Arquitetura transformada em narrativa: a reforma do Castello di Rivolli de Turim

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

Ainda que possamos reconhecer a sua enorme influência histórica, a Itália, enquanto país unificado, possui uma história surpreendentemente jovem. Durante séculos e séculos, a região esteve dividida entre cidades-estados extremamente poderosas e independentes (e conflitantes na maioria dos casos). Cada reino possuía sua própria identidade, cultura e influência regional. Alguns períodos históricos ficaram marcados eternamente na historia da humanidade. Roma é berço da história e da cultura ocidental e o coração de uma religião; Florença é o berço do renascimento e sinônimo de arte e arquitetura; e a agitada Milão é um dos principais centros de moda e design do mundo contemporâneo.

A história de Turim talvez seja um pouco menos romântica. A pequena cidade de Rivoli, na região metropolitana de Turim, não muito longe da fronteira entre a Itália e a França, estabeleceu-se como uma potência industrial. É onde nasceu a Fabrica Italiana Automobile Torino ou simplesmente, a FIAT. Turim é a casa de algumas das melhores e mais reconhecidas universidades da Itália; suas ruas estão repletas de obras de Pier Luigi Nervi, Mario Botta e Aldo Rossi. Mas, apesar de toda a glória de sua arquitetura moderna, talvez seja o Castello di Rivoli um de seus mais importantes exemplares.

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Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

O Castello di Rivoli é um edifício atemporal projetado e construído por um arquiteto desconhecido - ou, para ser mais preciso, é um colosso construído ao longo dos séculos e por muitos arquitetos diferentes. Implantado na encosta à noroeste de Turim, foi historicamente um local estratégico no sistema de defesa daquela que já foi a capital da Itália; Os primeiros registros do Castelo remontam ao ano de 1159. Ao longo de toda a Idade Média, o castelo passou de geração em geração através das mais importantes figuras e famílias de Turim, até ser completamente reformulado, já no final do século XVII.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

Sob os cuidados de uma família de arquitetos, Francesco Paciotto e Domenico Ponsello, o castelo deixou de ser apenas uma fortaleza defensiva para transformar-se também em uma residência de luxo. Mas esta história durou pouco: partes do Castelo foram queimadas e destruídas pelos franceses em um conflito poucos anos depois da reforma.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

Com esta nova função, o Castello di Rivoli viveu seus anos mais dramáticos. Os acréscimos projetados por Filippo Juvarra eram rebuscados de ornamentos e de uma escala monumental, inspirados pela grandeza e pelo simbolismo de Versalhes. Assim como o palácio parisiense, o Castelo de Rivoli seria a maior manifestação construída do recém-coroado rei da Sicília, Vittorio Amadeo II. Suas alas laterais e simétricas foram reunificadas através de um átrio cavernoso e ladeados por salões e quartos. Envolvendo este pátio, as colunatas se transformaram no pano de fundo de muitas historias, cenário de escândalos e intrigas.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu
Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

A ambição transformou o Castelo em uma torre de babel. Ficou evidente o fracasso deste projeto tão monumental quanto irrealizável: fundações nuas e sem sentido assim como as escadas que levam do nada a lugar nenhum.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu
Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

Carlo Randoni, o arquiteto que então passou a assumir o projeto do Castelo, tinha outras ideias em mente. Ainda podemos visitar no segundo pavimento do Castelo um quarto inteiro desenhado em estilo inglês, uma óbvia influencia da pujança econômica da Inglaterra durante a revolução industrial. Foi nesta ocasião que a escadaria monumental criada por Filippo Juvarra foi finalmente concluída.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

O poder da Casa de Savóia, como sede do Reino da Sardenha, foi sendo pouco à pouco minado durante o final do século XIX. A região foi instantaneamente anexada pela França durante as Guerras Napoleônicas e, em 1861, perdeu definitivamente a sua soberania quando a Itália nasceu sobre a unificação de todos os seus reinos e fronteiras.

Assim como o Reino da Sardenha deixou de existir, o Castello di Rivoli passou ao esquecimento.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu
Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

O Castello di Rivoli passou do esquecimento à insignificância, para então, tornar-se uma ruína. Passaram-se cem anos até que o Castelo passa-se a ser visto como algo importante para a memória do país. Andrea Bruno, arquiteto de Turim, foi contratado em 1961 para dar início às reformas do Castelo no contexto comemorativo do centenário da unificação da Itália. O orçamento inicial servia apenas para dar cabo à pequenos reparos na estrutura principal, mas à medida que os trabalhos foram sendo executados, Bruno avançou diligentemente com um projeto de reforma mais amplo: demoli-lo para então, reerguê-lo. As grandes reformas foram concluídas em etapas entre 1984 e 1986.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

O projeto de Bruno não apenas trouxe o Castello di Rivoli de volta à vida, mas encontrou uma harmonia perfeita entre todos os seus projetos predecessores. Os apartamentos criados por Juvarra foram reconstruídos e os quartos de Randoni, completamente restaurados. O átrio, deixado incompleto por séculos, foi mantido neste lugar de incerteza, lembrando os visitantes que a sua história foi construída em camadas sobrepostas e nem sempre, compreensíveis.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu
Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

De fato, foram as adições finais propostas por Bruno que estabelecem finalmente um diálogo direto entre seus passados, no plural. Os materiais e a decoração foram meticulosamente planejados para refletir às glorias do passado ou para simplesmente, negá-lo e contextualizar-se como algo contemporâneo. A circulação foi otimizada (ou seja, escadas e elevadores foram inseridos), de modo a permitir aos visitantes visualizar o Castello como um todo à medida que se deslocam por seus espaços. Em um exemplo particularmente surpreendente, os visitantes podem atravessar um volume de vidro que se projeta para fora da fachada de tijolos do Castelo.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

O Castello transformou-se em museu de arte contemporânea; um casamento perfeito entre o passado e o presente que se revela em seus espaços. O edifício é como um estudo de prospecção, uma escavação nas camadas de nossa história que, por sua vez, transforma-se em um palco para o futuro. O projeto de reforma é, na melhor das hipóteses, tecnicamente desafiadora. O trabalho cuidadoso de Andrea Bruno conta não apenas a história de um edifício através do tempo, mas também das pessoas que por ali passaram disputando e lutando por poder e glória. Este projeto pode até não ser convincentemente elegante, mas com certeza, é profundamente admirável.

Castello di Rivoli / Andrea Bruno (Refurbishment). Imagem © Laurian Ghinitoiu

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Sobre este autor
Cita: Allen, Katherine. "Arquitetura transformada em narrativa: a reforma do Castello di Rivolli de Turim" [Turin's Castello di Rivoli Tells a Story of the Region's History through Its Architecture] 05 Fev 2019. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/910304/arquitetura-transformada-em-narrativa-a-reforma-do-castello-di-rivolli-de-turim> ISSN 0719-8906

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