Rompendo o estigma estético da habitação social

Historicamente, a estética e a funcionalidade representam dois dos principais valores relacionadas à arquitetura e ao planejamento urbano—e isso não é diferente quando lidamos com projetos de habitações sociais e acessíveis. Embora os princípios de beleza e utilidade, com a adição do conceito de firmeza, tenham sido utilizados para definir à arquitetura desde Vitrúvio, por outro lado, ao analisarmos a paisagem construída através destas três lentes apenas, acabamos deixando de contemplar uma série de outros importantes aspectos que caracterizam estas duas disciplinas. Frutos desta nossa inaptidão em perceber os diferentes valores que a arquitetura engendra são o preconceito em relação as qualidades (ou da suposta falta delas) estéticas em projetos de habitação social e habitações acessíveis, a estereotipação dos aspectos socioeconômicos que as fazem necessárias e o discurso discriminatório associado as pessoas que se beneficiam destas políticas habitacionais.

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1080 Washington Avenue in NYC. Imagem via Cityrealty

Antes de mais nada, é importante estabelecermos as diferenças entre habitação social e habitação acessível. Embora estes termos sejam recorrentemente utilizados como sinônimos e as suas definições variem também de acordo com a localização geográfica, o contexto político e situação econômica de um determinado país, em um sentido mais amplo, habitação social e habitação acessível são duas coisas as quais não podemos confundir uma com a outra. Habitações sociais são aquelas de propriedade do Estado, construídas com financiamento público, cedidas na forma de aluguel social ou comercializadas a preços acessíveis e abaixo dos valores comumente praticados no mercado. Em muitos casos, estas unidades são subsidiadas pelas autoridades locais, quem cobra das pessoas que ali vivem apenas uma pequena parcela do aluguel. Habitações acessíveis, por outro lado, são estruturas de propriedade de incorporadores privados, investidores ou corporações. O financiamento para a construção de unidades acessíveis é obtido tanto através de meios públicos quanto privados—variando enormemente de caso para caso. Apesar do tendencioso termo “habitações acessíveis”, apenas uma pequena fração das unidades destes edifícios são acessíveis de fato e, além disso, o subsídio neste caso é apenas temporário. Independentemente disso, projetos de edifícios que incluem algumas poucas unidades temporariamente acessíveis também são mal vistas pelos demais consumidores, sejam eles moradores de aluguel, compradores de imóveis ou investidores do mercado imobiliário.

Acontece que, historicamente, esses edifícios foram concebidos para serem econômicos, eficientes, modestos e despojados de qualquer luxo desnecessário. Edifícios de habitação social representam exatamente o oposto daquilo que a maioria dos cidadãos médios sonha em relação à casa própria. Em países como os Estados Unidos, esta aversão em relação a construção de projetos e infraestruturas sociais “degradantes” próximos a bairros de classe média e classe média alta viu nascer um movimento chamado de NIMBY, sigla para Not In My Back Yard, que poderia ser traduzido para “Não Em Meu Quintal”. Os “nimbers” alegam que a construção de moradias acessíveis nas proximidades de suas casas faz com que os preços de suas propriedades caiam. Enquanto estes que se posicionam contra a construção desse tipo de estruturas em seus bairros abastados pensam apenas em seu umbigo e em proteger seus investimentos e possíveis lucros, aqueles que defendem a construção de moradias acessíveis cobram as autoridades para que as mesmas sejam construídas em locais centrais, acessíveis e que facilitem o acesso a oportunidades de emprego e infraestruturas públicas como escolas, creches, hospitais, parques e praças. Talvez tenha sido em meio a este conflito de interesses que perdemos de vista o verdadeiro significado do termo “acessibilidade”. Moradia acessível não é, nem nunca foi, sinônimo de habitação barata só porque as pessoas que ali moram pagaram menos por ela, tampouco porque aparentemente elas tenham sido construídas com menos recursos que outros edifícios similares. Pode até ser que edifícios de habitação social não agradem a todos, mas obviamente não podemos reduzir a questão do acesso à moradia digna e o direito à cidade a um debate de caráter puramente estético.

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Cortesia de Tighe Architecture

Todos desejamos uma casa bonita para morar. Neste sentido, há uma série de novos projetos sendo construídos que visam transformar o paradigma da habitação a preços acessíveis. Entre as várias estratégias adotadas estão o uso de novos materiais, a integração de espaços públicos e áreas comerciais no térreo. Alguns dos novos projetos residenciais construídos nos Estados Unidos—os quais incluem algumas unidades comercializadas a preços acessíveis—chegam até a rivalizar com os seus vizinhos condomínios de luxo, como é o caso do Edifício Sierra Bonita, orçado em pouco mais de 13 milhões de dólares. Além de suas 42 unidades, o condomínio com unidades de habitação acessível conta ainda com um centro comunitário e de atenção a pessoas com deficiência.

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Proposed design for Holmes Tower in NYC. Imagem via Cityrealty

Até mesmo na cidade de Nova Iorque, onde o Conselho Municipal de Habitação administra atualmente mais de 300 edifícios públicos de moradias acessíveis, muitos arquitetos estão começando a repensar não apenas seus próprios projetos, mas como as políticas públicas poderiam servir melhor às comunidades de baixa renda. Neste sentido, dezenas de projetos estão em andamento, incluindo a já famosa Holmes Tower, um exemplo de projeto de habitação acessível sustentável—e a mais alta estrutura deste tipo já construída no mundo. Fato é que não há mais espaço para preconceitos em relação a projetos de habitação social e acessível. Acreditar que a construção de novos edifícios que contemplem unidades a preços acessíveis possa desvalorizar o preço de mercado de seus edifícios vizinhos é um conceito bastante antiquado. Somente quando formos capazes de superar estas antigas convicções—e quando enfim nossas cidades sejam melhores, mais eficientes, acessíveis e equitativas—é que fará sentido novamente utilizar a tríade vitruviana para analisarmos a arquitetura.

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Sobre este autor
Cita: Overstreet, Kaley. "Rompendo o estigma estético da habitação social" [Breaking Down the Stigma Around the Aesthetics of Affordable Housing] 19 Set 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/967033/rompendo-o-estigma-estetico-da-habitacao-social> ISSN 0719-8906

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