Desenvolvimento urbano gera gentrificação?

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Photo by Miguel A. Amutio on Unsplash

Espaços urbanos estão em constante processo de transformação social, política e econômica. Neste contexto é impossível falar de redesenvolvimento urbano sem mencionar os consequentes processos de gentrificação, um fenômeno complexo que engloba uma variedade de diferentes questões, desde melhorias na infra-estrutura urbana, incentivos à economia local até o deslocamento forçado e a transformações do perfil demográfico das comunidades de uma determinada região da cidade. Por um lado, redesenvolver significa revitalizar, ou seja, “trazer o desenvolvimento ou a vida de volta” para um espaço que teoricamente deveria estar exaurido de vitalidade—o que nem sempre é verdade; por outro lado, a consequente gentrificação provoca o aumento dos preços das propriedades e dos aluguéis, além do custo de vida nestas regiões—expulsando as comunidades de mais baixa renda que se veem forçadas a migrar para outros bairros e cidades. Dito isso, seria o deslocamento das comunidades mais pobres um “efeito colateral” insanável do processo de desenvolvimento urbano de uma cidade? Existiria uma outra forma possível de se repensar o espaço construído de nossas cidades?

Nesta edição do Editor's Talk, nossos editores da Argentina, Líbano, Brasil, Chile e Tanzânia compartilham suas opiniões sobre o papel do desenvolvimento urbano no agravamento dos processos de gentrificação das cidades.

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Hudson Yards. Image © Timothy_Schenck

Andreea Cutieru: Por definição, a gentrificação é o processo no qual uma área de baixa renda de uma cidade passa por um processo de redesenvolvimento urbano, geralmente provocando um aumento considerável no valor do solo e das propriedades existentes, forçando os antigos moradores a se deslocarem para outras regiões da cidade. O que é a gentrificação no ponto de vista de vocês editores? E como isso se relaciona com os processos de redesenvolvimento urbano de nossas cidades?

Matthew Maganga: Na minha opinião, a gentrificação é um processo que impede a população de participar plenamente da vida em comunidade nos locais onde vivem, devido principalmente ao aumento no preço dos aluguéis e do custo de vida em geral. Mais não é só isso, atualmente muito se discute sobre o próprio significado do termo gentrificação e de que forma este processo afeta as nossas cidades nos dias de hoje.

Christele Harrouk: No meu entendimento, processos de densificação têm a ver com o número de pessoas que habitam um determinado lugar, enquanto a gentrificação está relacionada mais a questões de aspecto econômico. Gentrificação tornou-se um sinônimo para deslocamento forçado, infelizmente. Eu diria que os processos de densificação agravam a gentrificação, principalmente nos bairros de mais baixa renda—ainda que esta não necessariamente seja uma questão sem solução.

Nicolás Valencia: A definição é exatamente esta, e no caso do Chile, eu diria que as duas coisas andam juntas: densificação e gentrificação. Esta última corresponde ao fato de que os antigos moradores de uma determinada região da cidade são forçados a se deslocar por não terem condições de absorver o aumento nos preços dos aluguéis, e por isso obviamente tem uma conotação negativa. Por outro lado, a densificação de bairros mais heterogêneos nem sempre resulta em um processo de gentrificação. Além disso, a gentrificação impede que os antigos moradores sigam usufruindo do direito à cidade e todos os seus benefícios, como acessibilidade, transporte e serviços públicos.

Fabian Dejtiar: Me parece que a gentrificação é vista muitas vezes como um processo econômico natural, não é verdade? Eu diria que a gentrificação não é necessariamente um processo que ocorre apenas em áreas de baixa renda; ela também se dá em bairros de classe média e até em áreas mais abastadas—como o que acontece aqui na Argentina. Chamada de “super gentrificação”, este processo se dá inclusive em bairros já enobrecidos e redutos históricos da classe média alta em enclaves urbanos exclusivos e excludentes.

Eduardo Souza: Na minha opinião, existe uma relação perversa entre o investimento público e a gentrificação na maioria dos casos. Famílias com alto poder aquisitivo também se deslocam, e as vezes acabam se mudando para bairros menos valorizados por um ou outro motivo. Geralmente, elas estão buscando melhores condições e qualidade de vida, melhor acesso ao transporte público, às ofertas de emprego ou lugares próximos à natureza.

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Photo by Caio Silva on Unsplash . ImageSantiago, Chile

Andreea Cutieru: Isso quer dizer que a gentrificação responde a uma dinâmica própria, dependendo do contexto. Como se dá o processo de gentrificação na cidade onde vocês vivem?

Nicolás Valencia: Ao longo dos anos 90, o centro de Santiago no Chile passou por um processo de esvaziamento à medida que a população se deslocava para novos bairros de classe média nos arredores da capital. O governo local respondeu com um plano de subsídio para quem quisesse comprar um imóvel na região central cidade. Acontece que, com o agravamento da crise financeira a partir de 1988, o Ministério de Obras Públicas em conjunto com a prefeitura de Santiago, passou a ser os principal investidor do mercado imobiliário na cidade. Neste contexto o centro de Santiago passou pom rápido processo de densificação, provocando a gentrificação generalizada e a migração massiva da população para outras regiões da cidade.

Fabian Dejtiar: Na atual Argentina, a volatilidade da economia e da moeda local assim como a inflação generalizada no país e a constante sensação de insegurança, provocaram uma nova onda de especulação imobiliária—com os imóveis sendo precificados e negociados em moeda extrangeira. Neste contexto, o aumento dos preços dos aluguéis tem impactado sobretudo as novas gerações de classe média. No passado, pessoas de uma mesma família costumavam morar nos mesmos bairros, uma situação impraticável para os jovens que decidem sair de casa atualmente, os quais são forçados a se deslocar para a periferia ou até outras cidades. Poderíamos dizer que o processo chamado de “super-gentrificação” está em marcha, avançando rapidamente sobre o território urbano, com famílias de classe média ou média alta também sendo forçadas a se deslocar para outras regiões e cidades do interior. Este é um fenômeno já bastante evidente na cidade de Buenos Aires, onde antigos edifícios de escritórios estão sendo transformados em apartamentos, muito em razão das mudanças que vieram junto com a pandemia.

Matthew Maganga: Em Londres, cidade onde vivo atualmente, muito se discute a respeito dos processos de gentrificação. Seguindo as transformações provocadas pela pandemia, principalmente em relação ao trabalho, muitas pessoas que antes moravam em Londres se deslocaram para outras cidades do país em busca de aluguéis mais baratos e melhor qualidade de vida—uma dinâmica que provocou um aumento considerável nos preços dos aluguéis na maioria das cidades de pequeno e médio porte em todo o Reino Unido. Na cidade de Londres, por sua vez, processos de desenvolvimento urbano de antigas áreas industriais e redutos históricos da classe trabalhadora tem acentuado ainda mais os processos de gentrificação na cidade ao longo dos últimos anos.

Eduardo Souza: No Brasil, a questão é que as áreas mais valorizadas de uma cidade são sempre aquelas que dispõe de melhores condições e facilidade de acesso ao transporte público, proximidade aos postos de trabalho e oportunidades de emprego, infra-estruturas de saúde, lazer, serviços, etc. Acontece que estes elementos que compõe o espaço urbano de uma cidade também acabam sendo deslocados ao longo do tempo, seguindo as áreas de expansão, investimento de capital e desenvolvimento imobiliário em uma cidade. Este planejamento urbano carece evidentemente de planejamento, e as comunidades de baixa renda são obviamente as que mais sofrem com isso. Então, o próprio setor público precisa correr atrás para garantir um nível mínimo de dignidade para estas comunidades. Este mal planejamento, torna o processo de construção e manutenção da cidade extremamente caro. E além disso, é um processo de beneficia apenas o capital imobiliário, onerando excessivamente as autoridades públicas.

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The collective transformation of an unoccupied administration building in Berlin aims to secure affordability, accessibility, and inclusivity. Image © Victoria_Tomaschko

Andreea Cutieru: Neste caso, a gentrificação é uma das principais causas da expansão urbana, e o mal planejamento, o motivo por trás do gasto excessivo e desenfreado de recursos públicos. Para onde esse processo de gentrificação aponta, para onde estamos indo?

Matthew Maganga: Acho que a pandemia continuará a trazer novas questões em relação aos processos de gentrificação de nossas cidades no futuro próximo. Eu, que cresci na cidade de Dar es Salaam, na Tanzânia, onde definitivamente observo um considerável aumento na comunidade de nômades digitais—pessoas que por trabalhar remotamente podem se deslocar livremente. Estas pessoas podem escolher o lugar onde querem morar, considerando países onde o custo de vida é mais baixo por exemplo. Desta forma, eles podem gastar mais em outras coisas, priorizando a sua qualidade de vida, ainda que, desta forma passem a operar como instrumentos de gentrificação.

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Photo by Zeke Goodyear on Unsplash . ImageSoHo, New York

Andreea Cutieru: De que forma o trabalho de arquitetos e urbanistas poderia contribuir para minimizar as causas e consequências dos processos de gentrificação nas cidades de hoje?

Nicolás Valencia: A gentrificação só pode ser combatida efetivamente através da instrumentalização de ferramentas legais.

Fabian Dejtiar: Devemos estar muito atentos às promessas de inclusão social, acessibilidade e equidade utilizadas para promover projetos de redesenvolvimento urbano. No final das contas, o que os desenvolvedores estão querendo vender é exatamente o contrário disso. Em Nova Iorque, por exemplo, onde o rezoneamento de vários bairros da cidade tinha como principal objetivo garantir a acessibilidade à moradia, o efeito resultante foi exatamente o oposto, estabelecendo áreas mais caras e exclusivas, com menos oportunidade, diversidade social e econômica.

Eduardo Souza: Usos diversificados e estratégias de inclusão sócio-econômica parecem ser o melhor caminho para o futuro das cidades. Como bem colocou Jane Jacobs no passado.

Christele Harrouk: Quando falamos do futuro das cidades, é sempre bom voltar às questões primordiais. Como queremos que seja a nossa cidade? Para quem queremos planejar nossos espaços urbanos? Um bom planejamento deve considerar sempre a manutenção das comunidades em seus lugares de origem, melhorar as condições de vida destas e oferecer melhores oportunidades de emprego e qualidade de vida, ao mesmo tempo em que incentiva novos negócios e uma maior diversidade de usos e classes sociais. É uma questão de delinear com precisão as diretrizes que se aplicam sobre o espaço urbano de uma cidade.

Matthew Maganga: Acho que o que poderia tornar os processos de redesenvolvimento urbano mais equitativos é considerar sobretudo o seu contexto específico. Não impor cegamente ideias alheias só porque parecem funcionar em outras cidades. Ao invés disso, a resposta mais adequada deve partir sempre de uma profunda compreensão dos fenômenos locais, engajando comunidades e incentivando-as a participar dos processos de tomada de decisões.

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "Desenvolvimento urbano gera gentrificação?" [Does Urban Development Drive Gentrification?] 27 Nov 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/971292/desenvolvimento-urbano-gera-gentrificacao> ISSN 0719-8906

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