Por que os espaços de transição são assustadores? O caso do curta-metragem "The Backrooms"

A24 e Atomic Monster confirmaram recentemente uma adaptação cinematográfica de The Backrooms, um curta-metragem de terror do Youtube (expandido para uma série) criado pelo diretor de 17 anos e artista de efeitos visuais Kane Parsons.

Com base na lenda urbana homônima, The Backrooms se passa em 1996 em um labirinto aparentemente infinito de espaços de escritório com paredes amarelas e carpetes, banhados com uma iluminação interna fluorescente, lembrando um edifício abandonado. Sua estética corporativa kitsch é reforçada pelo filtro VHS, estilo de gravação de fita o qual permite que Parsons oculte imperfeições (ou evite algum efeito estranho) que um simples cenário 3D criado no Blender e editado no Adobe After Effects poderia apresentar durante o estágio de pós-produção.

Além disso, o conjunto de vídeos do The Backrooms recria uma imagem originalmente postada em um painel 4Chan dedicado a “inquietação de imagens que apenas parecem estranhas”, em maio de 2019. O que a imagem estranha original e a maioria das respostas tiveram em comum era uma sensação de espaço intermediário e Parsons levou as histórias perturbadoras que os usuários começaram a criar em torno desses espaços para o próximo nível.

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The Abandoned Cincinnati Mall in United States. Image © M4Productions | Shutterstock

Baseando-se no etnógrafo francês Arnold van Gennep, o antropólogo Victor Turner se referiu às entidades liminares como "nem aqui nem ali; elas estão no meio e entre as posições atribuídas" em seu livro The Ritual Process publicado em 1969. Mais tarde, o conceito foi usado por psicólogos e arquitetos para definir uma transição entre dois outros ambientes, ou estados de ser - psicológicos e físicos, respectivamente. Atualmente, o espaço liminar como conceito evoluiu para uma estética em si: caminhos vazios, corredores, salas de espera, halls ou até shoppings abandonados que fomentam uma "vibração assustadora e perturbadora".

Como Stewart Hicks explica, arquitetos e antropólogos exploraram os espaços intermediários nas últimas décadas, atribuindo sua existência à consequência do modernismo. Por exemplo, em 1992, o antropólogo francês Marc Augé cunhou o termo "não-lugar" para se referir a "espaços formados em relação a determinados fins", como rodovias, estações de serviço ou cadeias de hotéis, onde os seres humanos permanecem em solidão, apesar de quão lotados os não-lugares podem ser. O que eles fazem ou experenciam é predefinido por seu suposto papel, como o papel que desempenhamos quando somos passageiros ou motoristas em uma estrada.

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Daqing West Integrated Highway Passenger Station in China. Image © Shuxiang Wei

Em 1995, o arquiteto e filósofo espanhol Ignasi de Solà-Morales trouxe o conceito de terrain vague para definir aqueles espaços urbanos obsoletos e improdutivos deixados de fora de estruturas produtivas. Ao contrário do conceito de Augé, um terrain vague é esvaziado de atividades, uma "ilha interna" com limites imprecisos.

Enquanto em 2002, Rem Koolhaas publicou o ensaio Junkspace, um neologismo. Nele o fundador da OMA forneceu definições extensas sobre o assunto, descrevendo-o como "o que resta depois que a modernização segue seu curso". As tipologias do JunkSpace são capazes de implantar um programa racional e interminável pela “infraestrutura da perfeição”, ou seja, escadas rolantes, ar-condicionado, aspersores, persianas e cortinas de ar quente.

Junkspace, não-lugares e terrain vague não são lugares para serem lembrados, e não devem ser assustadores ou temerosos. O que a estética liminar alcançou é tornar as imagens espaciais inquietas ao subverter sua natureza.

Com base em Augé novamente, os não-lugares são definidos em parte por suas instruções para uso (saída, não fumar, salas de reuniões ←, hall→, rota de retorno). Dessa forma, quando os sinais instrucionais não estão presentes em locais de transição, como acontece nas imagens dos espaços intermediários, esses lugares perdem o senso de existência. Apesar de o quão lotado o refeitório de um hotel pode estar durante o horário do café da manhã, os hóspedes raramente se encontram ao caminhar pelos corredores vazios e silenciosos no final do dia. Portanto, um corredor de hotel sem instruções desorienta os usuários à medida que precisam navegar sozinhos sem orientação.

Sem instruções para uso, eles simplesmente parecem estranhos.

Por outro lado, The Backrooms hiperboliza as instruções: os sinais estão por toda parte, mas são erráticos, contraditórios ou simplesmente inúteis. Em uma cena específica, um abismo mantém o protagonista longe de uma fachada gigantesca cheia de pavilhões sem fim com a mesma instrução verde no corredor: "Saída". Se os sinais em um não-lugar o enganarem, você não saberá como usá-los.

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Dulles International Airport, designed by Eero Saarinen. Image © MWAA

O curta-metragem dirigido por Parsons também lembra os recursos descobertos no ensaio de Koolhaas: Junkspaces são sempre vistos como espaços internos e "promovem a desorientação por qualquer meio". De fato, o personagem principal vaga por salas amarelas idênticas que parecem corredores ou corredores que parecem salas, onde a ausência de divisórias de escritórios ou móveis úteis reforça a confusão sobre onde ele está. Em Junkspaces, como shoppings e aeroportos, os limites são intencionalmente ocultos, enquanto a desorientação é uma consequência de estratégias de comportamento do consumidor bem ajustadas, medidas de segurança e fluxos de trabalho sofisticados, onde as pessoas são tratadas como qualquer outro bem, por isso, os aeroportos são projetados como capas de celulares para fluxos de trabalho já otimizados.

Em The Backrooms, esse sentimento de desorientação enquanto se vaga por um espaço interno interminável é intensificado pelo roteiro (e pela lenda urbana original): o protagonista é literalmente arremessado do chão para o ambiente amarelo, o que significa que ele involuntariamente noclipped - um termo emprestado dos videogames - assim, não somente é claustrofóbico encontrar a saída, mas o ponto de partida também.

Diferentemente do ruin porn, as imagens dos espaços intermediários podem transmitir um certo nível de deterioração, anonimato ou simplesmente uma sensação ruim, mas há detalhes os quais demonstram que ainda estão funcionando. Por exemplo, as luzes fluorescentes do The Backrooms, a planta no Sassoon Docks Art Project na Índia, ou os quartos iluminados em uma imagem real do Holiday Inn Express London Heathrow T4, em Londres. Os detalhes dessas imagens desencadeiam algo assustador em nós porque revelam que pessoas já estiveram lá, mas não temos certeza se ainda estão presentes ou se foram substituídas por criaturas estranhas.

Dessa forma, conseguimos reconhecer esses lugares mas, ao mesmo tempo, não conseguimos.

Sobre este autor
Cita: Valencia, Nicolás. "Por que os espaços de transição são assustadores? O caso do curta-metragem "The Backrooms"" [Why Are Liminal Spaces Eerie? The Case of The Backrooms] 18 Mar 2023. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/997196/por-que-os-espacos-de-transicao-sao-assustadores-o-caso-do-curta-metragem-the-backrooms> ISSN 0719-8906

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