Novos espaços verdes não precisam levar à gentrificação

Décadas de renovação urbana, enraizadas em políticas de planejamento racistas, criaram as condições para que a gentrificação ocorresse nas cidades norte-americanas. Mas a principal preocupação com a gentrificação hoje é o deslocamento, que afeta principalmente as comunidades marginalizadas moldadas por um histórico de acesso negado a hipotecas. Na Conferência ASLA 2021 sobre Arquitetura Paisagística em Nashville, Matthew Williams e o Departamento de Planejamento da Cidade de Detroit, mostraram preocupação de que novos espaços verdes em sua cidade aumentem o valor de mercado das casas e "prejudiquem as comunidades marginalizadas". Entretanto, o investimento em espaços verdes não precisa necessariamente gerar o deslocamento dessas pessoas: se o projetos forem liderados pelas comunidades, podem gerar benefícios para todos.

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Por exemplo, os esforços para melhorar o Dequindre Cut em Detroit, transformando-o em uma via verde de 3,5 km de extensão, foram baseados nas necessidades da comunidade e, portanto, apoiados por todos. Embora o projeto de planejamento urbano do SmithGroup no corredor da linha verde tenha levado a um impacto econômico positivo, incluindo o crescimento do empreendedorismo nas proximidades e o envolvimento dos visitantes, ele também expandiu o espaço aberto, o desenvolvimento da comunidade e deu visibilidade aos artistas grafiteiros locais. “Nós permitimos que o grafite fosse mantido e criamos telas para mais artes. É uma forma vanguardista de preservação histórica e um modo de ativar um lugar latente e esquecido.”

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Dequindre Cut, Detroit / SmithGroup. Imagem cortesia de The Dirt
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Dequindre Cut, Detroit / SmithGroup. Imagem cortesia de The Dirt

Outro projeto é o Parque Ella Fitzgerald, na comunidade de Fitzgerald, um dos 10 bairros-chave onde o departamento de planejamento urbano tem concentrado investimentos em habitação, parques e desenvolvimento econômico. Dado que o bairro está passando por altos níveis de falências e execuções hipotecárias, muitos proprietários de casas remanescentes não conseguem vender suas propriedades. Desta forma, um novo parque comunitário e um caminho verde projetado pelo escritório de arquitetura paisagística Spackman, Mossop, e Michaels foi construído pela cidade como uma força de gentrificação, sendo acolhido como um lugar seguro para as crianças brincarem. "Era uma mudança necessária", disse Williams.

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Parque Ella Fitzgerald, Detroit/Earscapeplay.com. Imagem cortesia de The Dirt
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Ella Fitzgerald Park e Greenway / Spackman, Mossop e Michaels. Imagem cortesia de The Dirt

O Joe Louis Greenway, que leva o nome do famoso atleta, se estende por 44,5 quilômetros do centro de Detroit até Dearborn, antes uma cidade negra segregada. Com uma “visão de design inclusivo, o projeto é uma forma de reparação verde”, argumentou Williams. A cidade cobriu onde o redlining teve um impacto mais destrutivo em Detroit e nas comunidades vizinhas, e recorreu aos espaços verdes para desfazer parte dos danos. “Podemos focar nessas áreas vermelhas nos mapas de redlining, transformando-as em áreas produtivas, inovadoras e ecológicas.” Os esforços de planejamento urbano com o SmithGroup incluíram um envolvimento significativo da comunidade. Espaços verdes estratégicos, fundamentados nos desejos da comunidade, são uma das “nossas melhores ferramentas para consertar os erros do passado”.

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Joe Louis Greenway, Detroit / SmithGroup. Imagem cortesia de The Dirt
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Reunião de planejamento comunitário do Joe Louis Greenway, Detroit / SmithGroup. Imagem cortesia de The Dirt

Diane Jones Allen, FASLA, diretora e professora de arquitetura paisagística na Universidade do Texas em Arlington e atual bolsista em Dumbarton Oaks, recebeu um prêmio de pesquisa em 2020 da Fundação SOM por seu trabalho, Reclaiming Black Settlements — um manual de projetos para comunidades históricas na sombra da expansão. Sua pesquisa envolveu o mapeamento das comunidades de Black Freedmen em todo o Texas e incluiu sete projetos de pesquisa na área de Dallas / Ft. Worth. Ao longo do Rio Trinity, Allen tem mergulhado "nas terras baixas e industriais", onde muitas comunidades negras construíram seu lar. Apesar das questões de justiça ambiental a longo prazo, estas comunidades ainda estão enfrentando pressões de deslocamento. Segundo ela, "as margens do rio estão em alta neste momento".

A comunidade existente não está reagindo negativamente ao Harold Simmons Park, um parque planejado no Rio Trinity por Michael Van Valkenburgh Associates, já que ele criará "espaços sociais saudáveis ao longo do rio". Para garantir que os preços das casas nas comunidades negras próximas ao parque não subam, uma corporação de desenvolvimento ligada a uma igreja local está “se antecipando e reformando as casas”.

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Harold Simmons Park, Dallas, Texas / Michael Van Valkenburgh Associates. Imagem cortesia de The Dirt
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Harold Simmons Park, Dallas, Texas / Michael Van Valkenburgh Associates. Imagem cortesia de The Dirt

Outra comunidade rio abaixo, o Jardim do Éden, fundada por uma família negra em 1881, foi impactada por empresas de concreto que cavaram poços de cascalho industriais ao longo do rio. Uma vez que os arrendamentos da terra fossem finalizados, as empresas deveriam preencher os poços de cascalho, mas nunca o fizeram. Assim, a comunidade está “recuperando esses poços através de uma infraestrutura verde, criando espaços recreativos”.

No último dos sete locais estudados ao longo do rio, Joppa, uma cidade histórica de Freedmen, está o projeto Joppee Lakes, local de uma ferrovia e uma fábrica de concreto que está sendo reimaginada como uma solução de águas pluviais para o centro de Dallas. O Corpo de Engenheiros do Exército entregou o local à cidade de Dallas, que por sua vez está trabalhando com a comunidade negra para reformar o Parque de Honey Springs. O parque, que contorna o lago, possui um centro comunitário com infra-estrutura verde que pode fazer o tratamento de esgoto e oferecer áreas de recreação a comunidade.

Para evitar a gentrificação verde, Allen disse que é fundamental “entender a história de cada lugar. O projeto tem que ser fundamentado e a história é realmente poderosa.” As comunidades de Black Freedmen ao longo do rio Trinity criaram uma mesa redonda comunitária e estão “visitando o futuro juntos”. Eles estão compartilhando “fontes de financiamento e subsídios e conversando sobre os problemas”. Os grupos da cidade de Freedmen também estão "conectando os espaços verdes, criando uma trilha que unirá todos". Allen afirma que todos têm “muito conhecimento sobre a política e as questões de qualidade do ar em torno do transporte e das fábricas de cimento”. Os arquitetos paisagistas podem trabalhar com comunidades como estas para ajudá-los a "articular estas questões" e "promover e melhorar as conexões uns com os outros".

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Lagos Joppee, Texas / DesignJones LLC. Imagem cortesia de The Dirt

Boston investiu US$ 5 milhões para reimaginar o Parque Franklin de Frederick Law Olmsted em Dorchester, Jamaica Plains e na vizinhança de Roxbury. Uma equipe comandada pelo escritório de arquitetura paisagística Reed Hilderbrand está liderando o esforço do plano de ação, que inclui o MASS Design Group, concentrado nas "conexões da cidade e do bairro", e o Agency Landscape + Planning, focado no envolvimento público, planejamento e programação. De acordo com Sierra Bainbridge, ASLA, arquiteta paisagista e diretora sênior da MASS Design Group, sua organização está procurando responder perguntas como: "Podemos conectar as gerações presentes e futuras ao parque? Os bairros vizinhos podem se beneficiar do processo de aquisição de um parque redesenhado"?

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Plano de Ação Franklin Park. Imagem cortesia de The Dirt
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Plano de Ação do Franklin Park / MASS Design Group. Imagem cortesia de The Dirt

Bainbridge argumentou que os limites mal-concebidos do parque estão deixando muitas pessoas de fora. Os perímetros, que estão "bloqueando o acesso", incluem ruas de 3 a 4 faixas sem iluminação para as faixas de pedestres. Também não há comércio local ao longo do parque, portanto, se os food trucks não estiverem lá, os visitantes precisam trazer sua própria comida e bebida. "Há uma enorme oportunidade de aumentar as conexões entre o parque e a comunidade local, principalmente por meio de grandes eventos”.

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Plano de Ação do Franklin Park, Boston, Massachusetts / Agência, MASS Design Group, Reed Hilderbrand. Imagem cortesia de The Dirt

Embora o planejamento e as mudanças de zoneamento precisem acontecer para aumentar a presença de empresas locais em todo o parque, Bainbridge afirma que a aquisição também é uma ferramenta poderosa para aumentar o envolvimento da comunidade com o renovado parque Olmsted. Considerando o projeto do MASS Design Group em Ruanda como modelo, o treinamento e a contratação de artistas locais, pedreiros e trabalhadores foi fundamental para criar um senso de propriedade em torno dos projetos comunitários de saúde da organização. "A pergunta para muitos era 'para quem é este projeto? Nós lhes mostramos que será para eles". Como resultado, os membros da comunidade que trabalhavam no projeto passaram a confiar na missão e passaram a frequentar os centros de atendimento e hospitais.

Na mesma linha, o Franklin Park pode criar oportunidades para artistas e trabalhadores locais. Se os procedimentos de aquisição de Boston forem inferiores a US$ 10.000 podem existir flexibilizações. “Existe potencialmente uma maneira de também segmentar projetos maiores em etapas menores” para dar a mais empresas e artistas locais oportunidades de licitação. Como parte do projeto, a equipe também está treinando pequenas empresas pertencentes a minorias e mulheres para aproveitar essas oportunidades. “O treinamento custa menos de 10% do projeto, mas o impacto é multiplicado por toda a comunidade, além de já estar contabilizado no plano.”

Este artigo foi originalmente publicado no The Dirt.

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Sobre este autor
Cita: Green, Jared. "Novos espaços verdes não precisam levar à gentrificação" [New Green Spaces Don’t Have to Lead to Gentrification] 04 Mar 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Bisineli, Rafaella) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/976198/novos-espacos-verdes-nao-precisam-levar-a-gentrificacao> ISSN 0719-8906

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