“Desconstrutivismo” (embora a palavra não conste no dicionário da língua portuguesa), poderia ser entendido como a desmontagem ou demolição de uma estrutura construída, seja por razões estruturais ou como um ato subversivo. Muito além do significado literal da palavra, o fato é que a grande maioria das pessoas, inclusive os arquitetos, mal sabem o que é realmente o desconstrutivismo.
Efetivamente, desconstrutivismo não foi um estilo de arquitetura. Muitos menos pode ser considerado um movimento de vanguarda. Não possui um conjunto de “regras” específicas ou uma estética consensual e também não foi um movimento de revolta contra os paradigmas da arquitetura moderna. Desconstrutivismo poderia ser traduzido como uma provocação, uma incitação à explorar diferentes possibilidades e uma liberdade formal ilimitada.
Durante os anos da Primeira Guerra Mundial, vanguardistas russos conhecidos como construtivistas, romperam com os paradigmas da arquitetura e da composição clássica. Suas séries de desenhos ilustravam projetos que desafiavam as “normas geométricas” do mundo da arquitetura. Proporcionando um novo ponto de vista crítico e experimental, suas formas fantásticas provocaram as pessoas à repensar os limites da disciplina, abrindo as portas para um novo universo experimental no campo da arquitetura. No pós-guerra, a Rússia passava por um inevitável e radical período de mudanças e revoluções. Este contexto influenciou decisivamente a maneira de se pensar e conceber a arquitetura. A partir de então, a arquitetura começou a ser vista como uma forma superior de arte, influenciando e sendo influenciada diretamente pela sociedade na qual estava inserida. Por conseguinte, a revolução social resultaria impreterivelmente em uma revolução na arquitetura. A geometria, seja no campo expandido da arte ou na própria arquitetura, assumiu formas completamente irregulares. Naquele momento, Vladimir Tatlin projetou seu monumento em forma de torre, para a Terceira Exposição Internacional de 1919. Seguindo a mesma linha, Aleksandr Rodchenko apresentou um projeto experimental para uma estação de rádio, onde estavam presentes todos os tipos possíveis de experimentação geométrica e irregularidades formais. Entretanto, seja por motivos econômicos ou tecnológicos, essas arrojadas estruturas nunca chegaram às vias de fato, e permaneceram apenas como esboços de uma realidade que ainda deveria ser explorada.
Paralelamente ao movimento construtivista russo, o modernismo também começava a por suas asas de fora. Talvez tenha sido apenas uma questão de timing de ambos os movimentos que levou o modernismo a triunfar decisivamente sobre o construtivismo. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, tudo o que as pessoas mais desejavam era uma vida estável e descomplicada; O construtivismo não tinha a menor chance de prevalecer em um cenário deste tipo. Toda e qualquer ornamentação foi abolida, deixando apenas espaço para uma funcionalidade elegante e manifesta.
Qual é a relação entre o desconstrutivismo, o construtivismo russo e o modernismo?
Equívocos em torno do desconstrutivismo podem ser o resultado da própria terminologia. A palavra se traduz em um ato de demolir ou desconstruir uma estrutura existente, implicando um ato subversivo. O desconstrutivismo não foi um grande movimento dentro da arquitetura e tampouco um estilo artístico que ganhou o mundo da noite para o dia capaz de transformar a realidade tal qual a conhecemos. Foi uma mistura de construtivismo e modernismo, influenciado pelo pós-modernismo, pelo expressionismo e também pelo cubismo.
O termo apareceu por primeira vez na década de 1980, como uma idéia desenvolvida pelo filósofo francês Jacques Derrida. Derrida, amigo próximo do arquiteto Peter Eisenman, desenvolveu a ideia de fragmentação estrutural para explorar a assimetria da geometria (claramente inspirada no construtivismo russo), mantendo a funcionalidade central do espaço (inspirada pelo modernismo). O tema veio à tona durante o concurso de arquitetura para o Parc de la Villette na primeira metade dos anos 1980, graças tanto à proposta vencedora, desenvolvida por Bernard Tschumi, assim como pelo projeto desenvolvido por Derrida em parceria com Eisenman.
O desconstrutivismo ganhou mais atenção durante a exposição de arquitetura desconstrutivista de 1988 do MOMA, organizada por Philip Johnson e Mark Wigley, apresentando projetos desenvolvidos por Zaha Hadid, Peter Eisenman, Daniel Libeskind, entre muitos outros. Naquela época, o desconstrutivismo não era considerado um movimento estabelecido ou um estilo como o cubismo ou o modernismo. Johnson e Wigley perceberam algumas semelhanças na abordagem projetual dos arquitetos e as apresentaram lado à lado em um dos mais importantes museus de Nova Iorque.
Os projetos reunidos nesta exposição possuem uma sensibilidade única e particular, aonde a ideologia da formalidade pura e simples é contestada. Chamamos de desconstrutivistas aqueles projetos que tem a capacidade de desestabilizar a nossa maneira de perceber o mundo. A exposição examina um episódio, um ponto de intersecção entre vários arquitetos, onde cada um deles apresenta uma estrutura inquietante, a qual explora o potencial oculto do modernismo. - Phillip Johnson e Mark Wigley, trecho do livro Arquitetura Desconstrutivista publicado pelo MoMA.
Seguindo as teorias de Derrida e a abordagem “vanguardista” do construtivismo russo, os arquitetos começaram a experimentar com os espaços e os volumes. O estilo desconstrutivista foi então caracterizado pela assimetria e descontinuidade. As regras do jogo da arquitetura foram quebradas e a máxima moderna “a forma segue a função” foi completamente abandonada, mas ainda assim, algo do refinamento e da elegância do modernismo permaneceu. Os edifícios foram manipulados de forma a assumir formas geométricas imprevisíveis, mas conservando a sua função. Basicamente, podemos dizer que os arquitetos começaram a se divertir com seus modelos deixando de lado a parte mais prática: e por que não?
No entanto, a maioria dos arquitetos rejeitava o rótulo de “desconstrutivistas”, distanciando-se de qualquer tipo de movimento. Bernard Tschumi acreditava que “chamar a obra desses arquitetos de 'movimento' ou de um novo 'estilo' estava completamente fora de contexto, mostrando como suas ideias eram incompreendidas”, não estávamos tratando de um estilo contrário ao pós-modernismo. Infelizmente, o termo pegou, e estas obras continuam sendo tratadas como arquitetura "desconstrutivista" até hoje. Deixando de lado o chavão, esta abordagem desconstrutivista foi responsável pela criação de algumas das estruturas mais emblemáticas e premiadas do mundo até então, influenciando decisivamente as novas gerações de arquitetos.