Reuso adaptativo e a renovação de edifícios brutalistas

A demolição é um desperdício em todos os sentidos—um desperdício de energia, de materiais e também da nossa memória coletiva”, disse a arquiteta vencedora do Pritzker Anne Lacaton. Ao longo dos últimos anos, porém, a reciclagem de antigas estruturas e o reuso adaptativo de edifícios obsoletos se tornaram onipresentes no discurso arquitetônico contemporâneo, à medida que os profissionais estão se tornando mais conscientes sobre questões relativas aos resíduos, a exploração de recursos naturais e a pegada de carbono na industria da construção civil. Ainda assim, a prática de renovação e adaptação de estruturas existentes carece de consistência, especialmente quando tratamos de edifícios do pós-guerra. A seguir, procuramos analisar alguns dos muitos desafios e oportunidades dos projetos de renovação e reutilização de edifícios construídos durante a segunda metade do século XX, destacando como algumas destas estratégias podem desempenhar um papel significativo para minimizar o impacto da construção civil no agravamento da crise climática e na busca por construir cidades mais equilibras, ao mesmo tempo em que recupera importantes estruturas e lugares de memória.

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Muitas evidencias indicam que o processo de construção é responsável sozinho por praticamente metade das emissões de carbono ao longo de toda a vida útil de um edifício. Neste sentido, a reutilização adaptativa e a renovação de edifícios existentes são estratégias fundamentais para reduzir o carbono incorporado de nossos edifícios e cidades ao redor do mundo. Trata-se não apenas de uma considerável economia de recursos, mas de estender a vida útil de estruturas cujo processo de construção foi responsável por liberar enormes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera. No caso de muitas das estruturas construídas no período do pós-guerra, em uma época em que o concreto foi largamente utilizado por arquitetos e arquitetas ao redor do mundo, os níveis de carbono incorporado por estas estruturas são ainda mais relevantes. Freqüentemente negligenciadas e expostas à demolição, estruturas brutalistas podem ser um terreno bastante fértil—e uma oportunidade única em termos ambientais—para a experimentação no campo da arquitetura contemporânea.

Abordagens contraditórias

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KB Building by HofmanDujardin + Schipper Bosch. Imagem © Matthijs van Roon

Embora a reutilização adaptativa de estruturas industriais tenha se tornado amplamente popular ao longo dos últimos anos, reabilitadas e transformadas para abrigar novos empreendimentos comerciais, edifícios residenciais e instituições culturais, não podemos dizer o mesmo sobre a arquitetura brutalista e edifícios do pós-guerra. Ainda há um certo ceticismo quando se fala em renovar e reutilizar edifícios brutalistas, e um exemplo disso é a recente demolição do Robin Hood Gardens projetado e construído pela dupla Alison e Peter Smithson na cidade de Londres, ao mesmo tempo que, não muito longe dali na cidade de Sheffield, o edifício Park Hill Estate estava sendo devidamente reformado e readaptado. No início deste ano, o edifício Burroughs Wellcome, projetado por Paul Rudolph, na Carolina do Norte, também foi demolido, apesar das muitas tentativas da comunidade de arquitetos por preservar este ícone da arquitetura brutalista americana. Na época, a Paul Rudolph Heritage Foundation chamou a atenção para o fato de que não apenas a importância histórica do edifício estava sendo desconsiderada pelas autoridades, mas o impacto ambiental negativo do processo de demolição.

Oportunidades e desafios

É importante estarmos atentos ao fato de que a reabilitação ou reutilização adaptativa de estruturas brutalistas ainda representam um grande desafio em todos os sentidos. Na maioria dos casos, os códigos de obras, as políticas públicas e as próprias estruturas de financiamento apenas desencorajam projetos de reforma, criando uma plataforma desequilibrada que favorece muito mais a construção nova sobre os projetos de reutilização e reciclagem de estruturas existentes. Além disso, costuma-se dizer que projetos de reforma e reutilização adaptativa costumam ser mais caros e trabalhosos do que construir algo do zero, principalmente pelos estudos, análises e levantamentos prévios sobre as condições do edifício. Na verdade, tudo na vida tem um preço, e a situação dos edifícios brutalistas tombados e protegidos tampouco é fácil, muitas vezes isso só complica a situação. Neste sentido, a comunidade de preservacionistas parece estar bastante dividida no que se refere ao que é e não é aceitável em se tratando de reformas e reutilização de estruturas protegidas por lei.

Um ótimo exemplo que evidencia os muitos desafios dos projetos de reutilização de estruturas modernistas é a recente reforma da Torre Balfron encabeçada pelos arquitetos do Studio Egret West. Através de um amplo projeto de renovação, o ciclo de vida do edifício foi extendido, resultando em uma economia bastante significativa de recursos. O edifício, construído na década de 1960, passou por um processo de adaptação, recebendo um novo sistema de isolamento térmico além de ter sido adaptado para cumprir com as atuais normas de combate a incêndio. As pontes térmicas, um dos grandes problemas de edifícios construídos neste período, foram tratadas uma a uma para evitar as trocas de calor, sem resultar em nenhuma interferência significativa nas elevações originais. O projeto de reforma foi muito respeitoso para com o design original, concentrando-se majoritariamente na reorganização dos espaços interiores, substituindo esquadrias e reinterpretando alguns detalhes arquitetônicos específicos.

Opinião pública

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Northampton International Academy by Architecture Initiative. Imagem © Luke Hayes

Em outros casos, ressignificar estruturas do pós-guerra também requer uma reconciliação com a opinião pública. Alguns escritórios de arquitetura, como a Architecture Initiative, defendem a reforma e a reutilização adaptativa como a sua principal estratégia de projeto, advogando não apenas a favor da redução os custos de energia incorporados e economia de recursos, mas também como uma estratégia de preservação da memória e da identidade coletiva. A empresa foi responsável pelo projeto de transformação de um antigo centro de triagem brutalista de Northampton em um novo edifício educacional. A escala massiva da estrutura de concreto encarecia demais os custos de demolição, tornando a reutilização adaptativa uma opção viável. O edifício então foi transformado em uma nova escola com a adição de alguns programas complementares que ajudaram a requalificar todo o bairro.

Futuro e sustentabilidade

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Five Manhattan West before refurbishment. Imagem Cortesia de REX

O arquiteto e sócio fundador do REX, Joshua Prince-Ramus, defendeu a reutilização adaptativa em 2017, dizendo que “pouco a pouco está será uma das principias estratégias no mundo da arquitetura, e certamente fará parte da vida de todos nós. Temos que começar a ver projetos de reutilização adaptativa também como projetos de arquitetura—arquitetura com ‘A’ maiúscula.” O projeto do REX para o Five Manhattan West envolveu a transformação de toda a fachada do antigo edifício, o que simultaneamente melhorou o desempenho energético da estrutura como um todo além de ressignificar a sua imagem e presença no cento de Manhattan.

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Five Manhattan West by REX. Imagem © Laurian Ghinitoiu

Estruturas brutalistas não apenas podem ter um novo uso, mas também podem ser adaptadas e certificadas segundo rigorosos critérios de sustentabilidade e economia de energia. O Pirelli Tire Building projetado por Marcel Breuer em 1969, por exemplo, está atualmente sendo transformado em um hotel de consumo de energia zero pela Becker + Becker Associates. A estrutura, originalmente concebida para abrigar escritórios, estava abandonada e sem uso desde 1999. O icônico edifício de concreto terá 165 novos quartos de hotel além de operar apenas com energia produzida no local.

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Pirelli Tire Building by Marcel Breuer. Imagem

Considerando a urgência da atual crise ambiental, a reciclagem de estruturas e o reuso adaptativo de edifícios existentes são importantes estratégias a se considerar em busca de reduzir o consumo de energia e de recursos. Estas práticas não são apenas válidas do ponto de vista da sustentabilidade, mas principalmente como uma estratégia de resgate e ressignificação do nosso patrimônio construído. Além disso, reabilitar estruturas do passado pode ser um terreno bastante fértil a se explorar, sem mencionar a substancial economia de recursos que a extensão da vida útil destas estruturas proporciona.

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "Reuso adaptativo e a renovação de edifícios brutalistas" [The Refurbishment and Adaptive Reuse of Brutalist Architecture] 23 Set 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/967622/reuso-adaptativo-e-a-renovacao-de-edificios-brutalistas> ISSN 0719-8906

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