apenas sentadas, pois não têm meios para permanecer em um espaço privado. Esses locais públicos, independentemente de sua forma, escala ou localização, tornam-se suas casas temporárias nas quais se instalam durante a noite.

Enquanto muitos culpam os urbanistas e/ou arquitetos pela criação de intervenções tão “hostis”, as tendências exclusivistas nas políticas urbanas recaem nas mãos dos poderes públicos que carregam a responsabilidade de privar seus cidadãos de moradia adequada, demonstrando contínuas falhas assistenciais e reforçando práticas distorcidas orientadas para o mercado. Muitas vezes, as estratégias de política urbana tendem a excluir os moradores de rua dos espaços públicos ou limitar a forma como os utilizam, embora seja seu dever legal fornecer abrigo a todos os membros da comunidade. De acordo com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “os Estados devem, independentemente de seu desenvolvimento, tomar medidas para oferecer imediatamente o direito à moradia adequada e que, nesse sentido, deve ser dada prioridade aos grupos sociais que vivem em condições desfavoráveis - tal habitação deve ser segura, adequada e acessível para a pessoa ou família em questão, e também garantir privacidade suficiente”.

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Bancos em Copenhagen, Dinamarca. Imagem © Andrew Fraieli

No entanto, a relação entre os moradores de rua e o espaço público urbano permanece controversa. Ao longo das últimas duas décadas, os espaços públicos sofreram consideráveis intervenções “anti-moradores de rua”, particularmente com o surgimento de zonas privatizadas em termos de imagem, segurança, estética e política: fortificações de terras públicas, desenvolvimento de condomínios fechados, etc. Em Nova York, barras inclinadas estreitas foram adicionadas à 53ª estação de Bay Ridge em vez de bancos regulares “para economizar espaço”, sem suporte adequado para idosos ou sem-teto. Abaixo da rodovia Huangshi, em Guangzhou, China, cerca de 200 metros quadrados de estacas de concreto são adicionadas para evitar que os moradores de rua usem a ponte como abrigo.

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Pinos em Guangzhou, China. Imagem © China Hush

Da mesma forma, em Accra, Gana, centenas de rochas irregulares foram adicionadas sob estradas e pontes para evitar que os moradores de rua dormissem ali. Cidades de toda a Europa adicionaram pequenos pinos metálicos e balizadores nos degraus das vitrines das lojas, impedindo que qualquer pessoa se sentasse. Muitas cidades do Reino Unido instalaram barras de metal nos bancos para evitar que os sem-teto dormissem neles, dificultando o uso do público em geral, enquanto na Rússia, os municípios adicionaram cadeados aos bancos públicos, dobrando-os e trancando-os durante a noite.

Embora as condições de vida dos moradores de rua tenham sido minuciosamente examinadas e pesquisadas, pouco foi feito para fornecer uma solução sustentável. Em primeiro lugar, uma análise aprofundada das causas reais que levam as pessoas a viver na rua é crucial para a concepção de medidas políticas adequadas, uma vez que muitas são frequentemente ignoradas ou mal interpretadas. Por exemplo, uma das crenças mais comuns é que a falta de moradia é resultado de desafios individuais e não de desigualdades nas políticas habitacionais, serviços públicos e emprego. O Conselho de Direitos Humanos e todos os seus Estados assumiram o compromisso internacional de resolver a falta de moradia ao adotar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, concordando em “garantir o acesso de todos a moradias e serviços básicos adequados, seguros e acessíveis, e melhorar as favelas” até 2030 .

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Mural por Viktor Miller-Gausa. Imagem Cortesia de Framlab

Talvez a solução mais óbvia para os moradores de rua seja resolver a crise habitacional por meio de moradias coletivas ou abrigos temporários de emergência que oferecem um lugar seguro para passar algumas noites, reforçando leis que estabelecem uma referência preços, implementando "habitações parasitárias" que se prendem a estruturas existentes, ou moradias permanentes de apoio. Essas soluções devem ser feitas em uma abordagem coordenada em toda a comunidade, e não apenas em intervenções de acupuntura.

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A-KAMP47 de Stephane Malka. Imagem Cortesia de Lauren Garbit, via Metropolis Magazine

Olhando para a situação desde outra perspectiva, os planejadores urbanos podem realmente obter interpretações dos moradores de rua sobre como a cidade está funcionando e como seu planejamento urbano está contribuindo para a melhoria da comunidade. Viver na rua exige uma compreensão muito boa do "submundo da cidade". Criando seus próprios habitats nas ruas estreitas e espaços públicos, os sem-teto foram capazes de forjar suas próprias unidades, relacionamentos, sistemas e estratégias de sobrevivência, escolhendo racionalmente onde se estabelecer para garantir sua integridade. Enquanto a percepção coletiva vê os moradores de rua como “os outros”, e fundamental compreender que eles são de fato membros essenciais da comunidade.

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Sobre este autor
Cita: Stouhi, Dima. "Arquitetura exclusiva: como as intervenções em espaços públicos ignoram os moradores de rua" [Exclusionary Architecture: How Design Interventions in Public Spaces are Dismissing the Homeless] 24 Jun 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/983974/arquitetura-exclusiva-como-as-intervencoes-em-espacos-publicos-ignoram-os-moradores-de-rua> ISSN 0719-8906

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