Desenho urbano em grelha: a arte esquecida de fazer cidades

A locomoção em algumas cidades pelo mundo é mais simples de compreender, assim como achar um endereço sem o GPS não se torna uma tarefa tão difícil, mesmo para quem visita um lugar pela primeira vez. O desenho dos municípios ajuda a explicar essa sensação que determinadas localidades transmitem. Espaços urbanos projetados em grelha (ou grid, do original em inglês), como Barcelona (Espanha), Nova York, Chicago e Phoenix (EUA) e Toronto (Canadá), por exemplo, no qual as vias se cruzam formando ângulos retos — compondo um mapa parecido com uma grade — facilitam a orientação dos indivíduos e otimizam a utilização dos ambientes.

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Essas grelhas reúnem, além das ruas, avenidas, quadras, praças, parques e outras áreas que fazem parte de uma cidade. Apesar da maioria dos pedestres, ciclistas e motoristas não se dar conta desse traçado, ele é um dos mais comuns na idealização dos municípios e está presente na evolução das localidades desde a Antiguidade. Existem registros desse tipo de configuração há mais de 5 mil anos em regiões que vão da Índia ao México, acrescenta reportagem do jornal Estadão. Ao longo dos séculos, esse modelo de concepção deixou de ser empregado e voltou às pranchetas dos urbanistas diversas vezes.

Os Estados Unidos, complementa artigo do The Economist, possuem, atualmente, algumas das cidades mais ordenadas do planeta, entre elas Chicago (Illinois). O município, que teve seu layout em grade definido pela primeira vez em 1830 e o seu sistema de vias inteligentes estabelecido no início do século XX, tem ruas que vão, quase que exatamente, de Norte a Sul ou de Leste a Oeste e quadras padronizadas.


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Belo Horizonte, Brasil. Created by @dailyoverview, source imagery: @maxartechnologies

Essa maneira de esquematizar as localidades traz vantagens como a melhora da mobilidade, possibilitando que as pessoas caminhem até os seus destinos em uma rota mais direta, sem precisar se preocupar em acabar em becos sem saídas ou em barreiras que as impeçam de atravessar uma estrada.

Outro benefício é que esse desenho permite a separação dos pedestres dos veículos, os carros lentos dos rápidos e o trânsito interno de um bairro do tráfego intenso. As grelhas, descreve o The Economist, podem ter vias principais largas e ruas secundárias estreitas, com calçadas e espaço para a circulação dos indivíduos.

Da mesma forma, a movimentação de automóveis mais velozes pode ser limitada às vias com maior número de pistas de rolamento, onde o fluxo é interrompido menos vezes, deixando as ruas residenciais mais silenciosas e seguras e menos poluídas.

O traçado dessas cidades oportuniza também a implementação mais ágil de serviços de transporte coletivo, como o metrô, trens e BRT (Bus Rapid Transit) e uma adequação menos complexa dos espaços urbanos aos distintos usos que o solo pode ter com o passar do tempo, destaca o Estadão. Isso porque, como nesse layout as quadras e lotes são predefinidos, uma nova função para um lugar pode somente se conectar à infraestrutura existente. A própria colocação e manutenção de sistemas de água, esgoto e eletricidade fica mais simples nesse modelo de malha viária.

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Central Park, Nova York, Estados Unidos. Created by @dailyoverview, source imagery @maxartechnologies

O desenho em grelha potencializa ainda o desenvolvimento de empreendimentos verticais e o aumento da densidade populacional, delimitando os ambientes públicos e privados. Conforme o jornal, a aparência e a maneira como os moradores e visitantes irão circular nos municípios são afetadas pelas decisões urbanísticas, desde a largura da via até o comprimento do quarteirão.

Os padrões de ruas podem, de acordo com estudos, impactar não só a economia local e os níveis de atividade física de uma comunidade como a utilização do transporte de massa, as taxas de criminalidade e a desigualdade social, sem falar nos efeitos ambientais que podem ser desencadeados.

A opção pelo modelo de grelhas reflete na maior interação social entre a população, como relata artigo da revista canadense Spacing. Outro fator apontado como positivo desse padrão envolve questões como ser mais barato erguer prédios retangulares em blocos quadrados. Devido a todas essas particularidades, a matéria do Estadão assinala que planejamento viário das cidades deve levar em conta pontos como dimensões geográficas, históricas, populacionais e econômicas.

Municípios em grelha perdem espaço com mudanças de visões sobre o design urbano

A forma de projetar as localidades é influenciada pelas necessidades de seus habitantes, tecnologias disponíveis e pensamento predominante na época em que são criadas. Nesse sentido, as cidades idealizadas com ruas perpendiculares que se cruzam definindo um traçado em grade, com quarteirões e quadras padronizadas, vão sendo substituídas por outras configurações.

No século passado, ressalta o artigo do The Economist, os assentamentos pelo mundo passaram a ser desenvolvidos com vias assimétricas, muitas delas, acabando em becos sem saída. Essa decisão tem uma razão econômica, como observa o urbanista Jeff Speck, ouvido pela publicação, que é a de poder acomodar mais casas suburbanas isoladas em torno de um trecho menor de asfalto.

Mas, ela também tem uma escolha de design. Na primeira metade do século XX, muito governantes, inspirados pela visão do planejador inglês Ebenezer Howard e suas cidades-jardim, pequenos distritos radiais que buscavam a conexão entre as áreas rurais e os centros urbanos e tinham como uma de suas principais características e, ao mesmo tempo maior problema, a separação da moradia e do trabalho, começaram a promover a implementação de ruas curvas e zoneamento por função.

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Estocolmo, Suécia. Source imagery: @maxartechnologies

A chegada e a disseminação dos carros nas décadas seguintes impulsionaram uma alteração na concepção dos municípios, que passaram a priorizar os veículos em detrimento das pessoas. Speck, que é autor do livro “Walkable City (Cidade Caminhável), lançado em 2012, analisa que os trajetos de ônibus são mais eficientes quando as estradas são gradeadas, assim como os percursos feitos pelos pedestres e ciclistas.

Para o The Economist, se o setor de construção tiver um forte crescimento novamente, é possível que o modelo de grelha volte a ter destaque e incorpore elementos que já eram defendidos pela escritora e ativista Jane Jacobs em seu livro “Morte e Vida das Grandes Cidades”. Na obra, ela fala da importância dos quarteirões menores e vias mais estreitas, que facilitam o deslocamento dos indivíduos e os encontros, e de ter diferentes estabelecimentos funcionando durante todo o dia para trazer dinamismo para as regiões e retomar as localidades para as pessoas.

Barcelona, o exemplo mais icônico de cidades em grelha, porém não o único

Basta olhar para uma imagem aérea de Barcelona (Espanha) para identificar o sistema de grades sobre o qual o município da Catalunha foi edificado. O plano de urbanização que transformou o lugar como o conhecemos atualmente foi concebido pelo engenheiro e urbanista Ildefons Cerdá e tinha como meta responder às demandas de ampliação da localidade, melhorando a sua organização territorial e a qualidade de vida. Aprovada em 1860, a iniciativa previa ruas mais largas e uma quantidade maior de ambientes verdes.

O profissional planejou ainda quadras idênticas, com cantos chanfrados e o interior vazio para aprimorar os deslocamentos e a ventilação, como salienta reportagem do Archtrends, e determinou as alturas máximas dos edifícios. Além disso, Cerdá esquematizou um sistema de coleta de água e a instalação de um mercado a cada 900 metros e de um parque, igreja, hospital e cemitério a cada 1.500 metros. Muitos elementos foram modificados ao longo dos anos para atender às novas necessidades dos habitantes de Barcelona e para reduzir os seus impactos ambientais. Um exemplo são os espaços chanfrados das quadras que também funcionam como estacionamento para bicicletas, motos e carros, deixando as vias mais livres.

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Barcelona, Espanha. Source imagery: @digitalglobe

O Plano Cerdá, como ficou conhecido, auxiliou a incrementar outras infraestruturas e serviços, como o do transporte coletivo, que nos dias de hoje é todo integrado, com ônibus que abrange a cidade por completo, paradas de metrôs e trens a cerca de um quilômetro cada, estações de bicicleta para aluguel e inúmeras ciclofaixas distribuídas pelo município. No momento, Barcelona vive mais uma alteração da sua área urbana, com a construção de 21 eixos verdes e 21 praças no bairro L’Eixample até 2030.

Para isso, a prefeitura local está mudando o layout das superquadras, que agrupam nove quarteirões com ruas internas voltadas para os pedestres e o movimento de veículos deslocado para as bordas externas, para vias específicas ao longo dessa região da cidade em pontos para os indivíduos caminharem e pedalarem. A intenção é ter uma praça ou ambiente verde a cada 200 metros de distância.

Apesar de ser um dos maiores símbolos do desenho em grelhas, Barcelona não está sozinha nesse campo. Além de Chicago, já citada anteriormente, Nova York é um exemplo bem conhecido de lugar elaborado com um traçado em grade, inclusive uma grande exposição foi realizada na metrópole, em 2011, para marcar os 200 anos da definição do plano diretor de Manhattan. Com tamanho e populações semelhantes, Toronto é apontada muitas vezes como um município irmão de Chicago devido ao projeto do seu espaço urbano.

Também desenvolvida a partir de um padrão de ruas que formam ângulos retos em seus cruzamentos, a localidade canadense apresenta alguns pontos distintos da coirmã nos Estados Unidos, de acordo com reportagem da revista Spacing. No caso de Toronto, as ruas tornam-se mais curvas em algumas áreas para acompanhar a geografia e a vegetação. Outro item que as diferencia é que enquanto Chicago incorporou suas vias expressas dentro das comunidades, a cidade do Canadá criou uma distância delas através de grandes ambientes verdes.

Via Caos Planejado.

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Sobre este autor
Cita: Somos Cidade. "Desenho urbano em grelha: a arte esquecida de fazer cidades" 09 Set 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1005454/desenho-urbano-em-grelha-a-arte-esquecida-de-fazer-cidades> ISSN 0719-8906

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