Às vezes, é melhor não construir nada

Este artigo foi publicado originalmente no Common Edge.

Meu primeiro encontro com a requalificação de um edifício me levou a uma viagem ao Departamento de Polícia de Long Beach. Um amigo e eu estávamos frustrados porque nossa cidade natal estava demolindo boas construções – visto que elas não correspondiam ao estilo arquitetônico atual – apenas para substituí-las por estacionamentos! Tudo em nome do "progresso". Em 1988, quando soubemos que o Edifício Jergins Trust, uma preciosidade Beaux-Arts, estava programado para ser demolido sem que nada estivesse planejado para aquele terreno, entramos em ação e nos acorrentamos ao prédio para impedir sua demolição. Nossos esforços o mantiveram vivo por mais quatro horas. E então, ele se foi para sempre.

Salvar edifícios antigos e adaptá-los a um novo uso não é um conceito novo. Na faculdade, estudei arte na Les Ecoles d'Art Américaines em Fontainebleau, França, e fiz excursões a Paris todos os fins de semana que pude. Ao visitar instituições culturais, continuei encontrando prédios incríveis que mudaram de uso ao longo do tempo. Soube que o Louvre foi convertido da residência real para um museu em 1793, e que a conversão de uma estação de trem para o Musée d'Orsay ocorreu em 1986. Ambos os museus são muito populares entre os parisienses, bem como entre os turistas.

A reutilização adaptativa de edifícios existentes está se tornando cada vez mais relevante nos Estados Unidos e pode trazer muitos benefícios. Para um incorporador, pode fornecer uma rota para obter rapidamente o suporte da comunidade, reduzindo assim o tempo necessário para aprovar um empreendimento. A estrutura existente pode acomodar uma densidade maior do que se fosse demolida e substituída, além de ser mais econômica do que uma nova construção. A reutilização pode criar lugares únicos com maior interesse e valor agregado.

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O Coletivo de Artes do Arsenal. Este antigo Arsenal da Califórnia será convertido em habitação social, com preferência por artistas e professores, enquanto o salão de exercícios acomodará um Conservatório de Artes para a escola secundária adjacente. Ao converter parte do Arsenal em habitação social e garantir aluguéis fixos para professores e artistas, as instalações restantes podem fornecer espaço de apoio para as artes, reforçando o East Village Arts District de Long Beach. Cortesia de Coletivo de Artes do Arsenal

Para os bairros e o público, a reutilização adaptativa permite que edifícios existentes sejam restaurados, muitas vezes em bairros consolidados, contribuindo para um senso único de caráter e história que pode permanecer intacto. Este tipo de continuidade visual e cultural autêntica não pode ser recriado do zero. Talvez o mais importante, edifícios revitalizados minimizam o impacto sobre o meio ambiente: a demolição requer toneladas de materiais a serem despejados em aterros sanitários e no fluxo de resíduos. Novas construções requerem mais energia para criar materiais, distribuí-los e erguê-los. 

No Studio One Eleven, onde sou sócio, nosso interesse está em reaproveitar edifícios existentes quando surgir a oportunidade, porque é assim que bairros e cidades são construídos ao longo do tempo. A nosso ver, há muita oportunidade em reformular edifícios existentes para contribuir com a solução dos problemas urbanos de hoje.

A conversão de escritórios em habitação é um tópico importante no momento. Com a forte demanda por moradias em todo o país e o uso de escritórios atualmente alugados com menos de 50% de ocupação, a oportunidade para os edifícios corporativos mais antigos se converterem em habitações é maior que nunca. As conversões podem se concentrar em moradias populares, estudantis ou de luxo, dependendo da localização, da demanda e das características da própria estrutura. Muitas cidades estão considerando incentivos para a conversão de escritórios. Na verdade, um novo plano comunitário em Los Angeles está próximo de ser adotado. O DTLA 2040 facilitaria a construção de moradias no centro da cidade, incluindo conversões de propriedades. Em junho, as autoridades estaduais reservaram US$ 400 milhões para oferecer incentivos aos incorporadores para converter escritórios em habitações sociais durante os próximos dois anos.

Da mesma forma, vemos oportunidades de converter espaços de varejo em escritórios criativos. Apesar da revolução do trabalho remoto, os escritórios não estão mortos. Mas no clima de hoje, os locais de trabalho precisam ser mais que simples escritórios. Eles precisam ser confortáveis e ter operações flexíveis, que possam ser utilizadas para diferentes propósitos e se tornem lugares para a comunidade. Os espaços de varejo que antes eram locais de consumo podem ser reimaginados em escritórios e locais de produção criativos. Este tipo de transformação pode ser catalítica para um bairro. Quando nosso estúdio converteu um espaço de varejo extinto no centro de Long Beach em um novo espaço corporativo em 2017, a taxa de desocupação do varejo adjacente caiu de 60% para 4%.

Há também uma oportunidade crescente de converter estruturas institucionais subutilizadas em habitação para populações vulneráveis. A cidade de Los Angeles devolveu recentemente mais de 150 milhões de dólares em fundos federais porque não pôde gastar o dinheiro devido ao longo prazo de construção e conclusão. Mas e se pudéssemos aproveitar as estruturas subutilizadas existentes, como armazéns, para abrigar os desabrigados? Existem centenas de armazéns obsoletos do pré e pós-guerra, espalhados ou adjacentes a bairros residenciais, que não atendem mais aos padrões atuais. Construir dentro de uma estrutura industrial existente, pelo menos na Califórnia, significa que arquitetos e empreiteiros podem usar o processo de “autocertificação”, eliminando a necessidade de verificação do projeto. Devido à autocertificação, um de nossos projetos conseguiu passar da idealização à conclusão e entrar em operação em apenas cinco meses; como resultado direto, a população sem-teto na cidade de Bellflower diminuiu quase 90%.

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Fases do Edifício Jergins Trust, incluindo seu estado original em 1919 [esquerda], construção em 1925 [centro], e conclusão em 1928 [direita]. Cortesia da Biblioteca Pública do Condado de Los Angeles. O edifício foi destruído e substituído por um estacionamento. Imagem Cortesia da Biblioteca Pública do Condado de Los Angeles

O mais triste é que estruturas vazias ou desatualizadas equivalem a uma praga para a maioria das pessoas, que então supõem que a demolição e novas construções são as únicas opções. Esta é uma visão míope. Há benefícios importantes que vêm da reutilização do estoque de edifícios existentes, como preservar o passado e criar uma rica camada que, em última análise, torna nossas cidades mais interessantes e únicas. Adotar uma abordagem de reutilização adaptativa pode inspirar orgulho na vizinhança e ajudar a construir cidades mais interessantes e resilientes. Sem mencionar que, em alguns casos, pode ser mais rápido e, deixar uma pegada de carbono menor. 

Então, o que aconteceu com o lote do Edifício Jergins Trust em Long Beach? Trinta e quatro anos depois, ele ainda está vazio em um centro revitalizado e movimentado. Alguns dos elementos e peças históricos foram preservados e armazenados no pátio da cidade, onde ficaram esquecidos por quase três décadas. Ao serem redescobertos por um grupo de moradores representando a próxima geração, a comunidade exigiu que a cidade compartilhasse estas peças com o público, incorporando-as em um portal que leva ao Rio Los Angeles, ilustrando o ponto de vista da comunidade sobre a importância do nosso passado. Portanto, sim, como arquiteto, eu adoro projetar edifícios. Mas, a longo prazo, acredito que os arquitetos poderiam construir cidades melhores se não construíssemos novos edifícios o tempo todo. 

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Sobre este autor
Cita: Bohn, Michael. "Às vezes, é melhor não construir nada" [Sometimes, the Better Alternative Is Not to Build New Things] 03 Dez 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Bisineli, Rafaella) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/991963/as-vezes-e-melhor-nao-construir-nada> ISSN 0719-8906

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