Cada vez mais o ofício da arquitetura se voltará para a reformulação de espaços existentes. Seja por questões de sustentabilidade, custos ou a falta de terrenos livres nas grandes cidades. Uma oportunidade de não apenas reformar um edifício, mas trabalhar com as camadas do tempo. A intricada tarefa de conduzir um diálogo entre materiais contemporâneos e antigos, reconhecer técnicas tradicionais ou, até mesmo, revelar elementos invisíveis da história e da geografia no ambiente construído para originar uma arquitetura única.
Desta forma, revisitamos sete projetos publicados no ArchDaily que demonstram como arquitetos brasileiros tem trabalhado em projetos que foram construídos há décadas ou como é possível trazer elementos da história para novas obras, conformando, assim, uma bonita composição entre distintos tempos e culturas.
A Casa Saracura, faz parte de um conjunto de sobrados geminados construídos na década de 1940 no bairro do Bixiga, São Paulo. Em resistência à atual especulação imobiliária no bairro, a renovação do sobrado busca preservar a memória, mantendo a fachada original e a configuração do pátio existente. Como partido de projeto, entre escalas revela a estrutura original da casa, assim como, o muro de arrimo histórico, caraterístico da topografia existente do bairro. Outro importante fator está no protagonismo dado ao córrego Saracura, que é normalmente invisível aos olhos, mas que passa atrás do terreno, deixando o muro de arrimo constantemente úmido. "Diante desta singular condição, foi criada uma fonte como elemento simbólico no projeto. Um tanque e um caminho d’água foram propostos, captando as águas do Saracura, e trazendo as águas para dentro do pátio, à vista de todos."
Também no Bixiga, Marcus Lima Arquitetura e Urbanismo reformou uma casa tombada, com nível de preservação 3, que pressupõe a possibilidade de recuperação das características originais do bem tombado. Assim, a primeira decisão do projeto foi a demolição das áreas construídas no recuo de fundo do terreno. Esta decisão tornou-se a diretriz fundamental do projeto, a eliminação de elementos e materiais apostos à edificação original. Esta ação trouxe "luz à construção original, tesouras e estrutura de madeira executados há cem anos, que se encontravam em bom estado, e foram submetidos a lixamento, tratamento contra fungos e regularização com óleos próprios à sua homogenização."
Outro exemplo está na reforma que teve como objeto uma casa localizada no terreno contíguo à habitação original da Casa Líquida. Adquirido para uso da residência artística, o novo edifício expande em área e potencial a proposta original: agrega novos espaços de trabalho, ensaio e socialização, além de ateliês e suítes para os artistas residentes. A intervenção executada por Luiz Pataro se destaca pela adição de uma estrutura metálica, cuidadosamente justaposta à casa original dos anos 60. A estrutura cria um novo percurso por toda a residência, organizando e conectando os ambientes. Estratégia que proporcionou flexibilidade e dinamismo aos espaços, permitindo que sejam adaptados conforme as diferentes necessidades dos residentes.
Buscar uma maior durabilidade de edifícios (reduzindo assim a quantidade de novas construções) e, quando necessário, construir o novo a partir de elementos de reuso a intenção de Naia Alban ao projetar o Casarão 28. Trata-se da reforma de um edifício do século XVIII, localizado no Centro Histórico de Salvador, Bahia. "A obra se alimenta dos restos de mais de 15 reformas e demolições realizadas na região metropolitana da cidade. A ausência de forros e a tubulação elétrica exposta tem intenção estética e ecológica: o projeto é feito pensando em uma possível desmontagem futura." O conceito de design para desconstrução leva à escolha da carpintaria como ofício principal da obra, que compõe com os muros seculares e possibilita o reaproveitamento futuro dos materiais.
A busca pela não-descaracterização da natureza original da construção e da integralidade do conjunto em que a Casa Maria Rosa está inserida orientou uma proposta concebida a partir de intervenções singelas, tendo como objetivo incrementar a construção existente através de ações pontuais para readequação de usos. Para isso, VAGA projetou elementos capazes de enaltecer a simplicidade e a rusticidade presentes no imóvel original, fazendo uso de materiais preexistentes associados a um desenho e estética contemporâneos.
Para brindar diferentes camadas temporais no mesmo projeto, não é necessário que se trate de uma reforma que prestigia o passado de um edifício. O vão demonstra muito bem isso na Casa São José do Barreiro, ao conceber um projeto que estabelece um vínculo com a atmosfera remota que paira na região da Serra da Bocaina. Segundo os arquitetos, para entender a reverberação da história construída no projeto, "foi imprescindível realizar um reconhecimento mais aproximado, não limitado apenas à usual visita ao terreno de intervenção. Do cotidiano apreendido na observação da vida na praça, nas visitas a importantes edifícios do entorno e até mesmo nas conversas com os vizinhos, cujas famílias habitam a cidade há muitas gerações, nasceu o desejo de estabelecer um diálogo silencioso e subjetivo entre a casa e a cidade." Além disso, a vegetação também cumpre um importante papel, a "manifestação da ancestralidade presente nos extratos de tempo dessa terra, herança vegetal e afetiva, determinou que esta seria uma casa pensada para um jardim."
Por fim, na Casa Trancoso, os escritórios Estúdio OR+K + TODOS Arquitetura demonstram como a utilização de materiais e móveis de demolição são capazes de agregar elementos históricos e apresentar distintas narrativas quando bem compostos com peças produzidas por artesãos locais, numa arquitetura que se propõe a criar um plano de fundo para destacar a singularidade de cada elemento.
