As cidades estão encolhendo: vida e morte do espaço urbano na sociedade contemporânea

Na maioria dos casos, o planejamento urbano é uma prática desenvolvida com base na suposição de que toda cidade cresce, ou que pelo menos, deveria crescer. Entretanto, a realidade nos mostra que nem sempre tudo parece funcionar como o previsto, e que em nossa sociedade hoje, muitas cidades estão passando por um processo inverso, de decrescimento ou despovoamento. E isso não significa dizer que em cidades que decrescem o planejamento urbano seja algo desnecessário, muito pelo contrário, neste caso esta prática talvez seja ainda mais importante—além do fato de que ela deve assumir novos conceitos, critérios e estratégias capazes de fazer frente a este grande desafio. O fenômeno do despovoamento é um processo de declínio urbano generalizado que pode ter as mais diversas e complexas causas que vão desde mudanças significativas nos meios de produção, fenômenos migratórios, conflitos ou esgotamento dos recursos naturais. Buscando somar evidências e colaborar com o desenvolvimento do profuso debate que gira em torno do tema atualmente, a seguir apresentaremos algumas das principais abordagens que algumas cidades em processo de despovoamento tem incorporado em suas estratégias de planejamento urbano.

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O despovoamento das cidades é um termo bastante abrangente e que se aplica a diferentes contextos urbanos segundo os mais variados motivos. Muitas das pequenas cidades que testemunharam um processo de declínio populacional ao longo das ultimas décadas passaram também por uma derrocada de seus principais meio de subsistência. Outras assistiram seus habitantes partirem sem olhar para trás por questões de caráter político ou até devido a uma gradual mudança nos meios de produção. Os fenômenos migratórios são outros fatores que contribuem para o despovoamento de diversas regiões do planeta, assim como o envelhecimento da população—uma das principais causas do declínio urbano de muitas cidades de pequeno e médio porte. O debate em torno do processo de despovoamento das cidades não é nada novo, tendo sido discutido amplamente pelos quatro cantos da Europa desde o início dos anos 2000, quando muitas das pequenas cidades do antigo Bloco de Leste passaram por um rápido e voraz processo de despovoamento. O termo “shrinking cities”, ou cidades em declínio, foi cunhado pelo arquiteto Philipp Oswalt, que o definiu como um problema causado por diversos motivos e em diferentes escalas.

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Anina, mining town in Romania. Image © Tudor Constantinescu

Em muitos casos, a narrativa deste declínio está intimamente conectada aos processos de desindustrialização e ao declínio da atividade econômica de uma cidade ou região. Com algumas exceções, o processo de despovoamento se traduz em um completo descaso para com a infra-estrutura urbana que se torna ociosa, levando a uma ulterior deterioração da mesma. Inicialmente testemunhado na Europa central e no Cinturão da Ferrugem no nordeste dos Estados Unidos, o processo generalizado de despovoamento das cidades é agora um fenômeno de ordem mundial, afetando a maioria dos países industrializados do hemisfério norte, assim como uma centena de cidades pequenos e médio porte na China, Índia e também no Japão, bem como muitas das antigas cidades mineradoras na América do Norte e da África. Nos convidando a refletir sobre o futuro das cidades, a Bienal de Veneza deste ano nos trouxe uma série de diferentes exemplos de como este fenômeno continua a se alastrar pelos quatro cantos do planeta, com o Pavilhão da Sérvia e o da Romênia apresentando profundos estudos de caso sobre o declínio populacional de algumas de suas principais cidades ao longo dos últimos anos.

Estratégias para combater o despovoamento das cidades

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Hristina Stojanovic. ImageThe mining city of Bor

Em busca de re-ativar muitas cidades européias em processo de despovoamento, a União Européia lançou recentemente um projeto chamado de URBACT. No documento de apresentação do projeto, as intenções do URBACT ficam bastante claras: “As cidades devem aprender a conceber processos de desenvolvimento urbano mais sustentáveis, cíclicos e contínuos se buscam por verdadeiras mudanças, ao invés de apenas fingir que o desenvolvimento social e econômico se dá sempre de forma linear e previsível”. Cada dia mais pesquisadores se debruçam sobre o fenômeno do despovoamento das cidades e o resultado disso já pode ser visto na prática. Neste contexto, novas propostas especulativas estão surgindo assim como iniciativas que buscam engajar as comunidades destas cidades e até uma série de novas estratégias, abordagem e políticas urbanas inovadoras. Estas, parecem apontar em duas direções distintas: a primeira, conhecida como “redução inteligente”, opera de forma a redimensionar as cidades e suas infra-estruturas de acordo com o processo de despovoamento; e a segunda, procura frear e até inverter a perda de habitantes em uma cidade, reinventando a mesma sob novas premissas, muitas vezes através de fortes incentivos em cultura e turismo assim como políticas de regeneração urbana.

Reconhecendo o processo de desurbanização

A maioria das cidades que passam por um processo de despovoamento procuram reinventar-se, reconhecendo suas novas dinâmicas e procurando-se adaptar-se a elas. Uma das abordagens possíveis, e um tanto controversa até o dia de hoje, é o que chamamos de “rightsizing”, ou seja, um processo de redimensionamento da infra-estrutura disponível de acordo com a demanda. Esta estratégia porém, muitas vezes implica na tomada de medidas bastante drásticas, como a demolição de edifícios inteiros e o fechamento de muitos serviços básicos em bairros menos povoados, o que involuntariamente nos leva a uma série de questões de justiça social, equidade e sustentabilidade. Essa redução inteligente, ou a diminuição da infra-estrutura urbana disponível de acordo com a demanda, ainda é uma estratégia pouco discutida e conhecida pela maioria dos urbanistas. Cidades americanas como Detroit, que perdeu cerca de dois terços de sua população nos últimos cinquenta anos, ou até mesmo a cidade de Youngstown, ambas utilizaram algumas destas estratégias com um resultado bastante discutível.

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Dr.G.Schmitz, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons. ImageAltena, former industrial city in Germany

Por outro lado, a cidade alemã de Altena é frequentemente citada como uma grande história de sucesso. Acontece que, esta pequena cidade no oeste da Alemanha enfrentou o processo de despovoamento investindo na qualidade de vida daqueles que decidiram ficar. Neste processo, a prefeitura de Altena indentificou e desapropriou muitos dos ativos negligenciados da cidade, reduzindo o disponibilidade de serviços públicos de acordo com a demanda e, ao mesmo tempo, investindo na melhoria dos serviços restantes, ativando um amplo processo de cidadania e solidariedade. De forma muito similar, a cidade de Leipzig—no outro extremo do país—desenvolveu uma abordagem muito criativa para ocupar os terrenos vazios no centro da cidade. Em 2004, um grupo de arquitetos, urbanistas e moradores se uniu para desenvolver um projeto que procurava estreitar os laços entre os inquilinos e os proprietários dos imóveis abandonados da cidade, isentando os moradores de aluguel desde que os mesmos se responsabilizassem pela manutenção das propriedades.

Re-invenção Cultural

Uma outra abordagem, neste caso de baixo para cima, recorre à arte para impulsionar a conscientização sobre a importância de se preservar a infraestrutura urbana de uma cidade em processo de despovoamento. Este é o caso da antiga cidade mineira de Petrila, uma das mais antigas da Romênia, onde um artista e ativista desenvolveu um método muito inteligente para proteger os muito edifícios históricos ameaçados de demolição. De forma similar, esta mesma abordagem foi utilizada em outra cidade mineira, desta vez no Chile. Sewell foi declarada Patrimônio Mundial da Humanidade em 2006, uma cidade completamente desabitada porém, preservada como uma atração turística.

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Setnom from Chile, CC BY 2.0 , via Wikimedia Commons. ImageSewell mining town in Chile

Outra contribuição de Philipp Oswalt para este debate é o que o autor chama de “publicitar a cidade”, uma estratégia utilizada amplamente por cidades como Manchester e Bilbao, as quais utilizaram a arquitetura como uma ferramenta para alavancar o re-desenvolvimento socioeconômico paralelamente ao processo de desindustrialização. No entanto, esta não é uma questão assim tão simples, muito porque uma única obra de arquitetura não pode transformar toda uma cidade. A ideia de se construir um novo Museu Guggenheim em Bilbao não surgiu da noite para o dia. A decisão foi tomada depois de um longo processo de planejamento urbano que visava transformar toda a orla e antiga zona portuária da cidade. Ainda assim, o talvez mais famoso edifício já construído por Frank Gehry mudou radicalmente a economia da cidade. Da mesma forma, Manchester passou por um processo de reformulação da própria identidade da cidade, um longo e complexo processo desenvolvido em diversas frentes.

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Photo by Antonio Gabola on Unsplash . ImageGuggenheim Bilbao

Como vimos, os processos de despovoamento podem ter muitas causas e também consequências. As circunstâncias variam amplamente e é difícil apontar para uma única estratégia como a solução para todos os problemas. Como este é um fenômeno ainda relativamente novo, e contrário ao ethos da nossa atual sociedade contemporânea, ele nos demanda um certo afastamento dos modelos de planejamento mais tradicionais, o que significa que nós, arquitetos e urbanistas, ainda precisamos descobrir como iremos enfrentar este desafio no futuro próximo.

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Sobre este autor
Cita: Cutieru, Andreea. "As cidades estão encolhendo: vida e morte do espaço urbano na sociedade contemporânea" [Shrinking Cities: The Rise and Fall of Urban Environments] 07 Ago 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/965007/as-cidades-estao-encolhendo-vida-e-morte-do-espaco-urbano-na-sociedade-contemporanea> ISSN 0719-8906

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