Afinal, usar madeira na arquitetura é sustentável?

Nos últimos anos, temos publicado muitos artigos sobre madeira. Desde abordar as tendências no seu uso, as possibilidades com madeira bruta, painéis, curvas, acabamentos, até suas inovações em estruturas de edifícios altos ou seu comportamento ao fogo, o assunto sempre gera bastante repercussão. Mais especificamente, as estruturas de Madeira Laminada Cruzada (CLT) têm despontado como altamente eficientes estruturalmente, além de apresentarem outros benefícios térmicos, sísmicos e mesmo sensoriais aos ocupantes, sendo apontado por especialistas como o concreto do futuro. Mas ao postarmos os artigos nas redes sociais, sempre nos deparamos com comentários dos nossos leitores preocupados sobre o impacto no corte das árvores para todos estes usos. Ao mesmo tempo que apostamos na madeira como um grande material de construção do futuro, nos indagamos: será que é possível continuar usando madeira e chamá-la de sustentável?

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K House / Kitamura Naoya Architects & Planners. Image © Takumi Ota

Tal preocupação não é descabida. A madeira vem das árvores, que crescem em florestas. Portanto, o uso de madeira é associado aos desmatamentos, os quais não apenas destroem ecossistemas e habitats, mas também desencadeiam as tão temidas mudanças climáticas. Segundo um relatório [1] da WWF (World Wide Fund for Nature), estima-se que a quantidade de madeira retirada no mundo deverá triplicar até o ano de 2050. A demanda por madeira e papel tende a crescer com o aumento da população e da renda nos países em desenvolvimento, além de ser estimado um maior uso da madeira para fabricar biocombustíveis, produtos farmacêuticos, plásticos, cosméticos, eletrônicos de consumo e têxteis. 

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Congresso e Centro de Exposição / Studio Botter + Studio Bressan. Image © Simone Bossi

O Relatório The State of the World’s Forests 2020 [2] afirma que, desde 1990, estima-se que cerca de 420 milhões de hectares de floresta foram perdidos por meio da conversão para outros usos da terra, ainda que a taxa de desmatamento tenha diminuído nas últimas três décadas. Entre 2015 e 2020, a taxa de desmatamento foi estimada em 10 milhões de hectares por ano, abaixo dos 16 milhões de hectares por ano na década de 1990. A área de floresta primária em todo o mundo diminuiu em mais de 80 milhões de hectares desde 1990. Mais de 100 milhões de hectares de florestas são adversamente afetados por incêndios florestais, pragas, doenças, seca de espécies invasoras e eventos climáticos adversos. Segundo a WWF, em 2019, os trópicos perderam cerca de 30 campos de futebol de árvores a cada minuto.

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Congresso e Centro de Exposição / Studio Botter + Studio Bressan. Image © Simone Bossi

A maior causa do desmatamento é a expansão da agricultura e a pecuária. Incêndios florestais vêm aumentando em frequência e intensidade nos últimos anos. A extração insustentável de madeira também desencadeia a degradação. Sim, parece um cenário extremamente desolador e preocupante. No caso da construção civil, é sempre importante termos em mente que, para construir, quase sempre precisamos destruir. Cada traço e decisão no projeto representa algum tipo de impacto no ambiente e entendermos onde podemos impactar menos é vital para uma real sustentabilidade a longo prazo. Neste sentido, a madeira é, definitivamente, um material adequado. Embora pareça quase contraditório, o melhor cenário seria se construíssemos mais edifícios de madeira do que de concreto, tijolo, alumínio e aço. 

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Residência Gresham Street / Jackson Teece. Image © Christopher Frederick Jones
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Private House / CPU PRIDE. Image © Ilya Ivanov

Primeiramente, a madeira é um material renovável, se cuidados forem tomados na sua extração. Isso quer dizer que, diferentemente de recursos não-renováveis como o petróleo, carvão, pedras ou outros recursos naturais, a floresta poderá continuar crescendo normalmente mesmo que algumas árvores sejam cortadas. Se for realizado um manejo florestal sustentável e plantadas árvores frequentemente, poderemos ter madeira à disposição para sempre. 

Quando as plantas realizam a fotossíntese, isso remove o CO2 da atmosfera e o armazena na madeira. Isso é o que chamamos de “sequestro de carbono”. A taxa de sequestro é maior durante o crescimento jovem e vigoroso da planta. Portanto, florestas em crescimento são uma forma sustentável de reduzir o efeito estufa, até mais do que florestas antigas. (Obviamente, manter florestas antigas intactas sempre que possível é interessante, para manter o equilíbrio ecológico). Como apontado por Think Wood, o manejo florestal ativo, ou desbaste florestal, mitiga incêndios florestais, reduz as emissões de carbono, repõe os cursos de água da área, expande o habitat da vida selvagem e cria empregos nas áreas rurais.

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Potato Shed House / Julius Taminiau Architects. Image © Norbert Wunderling
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Modular Box / SPSS Design. Image © Ricardo Oliveira

Outra característica positiva da madeira é a baixa energia incorporada, que se refere à soma do impacto de todas as emissões de gases de efeito estufa atribuídas a um material ao longo de seu ciclo de vida. Diferente do aço ou concreto, por exemplo, a madeira requer uma quantidade mínima de processamento baseado em energia.

Um amplo estudo acadêmico, resumido neste texto, substituir por madeira outros materiais de construção poderia economizar de 14 a 31% das emissões globais de dióxido de carbono e 12 a 19% do consumo global de combustíveis fósseis.

Mas isso requer cuidados. Se as florestas começarem a ser colhidas mais rapidamente do que reabastecidas por novas árvores, existe uma possibilidade real de que possamos ter uma escassez severa de madeira. Como arquitetos, é imprescindível que, cada vez mais, busquemos a origem de todos os materiais com que trabalhamos. O projetista deve ser o primeiro a se conscientizar de que não apenas a qualidade e os custos dos materiais são importantes, mas também de onde eles vieram e de que forma foram explorados. Uma outra vantagem da madeira é que muitas espécies podem ser reutilizadas se recuperadas e separadas de outros resíduos. Outros resíduos também podem ser coletados e usados para fazer painéis de partículas e outros produtos compostos modernos.

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House Bäumle / Bernardo Bader. Image © Adolf Bereuter

Quando a demanda é maior por madeiras novas, uma forma de garantir que a procedência é segura é através dos selos de certificação. O mais tradicional é o Forest Stewardship Council (FSC) é uma organização independente e sem fins lucrativos que promove o manejo responsável das florestas em todo o mundo. Madeiras certificadas provêm de florestas geridas de forma sustentável, evitando danos aos ecossistemas, bacias hidrográficas, vida selvagem e às próprias árvores. As madeiras certificadas evidenciam o selo FSC para facilitar a sua localização. Mais de 380 milhões de acres de floresta são certificados pelo FSC globalmente. Segundo a WWF, cerca de 30 por cento da produção florestal mundial é certificada, com cerca de 13 por cento pela FSC.

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Recovery of Merola’s Tower / Carles Enrich Studio. Image © Adrià Goula

Os desafios do mundo contemporâneo em relação à exploração e consumo exagerado de recursos têm nos forçado a repensar muitas verdades cristalizadas. E, respondendo à pergunta do título. A madeira pode ser extremamente sustentável e um material de construção incrível, desde que explorada e tratada de maneira consciente e respeitosa. 

Notas
[1] Wood as a Sustainable Building Material. Journal Forest Products. September 2009, Vol. 59, No. 9. Disponível neste link.
[2] Food and Agriculture Organization of the United Nations. The State of the World's Forests 2020. Disponível neste link.

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Sobre este autor
Cita: Eduardo Souza. "Afinal, usar madeira na arquitetura é sustentável?" 30 Nov 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/952134/afinal-usar-madeira-na-arquitetura-e-sustentavel> ISSN 0719-8906

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