Projetando com a escuridão: por que precisamos de menos luz na arquitetura

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Train station, Lisbon / Portugal . Image © Nina Papiorek Photography

Com prédios envidraçados de todos os lados e salas brilhantemente iluminadas de maneira monótona, não é supresa que queiramos espaços internos e externos que sejam menos claros.  Refúgios de sombra no sol escaldante, salas escurecidas e contrastes são bem recebidos pelos olhos como um oásis. O alto consumo de energia e o aumento da poluição por iluminação no mundo todo mostram o quão sério o problema do excesso de luz é, e sua contribuição alarmante para as mudanças climáticas. Para um futuro melhor, é imperativo explorar maneiras de projetar e focar no potencial da escuridão. 

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Former residence Tamesaburo Imoto, Nagoya / Japan.. Image © Henk Kosche

Quebrando a monotonia da luz branca 

A natureza nos dá uma variedade fascinante de claros e escuros com o ritmo diário do dia e da noite. No entanto, nós experienciamos muitos ambientes internos, especialmente locais de trabalho, de maneira bem diferente. Iluminações constantes e claras por horas a fio resultam em monotonia. O livro de Junichiro Tanizakis “In Praise of Shadow” oferece uma solução atraente: O Japão desenvolveu uma estética de múltiplas camadas para filtrar a luz dura do dia e para entender a sombra como uma qualidade importante.

Na Europa, o artista Rembrandt em seus quadros, e os filmes noir nos cinemas ilustram como a escuridão pode ser utilizada para criar uma atmosfera empolgante. Na arquitetura, as salas escuras do Brutalismo introduzem uma crítica radical do modernismo branco e da arquitetura luminosa em vidro. Às vezes, esses edifícios não toleram quaisquer esconderijos com sombras frescas. O desejo pela escuridão finalmente culmina no Pavilhão projetado por Asif Khan, na Coreia do Sul. Sua cor Vantablack para a fachada absorve 99% da luz, criando uma ilusão de um vazio. Essa camada de cor pode esconder magicamente paredes, móveis e dutos.

Encontre a beleza não apenas na coisa em si, mas nos padrões das sombras, na luz e sombra que aquela coisa oferece. - Tanizaki Jun’ichirō

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Train station, Lisbon / Portugal. Architecture: Santiago Calatrava. Image © Nina Papiorek Photography

O ato emocional de equilíbrio entre medo e mágica 

Os espaços escuros evocam uma combinação de sentimentos agradáveis e desagradáveis. Por um lado, há a incerteza de não se poder ver os arredores e os perigos potenciais à espreita. De acordo com um estudo australiano, muitas mulheres se sentem inseguras ao andarem sozinhas por uma cidade à noite, preocupadas com possíveis ataques. Ainda assim, concluiu-se que espaços claros e super iluminados não necessariamente representam uma solução para esse problema. O estudo explicou que aos espaços claros e reluzentes não aumentam a sensação de segurança urbana das mulheres ou atribuem sequer a impressão de menos crimes. Na verdade, foi demonstrado que uma maior sensação de segurança por parte das mulheres deriva de uma abordagem diferenciada: O espaço deve ser holisticamente projetado com níveis adequados de clareza, evitando brilhos e transições duras para a escuridão além das passagens devem ser eliminadas. Outro problema com a escuridão aparece especialmente em regiões com fases longas de inverno. A falta de luz do sol tem efeitos depressivos em algumas pessoas, levando a desordens afetivas sasonais -  ou SAD, no acrônimo.

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Louvre, Paris / France. Image © Nina Papiorek Photography

Por outro lado, há um certo mistério nos objetos brilhantes que pairam de maneira fascinante eliminando a escuridão. O crepúsculo é normalmente acompanhado pela impressão de silêncio pacífico e relaxamento antes da chegada da fase de sono. Enquanto os arredores parecem desaparecer na escuridão, a auto-consciência e a vagareza parecem aumentar. Entretanto, uma fascinação especial e uma vivacidade emanam de lugares que desempenham um contraste de muita escuridão entremeado com alguns pontos sutis de luz. Por exemplo, uma sala escurecida com uma vela fornecendo luz em cima da mesa evoca romance e intimidade, em contraste com a iluminação enfadonha de teto de refeitórios durante as pausas para o almoço. Uma sensação de mágica e concentração podem também ser estabelecidas quando, no meio da escuridão, uma fonte invisível de luz projeta um raio estreito de luz em uma pessoa ou objeto. Os teatros brincam com esse segredo quando os holofotes acompanham apenas o protagonista. Em casa, podemos nos beneficiar dessa ilha de intimidade para a contemplação quando o brilho suave para nossa poltrona de leitura descansa em um ambiente com iluminação indireta. 

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Mountain station Karwendelbahn, Mittenwald / Germany. Architecture: Steinert Architekten. Image © Nina Papiorek Photography

Nossa adaptação inconsciente aos espaços escuros 

O olho humano é um órgão sensorial flexível e muito complexo. Os olhos nos ajudam a nos orientarmos quando a luz do sol é intensa com 100 mil Lux ou quando temos apenas a luz da Lua, menor que 1 Lux, refletindo ao chão. Isso é possível porque temos dois receptores em nossos olhos: cones para a visão diurna e bastonetes para a visão noturna. Abaixo de cerca de 1 Lux, nossos bastonetes são ativados. Nesse ponto, as cores desaparecem, e podemos ver objetos esmaecidos. Embora a mudança do escuro para a luz ocorra de maneira relativamente rápida, nossos olhos precisam de consideravelmente mais tempo para se adaptarem a salas escuras. Portanto, em museus, é melhor sequenciar salas para que o olho possa se adaptar da clareza brilhante do dia para as salas escurecidas que exibem obras de arte sensíveis à luz. Mesmo uma fonte pequena de luz clara por um momento breve pode reverter completamente a adaptação ao escuro, da mesma maneira que acontece quando você olha rapidamente para a tela do celular enquanto observa as estrelas. Por isso, especialmente nas áreas externas, precisamos de conceitos de iluminação que evitem contrastes bruscos, e permitam a orientação de caminhos e arredores ao utilizarem raios suavezs de luz para criar transições graduais. 

No apelo por menos luz, não se deve esquecer, é claro, que a visão declina de forma mais contínua nas pessoas mais velhas, e que a impressão de clareza no ambiente é, portanto, relativamente menor. Esse aspecto deveria ser levado em consideração em projetos de iluminação. No entanto, de maneira geral a habilidade de adaptação dos nossos olhos nos permite trabalhar com menos luz, podendo portanto economizar energia elétrica. 

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Seeing Stars, Franeker / Netherlands. Design: Daan Roosegaarde. Image © Studio Roosegaarde

Economia de energia com menos iluminação: Seu caminho para mais sustentabilidade 

Todo ano, a Hora da Terra nos lembra da importância de reduzir o consumo de energia e de desacelerar as mudanças climáticas ao simbolicamente desligarmos as luzes elétricas por uma hora. Há um potencial imenso para a economia de energia na iluminação. Ao invés de um nível constante de iluminação, podemos escurecer as luzes quando elas não forem necessárias, ou forem pouco utilizadas em ruas e caminhos. 

Nos ambientes internos, a clareza e a percepção ainda são constantemente compreendidas convencionalmente. A iluminação geral de escritórios oferece um nível constante e alto de clareza de 500 Lux ou mais no nível das mesas de trabalho, para garantir que até os menores textos impressos possam ser lidos. Em Simultaneamente, para muitas pessoas, a vida cotidiana inclui telas auto-luminosas nas quais brilho e contraste podem ser convenientemente ajustados, e textos pequenos podem ser aumentados por ferramentas de zoom no documento ou na própria tela. Dessa maneira, a tela nos permite pensar de maneira mais flexível sobre a iluminação convencional dos ambientes de trabalho para se economizar energia. 

É possível atingir um projeto de iluminação consciente também ao dividir o espaço em diferentes regiões. Diferenciar entre áreas claras de trabalho e áreas secundárias com brilho maior. Além disso, diminuir a clareza horizontal em escrivaninhas pode ser feito com monitores luminosos sem alterar significativamente o fluxo de trabalho. Outro aspecto importante é a redução da energia com o controle de iluminação utilizando sensores automáticos que se ajustam individualmente para cada estação de trabalho. Isso significa que um funcionário mais velho, com performance visual inferior, poderá ajustar a clareza localmente em um espaço maior de escritório sem que haja um consumo maior de energia no geral. Ofereça um baixo nível de iluminação como um cenário padrão que pode ser aumentado conforme for necessário. 

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Therme Vals / Switzerland. Architect: Peter Zumthor. Image © Fernando Guerra

Retiros de recuperação do 

Para uma experiência radical de escuridão, o jantar às escuras é indispensável enquanto oferece um tour de descobertas culinárias interiores. Quando no sentido de visão, dominante, desaparece completamente, nossos sentidos remanescentes, como olfato, toque e audição são aprimorados e nos levam em uma jornada sensorial que pode durar do primeiro aperitivo ao último prato do jantar. 

Menos categóricas, mas também experiências sensuais e estéticas são os banhos termais, que também reduzem a luz para provocar tranquilidade. O spa de Peter Zumthor em Vals, com seus volumes monolíticos em pedras naturais, mostra que é possível relaxar dentro de uma montanha. Brechas minimalistas de luz do dia e iluminação esparsa podem criar ambientes internos místicos para relaxar como um equilíbrio e contraponto para a vida urbana frenética.

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Rhön Dark Sky Reserve, Germany. Photography: Florian Trykowski. Image © Rhön GmbH

Até mesmo a noite se tornou clara de mais por conta da cada vez maior poluição visual. O turismo de céus escuros surgiu como resultado dos incontáveis moradores urbanos que deixam suas rotinas movimentadas para escapar para áreas remotas para admirar constelações no céu noturno e a Via Láctea, como na Reserva Rhön Dark Sky. Para agendar sua tour estelar personaliza, a Visit Dark Skies desenvolveu um guia auditivo abrangente que oferece tanto uma abordagem cultural às constelações de estrelas e ainda explica o processo do funcionamento da nossa visão à noite. Inclua a escuridão em casa ao adotar pequenos passos, como escurecer suas luzes, desfrutando de um jantar à luz de velas, e lendo o livro "Thinking Darkness" de Nick Dunn e Tim Edensor, ou ainda, desligue as luzes do jardim para poder admirar melhor a vista do céu noturno.

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Palomba House, Lampa / Chile. Architecture: abarca+palma. Image © Pablo Casals Aguirre

Light matters, é uma coluna sobre luz e espaço escrita pelo Dr. Thomas Schielke. Radicado na Alemanha, ele é fascinado por trabalhos arquitetônicos de iluminação e trabalha como editor para a companhia de iluminação ERCO. Ele publicou vários artigos e co-assinou a autoria dos livros “Light Perspectives” e “SuperLux”. Para mais informações visite www.erco.com, www.arclighting.de ou siga @arcspaces.

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Sobre este autor
Cita: Thomas Schielke. "Projetando com a escuridão: por que precisamos de menos luz na arquitetura " [Dark matters: A Call for Less Light] 19 Mar 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Belo, Pedro) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/977274/projetando-com-a-escuridao-por-que-precisamos-de-menos-luz-na-arquitetura> ISSN 0719-8906

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