A UN-Habitat ou agência das Nações Unidas para o desenvolvimento urbano sustentável, cujo principal foco é encontrar soluções para os desafios impostos pelo rápido e voraz processo de crescimento e expansão urbana em países de economias emergentes, vem desenvolvendo abordagens inovadoras no campo da arquitetura e do urbanismo, centradas no usuário e nos processos participativos. Pensando nisso, o ArchDaily associou-se a UN-Habitat para trazer notícias, artigos e entrevistas semanais que se destacam neste setor, disponibilizando a nossos leitores conteúdos em primeira mão e direto da fonte.
A medida que a luta contra o coronavírus parece ainda muito distante de um final feliz, as restrições impostas para tentar minimizar o risco de contágios e consequentemente, de hospitalizações e mortes, continua a castigar muitas cidades ao redor do mundo. Neste contexto, a necessidade de se criar instrumentos alternativos que possam ajudar as entidades urbanas e governos locais a sair desta situação parece mais urgente do que nunca. Embora a pandemia tenha provocado uma mudança drástica na maneira como nos relacionamos uns com os outros e principalmente no modo como nos apropriamos dos espaços públicos, a demanda por mais áreas verdes e espaços abertos não diminuiu, muito pelo contrário. As pessoas, mais do que nunca, precisam sair, se exercitar, ter um contato mínimo com a natureza, poder se locomover, trabalhar, estudar e socializar com outras pessoas para manter um estado mental minimamente saudável. Pensando nisso, a UN-Habitat está lançando uma campanha que procura apontar os possíveis caminhos para se estabelecer uma resposta urbana eficaz em combate à Covid-19, delineando ferramentas que podem ajudar os governos locais a prevenir a disseminação e propagação do vírus além de desenvolver estratégias de resiliência urbana para encarar possíveis situações similares no futuro.
Embora as restrições impostas como medida de combate à disseminação do vírus tenham afetado a todos ao longo do último ano, as camadas mais pobres da população são aquelas que mais sofrem com isso. “Muitas pessoas perderam a sua principal fonte de renda e sustento durante a pandemia e neste momento encontram-se em uma situação de pobreza e miséria”, aponta o relatório anual publicado recentemente pela UN-Habitat. Evidenciando a carência por espaços públicos e a péssima distribuição de infraestruturas públicas e áreas verdes no território de muitas de nossas cidades, a pandemia escancarou a urgência por este tipo de espaços—especialmente nas zonas mais pobres e muitas vezes, mais densamente ocupadas de uma cidade. Buscando reestabelecer a confiança dos moradores, tanto como uma medida mitigadora do impacto da pandemia quanto como uma estratégia para o futuro, a UN-Habitat lançou uma lista de 12 estratégias para tornar as cidades mais resilientes, focando na acessibilidade, flexibilidade, projeto, gestão e manutenção dos espaços públicos, conectividade e distribuição equitativa. Descubra estas 12 estratégias de ação a curto, médio e longo prazo.
Intervenções de curto prazo
1- Os espaços públicos são um ativo importante em tempos de crise
Espaços públicos são fundamentais para a qualidade de vida de uma cidade, além disso, eles oferecem uma oportunidade única para a instalação de estruturas temporárias ou secundárias no centro de uma cidade ou bairro, e por isso eles precisam ser flexíveis, multifuncionais e adaptáveis. Espaços públicos são recursos cruciais em tempos de crise, proporcionando oportunidades para que as pessoas possam estar ao ar livre de forma segura e mais do que isso, eles representam a principal fonte de renda para muitas famílias.
2- Sistemas integrados de espaços públicos
Acredita-se que ao longo do último ano, pelo menos metade da população global passou por algum período de lockdown. Como consequências disso, os congestionamentos urbanos diminuíram drasticamente assim como a demanda sobre os sistemas públicos de transporte. Muitas cidades acabaram desativando parte de sua infra-estrutura viária, abrindo ruas peatonais para que as pessoas pudessem se deslocar com mais segurança pelos espaços públicos além de promover sistemas alternativos de mobilidade urbana. Estas estratégias tiveram um impacto significativo na redução das emissões de CO2, melhorando a qualidade do ar e consequentemente, promovendo a qualidade de vida e diminuindo os riscos de contágio.
3- Ampliando os espaços públicos
O distanciamento físico implica em mais espaço para um número menor de pessoas. Consequentemente, a proporção de metros quadrados de espaço público por habitante mudou radicalmente ao longo do último ano. Desta forma, a ampliação dos espaços públicos, como o fechamento de ruas para veículos e a criação de novas calçadas é vista como uma das principais estratégias para cumprir com as novas regras de distanciamento físico em uma cidade, principalmente em áreas urbanas densamente ocupadas, como em centros históricos e assentamentos informais ou favelas.
4- Promovendo a flexibilidade do espaço
Para serem resilientes em tempos de crise, espaços públicos precisam ser multifuncionais, flexíveis e adaptáveis. Precisamos promover a resiliência de nossas cidades, por exemplo, permitindo que ruas e praças recebam pequenas feiras livres de bairro, flexibilizando áreas de estacionamento ou fechando ruas temporariamente ou de forma permanente. Praças e espaços subutilizados podem ser transformados em centros de saúde comunitários, feiras ao ar livre ou até em áreas de cultivo para que os moradores possam plantar suas próprias verduras e vegetais. Outra estratégia é a programação do uso de uma rua de acordo com o horário e o dia da semana, definindo parâmetros para facilitar uma maior diversidade de usos e funções. Reaproveitar o espaço da rua também significa expandir áreas de calçada e implantar novas ciclovias e ciclofaixas seja temporariamente ou seja de forma definitiva.
5- Espaços públicos podem promover serviços essenciais em comunidades marginalizadas durante períodos de crise
Espaços públicos podem ser facilmente adaptados para disponibilizar serviços essenciais para comunidade carentes em períodos de crise, como a distribuição de água potável e produtos de higiene pessoal. Além disso, estruturas temporárias podem ser instaladas para oferecer auxílio e assistência social a estas pessoas em momentos difíceis como em uma pandemia.
6- O espaço público é fundamental para a subsistência de comunidades carentes
As pessoas que mais sofrem com as restrições de circulação são as famílias mais pobres, muitas das quais dependem dos espaços públicos para ganhar a vida. Mais de 60% da população urbana na África vive do setor informal, o principal motor da economia de todo um continente. Em um momento de crise, quando se restringe o movimento e circulação de bens e pessoas, é importante portanto permitir que os vendedores ambulantes continuem a operar com segurança. As ruas podem ser adaptadas e critérios precisam ser estabelecidos para que o distanciamento adequado possam ser mantido para a segurança de todos.
7- O espaço público pode ser uma plataforma de compartilhamento (conectando lugares e pessoas)
Espaços públicos que permanecem abertos nos oferecem uma contribuição considerável para compartilhar informações sobre medidas preventivas. As autoridades locais podem disponibilizar pontos de informação e direcionamento assim como de atendimento emergencial. Esses espaços também podem funcionar como uma plataforma de compartilhamento de informações, um espaço de diálogo e negociação para permitir que o governo e as comunidades locais encontrem um ponto de equilibro que possa ser benéfico para todos.
Intervenções de médio e longo prazo
8- Distribuição equitativa dos espaços públicos
A pandemia deixou evidente a péssima distribuição dos espaços públicos acessíveis em muitas de nossas cidades, uma situação que parece se agravar ainda mais a medida que nos distanciamos das áreas centrais ou adentramos áreas de ocupação informal e favelas, onde espaços abertos e áreas verdes, como parques, jardins e playgrounds praticamente inexistem. Nestas áreas, parques, praças e palygrounds ainda hoje são considerados um privilégio. Neste sentido, é um dever dos governos locais garantir que os espaços públicos sejam mais uniformemente distribuídos pelo território de sua cidade, e mais, que estes estejam distribuídos de forma a criar uma rede de espaços públicos acessíveis e interconectados—algo que facilitaria e muito a vida das pessoas, promovendo qualidade de vida além de facilitar a adequação dos espaços públicos segundo as novas regras de distanciamento físico estabelecidas.
9- Plano para bairros autossuficientes ou “áreas de vizinhança”
Uma vez estabelecidas as regras de distanciamento físico e as restrições de movimento, as áreas de vizinhança podem ser um modelo para combater a propagação do vírus, já que todos os residentes de uma mesma área de vizinhança têm acesso a tudo aquilo que precisam perto de casa. Mas obviamente, bairros auto-sustentáveis só existem em cidades onde os espaços públicos, a infra-estrutura e os serviços básicos são equitativamente distribuídos pelo seu território.
10- Projeto, materiais empregados, gerenciamento e manutenção dos espaços públicos são fundamentais para combater a propagação do vírus
Estudos mostram que o vírus SARS- CoV-2 pode permanecer vivo no ar ou em superfícies por longos períodos de tempo. Pensando nisso, espaços públicos devem ser projetados de forma a garantir o distanciamento físico entre os usuários além de que, estes mesmos espaços precisam ser mantidos e desinfectados com frequência caso estejam sendo utilizados em uma situação de pandemia, especialmente portas, maçanetas e até o mobiliário urbano.
11- Construindo “Resiliência Social”
Como já foi dito antes, a pandemia provocou uma mudança drástica na maneira como nos relacionamos uns com os outros e também no modo como nos apropriamos dos espaços públicos. O impacto desta pandemia foi gigantesco naquilo que se refere à socialização, um desafio sem precedentes às práticas culturais e a vida familiar. Neste contexto, espaços públicos pode desempenhar um importante papel no fortalecimento da resiliência social de uma comunidade ou família, ou seja, espaços onde as pessoas podem socializar sem no entanto expôr-se demais.
12- Mudanças sistêmicas requerem políticas públicas eficazes
Finalmente, e talvez este possa ser um ponto positivo da experiência pandêmica do último ano, a crise de COVID-19 ajudou a alavancar uma série de parcerias entre pessoas e órgãos diversos, desde profissionais de saúde e agente do poder público, até pesquisadores e benfeitores. Como resultado disso, vimos nascer novos projetos e estratégias de financiamento e desenvolvimento de obras públicas em bairro pobres e comunidades carentes. Se faz cada vez mais urgente estabelecer uma agenda política compartilhada em que o planejamento urbano, o desenvolvimento comunitário, a arquitetura, a sustentabilidade e a saúde pública— tudo seja pensado de forma conjunta para que finalmente possamos vencer juntos esta batalha.
Info Via UN-Habitat.
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