A história da maior ilha de plástico flutuante do mundo (e o que fazer com ela)

A urgência das pautas ambientais e do aumento da temperatura do planeta não são novidade. São muitos os fatores que contribuem para o desgaste ambiental corrente, mas existem dois que podem ser tomados como representantes de pontos críticos do sistema de funcionamento do mundo atual: o plástico e o descarte de resíduos — mais conhecidos como lixo.

Não se deve tomar esses dois exemplos como os maiores e nem os únicos fatores problemáticos da crise ambiental, eles serão usados aqui como exemplos para mobilizar questões que envolvem agentes múltiplos, materiais e métodos diversos e que se desdobram em consequências por ora devastadoras, e cada vez mais próximas de irreversíveis.

O plástico teve sua contribuição inegável para a modernidade, e grande parte dos objetos no mundo hoje faz uso dele. Naturalmente, o material tem seus problemas. Derivado do petróleo, sua produção depende de processos extrativistas de um recurso milenar e natural, sempre em escala crescente. O resultado disso se reflete no descarte. O volume descartado não se degrada na mesma velocidade de acúmulo, já que levou milhões de anos para passar de matéria orgânica a petróleo. Além disso, parte dos componentes químicos do material são prejudiciais à saúde de seres vivos no planeta.

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Museu do Plástico (detalhe de estrutura). © Imagen Subliminal (Miguel de Guzmán + Rocío Romero)

Uma parte desse material é destinado aos aterros sanitários, e parte deles acaba nos oceanos, o que não é nenhuma surpresa. Os detritos despejados nos oceanos ficam à mercê das correntes, e podem acabar presos em vórtices ou revoluções marinhas. Um dos exemplos – o maior de cinco – é a Great Pacific Garbage Patch (GPGP) que pode ser livremente traduzido como Grande Porção de Lixo do Pacífico. Há uma zona de convergência de correntes localizada entre Ásia e América do Norte, e o fluxo das águas junto com o vento aprisionam resíduos flutuantes no centro relativamente estável dessa zona.

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Mapa da zona de convergência subtropical do Pacífico norte. Imagem de NOAA, via Wikipedia. Domínio Público

O GPGP atualmente possui uma área equivalente a três vezes a França. Contudo, não é regular, e devido à movimentação aquática, não possui contorno definido, isto é, suas área e localização precisas podem sofrer alterações. Normalmente, refere-se ao GPGP entre o arquipélago do Havaí e a costa da Califórnia. Apesar de imenso, a visualização não é tão simples, pois os detritos plásticos sujeitos à intempéries partem-se em pedaços cada vez menores, os microplásticos, o que não implica em águas turvas ou grandes objetos flutuantes, mas em uma espécie de sopa aquática. Por esse motivo, as imagens de satélite não identificam a área com precisão, o que pode acabar invisibilizando o problema.

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Mapa modelado de concentração de resíduos no Great Pacific Garbage Patch. © L. Lebreton et. al.

Embora os microplásticos sejam uma porcentagem pequena do peso total dos resíduos, a área que ocupam é a maior em relação aos detritos de maior volume, e isso quer dizer que não só os animais estão ingerindo esses microplásticos, como isso também está retornando para a cadeia alimentar que termina nos humanos. Ou seja, o lixo produzido é ingerido de volta. Não se trata apenas de acabar com a vida marinha lentamente, mas com a própria vida humana.

O plástico é o elemento predominante dos detritos do GPGP, e é possível encontrar objetos de décadas atrás, num estado de conservação assombroso, o que prova a aclamada durabilidade do material à época que surgiu no mercado. Os objetos náuticos também são maioria, como redes de pesca, linhas e cordas desprendidas de seus barcos, ao contrário do que se imaginaria ao se pensar num “aterro marítimo”. Redes de pesca são sabidamente a causa de morte de animais de maior porte, portanto o recolhimento desses detritos se faz urgente.

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Resíduos acumulados em praia. © Justin Dolske

Existem iniciativas de limpeza do GPGP, como o grupo The Ocean Cleanup, que fez um mapeamento detalhado da área e atualmente está implementando um sistema de varredura marinha de grande capacidade de coleta. Todavia, o recolhimento dos resíduos não é simples, já que deve ser feito de maneira a não prejudicar a vida marinha existente no local. Além disso, as correntes levam os resíduos de um lugar a outro ao longo do ano, e o tamanho dos objetos também importa: como recolher os menores – e mais dispersos – elementos, que são a maioria, sem acarretar em dano à fauna e flora locais?

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Rejects of Glass & Plastics Technology (textura). © Cortesia de Development Inc.

A retenção de detritos é mais garantida quando feita antes de chegar aos oceanos, no monitoramento de despejo em rios, ou no descarte correto e consciente, além da redução do uso de plástico, ou no desenvolvimento de materiais biodegradáveis. Embora a limpeza do GPGP seja difícil, existem inúmeras tentativas de controle, redução ou reciclagem de plástico em terra firme. Se esse material serve como exemplo de poluição ambiental, também pode servir como exemplo de reuso ou reciclagem, inclusive como sistema construtivo. No caso da reciclagem, os objetos já estão nas cidades e podem estar em mobiliários urbanos ou privados. O tratamento de reuso desse material pode instigar o mesmo tipo de pensamento em relação a outros materiais igualmente poluentes.

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Affordable Housing. © Cortesia de Othalo

Um artigo recente publicado na npj Materials Degradation mostra que duas espécies de fungo seriam capazes de degradar alguns tipos de plástico que tivessem passado por um pré-tratamento de temperatura, raios UV ou reagente de Fenton. Esse processo de degradação não só aceleraria a decomposição plástica, como geraria biomassa, que poderia servir como fonte de energia renovável. Ora, se determinados fungos aceleram a degradação plástica através de fontes mais ecologicamente responsáveis, e considerando que o plástico recolhido do GPGP já estava exposto à luz e calor, quais seriam as possibilidades de projetos que pudessem se somar às iniciativas já existentes de reciclagem plástica?

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Print Your City. Imagem © Stefanos Tsakiris

Boas iniciativas não faltam, e é importante que descobertas desse tipo tenham apoio suficiente para transformarem-se em ações com abrangência relevante. Não se trata apenas de reciclagem, mas de decomposição material, ou seja, redução. Nesse ponto, o descarte de resíduos e a infraestrutura necessária para ele também devem responder às urgências do tempo presente. O que o artigo da npj Materials Degradation demonstra é que através da atenção aos pequenos seres que precedem a humanidade – e que provavelmente a sucederão –, é possível inventar novos materiais, construções e soluções para viver em conjunto. Afinal de contas, o pensamento tentacular se mostra mais uma vez presente.

Este artigo é parte dos Temas do ArchDaily: Água e Arquitetura. Mensalmente, exploramos um tema em profundidade através de artigos, entrevistas, notícias e projetos de arquitetura. Convidamos você a conhecer mais sobre sobre os temas do ArchDaily. E, como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossas leitoras e leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.

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Sobre este autor
Cita: Helena Tourinho. "A história da maior ilha de plástico flutuante do mundo (e o que fazer com ela)" 29 Mai 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1000841/a-historia-da-maior-ilha-de-plastico-flutuante-do-mundo-e-o-que-fazer-com-ela> ISSN 0719-8906

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