Felicidade Interna Bruta como política pública: o caso de Butão

Recentemente, o renomado escritório dinamarquês BIG anunciou o lançamento do seu projeto para a cidade de Gelephu, no Butão. Um masterplan inspirado na cultura do país e nos seus princípios de felicidade. A "Mindfulness City" apresentará inúmeras possibilidades de apropriação ao público, trazendo investimentos em infraestrutura, educação e tecnologias sustentáveis, tudo sob os preceitos da Felicidade Interna Bruta (FIB).

Apesar do conceito ter ganho os holofotes no âmbito arquitetônico e urbanístico no decorrer dos últimos anos, a Felicidade Interna Bruta é um indicador há muito conhecido e aplicado no Butão, mais precisamente desde 1972. Na época, a visão do rei era indicar o crescimento do país sem considerar apenas o aspecto econômico, ou seja, levando em consideração conceitos culturais, espirituais, psicológicos e ambientais. O indicador avaliaria, por exemplo, o bem-estar humano, o uso dos recursos naturais e a utilização do tempo de forma equilibrada pelos habitantes.

Felicidade Interna Bruta como política pública: o caso de Butão - Imagem 3 de 6
BIG divulga projeto da "Mindfulness City" que une patrimônio histórico e o futuro do Butão. Cortesia de Bjarke Ingels Group

Com o FIB, o Butão postula que é necessário mudar o objetivo do desenvolvimento, do lucro para a felicidade, e essa ideia de apresentar uma abordagem alternativa para medir o progresso e o bem-estar de um país, em contraste com os indicadores econômicos tradicionais como o Produto Interno Bruto (PIB), vem ao encontro do momento o qual a sociedade está vivendo, em um planeta à beira do colapso ambiental, econômico e psicológico. Em tal contexto, o Butão tornou-se referência pois colocou a proteção ambiental e a sustentabilidade no centro da política, aceitando os benefícios do contato com a natureza para o bem-estar da população. Além disso, desde a década de 70, por meio de uma série de políticas públicas centradas no ser humano, o país dobrou sua expectativa de vida, matriculou quase 100% das suas crianças nas escolas e reformulou sua infraestrutura, o que resultou em um índice FIB de 0,781 em 2022 em uma escala de 0 a 1, analisado por meio de um questionário individual com quase 150 perguntas. Butão também se tornou o primeiro país do mundo a apresentar índices negativos de emissão de carbono.

Nesse sentido, embora o indicador da Felicidade Interna Bruta leve em consideração aspectos que parecem ser subjetivos, como a relação com a espiritualidade, o nível de otimismo de cada cidadão e a distribuição das horas entre trabalho, atividades de lazer e educacionais, muitos deles estão intimamente relacionados à forma como a cidade e sua arquitetura estão sendo desenvolvidas. Um bom plano de mobilidade, por exemplo, pode fazer com que o cidadão otimize seu tempo e aproveite mais suas horas de descanso com atividades de lazer e cultura. Sendo assim, não restam dúvidas de que a maioria dos preceitos definidores do FIB estão diretamente relacionados à arquitetura e ao urbanismo apresentando diretrizes que podem interferir significativamente no bem-estar da população.

Felicidade Interna Bruta como política pública: o caso de Butão - Imagem 5 de 6
Bhutan Happiness Centre / 1+1>2 Architects. © Hoang Thuc Hao

Na teoria, o indicador FIB está dividido em quatro pilares: boa governança, desenvolvimento socioeconômico sustentável, preservação e promoção da cultura e conservação ambiental. Estes pilares, por sua vez, estão articulados em nove domínios. Entre eles, além do bem-estar psicológico, medido pelo otimismo que cada cidadão tem em relação à sua vida, e do uso do tempo no cotidiano, o FIB também é avaliado pela vitalidade comunitária e sensação de pertencimento e segurança dentro da comunidade; pelas condições de educação e saúde, incluindo suas instalações e equipamentos; pelo padrão de vida relacionado a segurança financeira e a qualidade habitacional; pela governança, ou seja, sistema de eleições, métodos anticorrupção, etc.; pela cultura e o fortalecimento das tradições locais e, por fim, pelo meio ambiente, medindo a relação entre os cidadãos e os meios naturais.

Na prática, a materialização desses preceitos dentro do âmbito arquitetônico pode ser vista no Bhutan Happiness Centre, inaugurado em 2015 na capital do Butão, Thimphu. Construído para celebrar o fato de que Butão foi o primeiro país do mundo a aplicar a taxa do FIB em vez do PIB, o centro é um espaço no qual todos podem visitar e partilhar as suas experiências e filosofias sobre a felicidade. Dois dos quatro pilares principais do FIB são a proteção do meio ambiente e a preservação da cultura e da identidade. Portanto, o governo do Butão exigiu que o centro GHN fosse sustentável e representasse a identidade cultural contemporânea e tradicional através do projeto. Isso se deu por meio do uso de materiais naturais, como terra, pedra e madeira, além dos sistemas de energia solar e coleta de água da chuva. Vale destacar também o programa de atividades oferecido pelo centro que envolve a comunidade com workshops e ateliês interdisciplinares, muitas vezes pautados nos exercícios que incentivam um olhar introspectivo para dentro de si e uma reconexão com a natureza.

Felicidade Interna Bruta como política pública: o caso de Butão - Imagem 4 de 6
Bhutan Happiness Centre / 1+1>2 Architects. © Hoang Thuc Hao

Já no âmbito urbano, a "Mindfulness City", citada anteriormente, tem como objetivo promover a biodiversidade por meio de seus diversos ecossistemas e paisagens naturais. Ela utiliza um sistema de bairros animados projetados para se assemelharem a campos de arroz e dispostos ao redor de rios. Inspirado na arquitetura tradicional butanesa, o desenho da cidade prioriza a sustentabilidade ao usar materiais locais, além de pavimentos permeáveis que permitem a absorção da água da chuva.

Felicidade Interna Bruta como política pública: o caso de Butão - Imagem 6 de 6
Bhutan Happiness Centre / 1+1>2 Architects. © Hoang Thuc Hao

Entender a arquitetura como uma ferramenta da geração de bem-estar não é um conceito novo, há inclusive, classificações oficiais que usam o bem-estar como medida de qualidade. Entretanto, apesar dos estudos e pesquisas cada vez mais presentes, o que impressiona no caso do Butão é a escala na qual o conceito de bem-estar foi aplicado e a forma como suas políticas públicas desencadeiam uma reflexão muito necessária em um mundo no qual os resultados financeiros são prioridade. Por meio dos seus exemplos, o pequeno país no Himalaia parece nos mostrar que a qualidade de uma arquitetura não está relacionada ao quanto financeiramente se investe nela, com materiais luxuosos e estruturas megalomaníacas, mas sim, à desenhos que fazem sentido no entorno, respeitando a natureza e fornecendo infraestrutura básica para uma comunidade. É como já dizia a máxima, “a felicidade está nas coisas simples da vida”.

Galeria de Imagens

Ver tudoMostrar menos
Sobre este autor
Cita: Camilla Ghisleni. "Felicidade Interna Bruta como política pública: o caso de Butão" 22 Jan 2024. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1012337/felicidade-interna-bruta-como-politica-publica-o-caso-de-butao> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.