Como projetar escolas e interiores baseados na pedagogia Waldorf

Introduzida por Rudolf Steiner, a pedagogia Waldorf é alimentada por princípios da filosofia antroposófica. Uma das principais características de sua abordagem pedagógica é a suposição de que a formação de um ser humano deve ser holística: seus sentimentos, sua imaginação, seu espírito e seu intelecto como uma composição única, visando uma completa integração entre o pensamento, o sentimento e a ação (o pensar, o sentir e o agir estão sempre ligados).

O foco da filosofia é desenvolver indivíduos capazes de se relacionar com si mesmos e com a sociedade (inteligência inter e intrapessoal), habilidades que são fundamentais para os desafios que o século XXI desenhou. Esse aprendizado ocorre, em grande parte, devido à força característica das escolas que seguem esse método de introduzir famílias no ambiente escolar, transformando-as em uma comunidade. Abordaremos como isso é feito, a seguir.

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Yellow Train School / Biome Environmental Solutions. Image © Vivek Muthuramalingam

Dentro da filosofia antroposófica, o desenvolvimento humano é subdividido em setênios. Por exemplo:

  • 0 a 7 anos: necessidade de desenvolvimento através da liberdade de movimento e livre exploração do meio. Esse setênio é tido como um dos mais importantes pois nele estão contidos as maiores conquistas de todo ser humano: a postura ereta (com o andar); a comunicação (com a fala); e sua percepção como indivíduo (quando a criança começa a se referir sobre si mesma com o pronome "eu"). As salas de aula Waldorf que abrigam atividades das crianças menores, procuram reproduzir a atmosfera de um lar, funcionando como uma extensão do mesmo. Nela, grupos de idades mistas se relacionam como irmãos, educando-se de maneira mútua, ainda que inconscientemente.
  • 7 a 14 anos: necessidade de desenvolvimento através das emoções, criatividade e sentimentos. Artes e artesanato contribuem muito com essa busca maior pela sensibilidade.
  • 14 a 21 anos: o indivíduo está maduro e pleno para utilizar suas capacidades mentais e morais. Nesta etapa, está (teoricamente) apto a desenvolver pensamentos mais abstratos e coletivamente mais complexos.

Yellow Train School / Biome Environmental Solutions. Image © Vivek Muthuramalingam

Da mesma forma que a proposta pedagógica segue os princípios da antroposofia, o partido arquitetônico dos edifícios que abrigam este tipo de escola também deve segui-lo. Assim, arquitetos antroposóficos propõem alguns parâmetros que podem ser identificados na maioria das escolas que seguem essa filosofia. Sua arquitetura deve ser capaz de transmitir aos alunos a sensação de apropriação do espaço a partir da total vivência dentro dele. Os ambientes internos devem ser apropriados para cada atividade desenvolvida nele (há aulas de artesanato, esculturas, marcenaria...). Também devem ser coerentes com a idade e ciclo de desenvolvimento das crianças que os ocuparão. Neste artigo, abordaremos de forma sintética alguns desses principais parâmetros:

Marecollege / 24H Architecture. Image © Gregor Schmidt

Aconchego

Considera-se fundamental, durante o primeiro setênio, que a criança esteja em casa, com o contato direto com sua família e atividades domésticas. Por isso, as salas de aula dedicadas a essa faixa etária buscam oferecer uma atmosfera de Lar, aconchegante, segura e estimulante. É muito comum o uso de "cantos" que são espaços menores dentro de ambientes maiores. Por exemplo: em uma sala de aula grande há o canto da casinha ou a área para o preparo e consumo de refeições, áreas para descanso e para o brincar, etc. A ideia é que a criança possa se sentir segura para ocupar esses espaços de dimensões menores, apropriando-se melhor deles. A sala de aula, com atmosfera de Lar, passa a ser uma metáfora da casa e, por sua vez, a escola torna-se uma representação da comunidade externa.

Escola El Til·ler / Eduard Balcells + Tigges Architekt + Ignasi Rius Architecture. Image © Adrià Goula

Harmonia entre as artes

Rudolf Steiner acreditava que arquitetura era a integração de todas as manifestações artísticas formando um espaço. Portanto, pode-se concluir que o aspecto estético trazido pela arte é um fato importante. É muito comum encontrar, em ambientes que seguem a pedagogia Waldorf, itens expostos com manifestações artísticas feitas pelos alunos.

Yellow Train School / Biome Environmental Solutions. Image © Vivek Muthuramalingam

Elementos ritmados

Música também é uma arte muito presente no ambiente Waldorfiano. Ela aparece na arquitetura através da repetição (sempre rítmica através de dimensões ou formas) de elementos arquitetônicos como esquadrias ou pilares, por exemplo.

Marecollege / 24H Architecture. Image Cortesia de Boris Zeisser

Natureza dentro e fora

A conexão (direta ou indireta) com a natureza é vista como bastante benéfica à saúde psicoemocional das crianças. Ela está presente como material das atividades em classe: pinhas, sementes de vários tamanhos, tocos de madeira de diferentes tamanhos e formas, conchas, pedras, raízes etc. Há inclusive a contraindicação de objetos e brinquedos de plástico. Nos elementos ao redor, tem-se: chão de terra ou areia, vegetação por todos os lados (ainda que só seja possível por meio de vasos). Casas na árvore também são muito bem-vindas.

Escola El Til·ler / Eduard Balcells + Tigges Architekt + Ignasi Rius Architecture. Image © Adrià Goula
Yellow Train School / Biome Environmental Solutions. Image © Vivek Muthuramalingam

Recomenda-se o uso de materiais construtivos e de revestimento que sejam naturais. É interessante que o projeto tenha uma área verde central na qual as crianças possam mexer na terra e salas de aula que possam ter janelas e aberturas voltadas para ele. Lembrando que, como trata-se de espaços voltados às crianças, o peitoril das janelas deve ser posicionado numa altura mais baixa que a tradicional para permitir que a área verde esteja ao alcance dos olhos de seu observador, no caso, as crianças.

Marecollege / 24H Architecture. Image Cortesia de Boris Zeisser

Iluminação natural

Trata-se de uma filosofia que valoriza todos os benefícios que o contato com a natureza pode oferecer aos seres humanos, por esse motivo, a iluminação natural também é desejada e muito bem valorizada nesse tipo de construção. Ora por meio de aberturas horizontais (como em zenitais nas coberturas, por exemplo). Ora através de grandes aberturas verticais nas paredes. Dependendo da atividade para a qual o ambiente está sendo proposto, é interessante prever em projeto a possibilidade de filtrar ou bloquear totalmente a entrada dessa iluminação. Tratam-se de variações que produzem infinitas possibilidades de atmosferas nos ambientes internos.

Escola El Til·ler / Eduard Balcells + Tigges Architekt + Ignasi Rius Architecture. Image © Adrià Goula

Cor

Dá-se grande importância para o uso das cores na temática Waldorf. Recomenda-se uma paleta específica para cada faixa etária, já que, segundo a filosofia, as cores mudam seguindo o nível de amadurecimento das crianças. As salas de aula para as crianças menores são de cores quentes claras (especialmente avermelhados e alaranjados). Essa paleta relaciona-se com as atividades mais ativas e festivas, mais presentes no cotidiano desta faixa etária. Os tons frios (azulados e esverdeados) são recomendados para os alunos com idade intermediária. A opção por essas tonalidades pode ser explicada por serem associadas às atividades que exigem maior nível de concentração e tonalidade. Ao contrário de outras metodologias (como a Montessoriana, por exemplo) os contrastes fortes (como preto e branco) são recomendados para as crianças com idade avançada, já que são frequentemente tons relacionados à formas abstratas. Nas paredes, a pintura costumam seguir uma técnica específica desenvolvida por Steiner chamada "lazure" que tem como objetivo torná-las mais vivas, menos opacas.

Yellow Train School / Biome Environmental Solutions. Image © Vivek Muthuramalingam

Essas últimas três características combinadas: Conexão com a natureza, Iluminação natural e uso da cor estão diretamente relacionadas à importância do aspecto sensorial no desenvolvimento humano. Acredita-se que elas, juntas, possam criar um ambiente físico de aprendizado seguro e capaz de explorar ao máximo o potencial criativo das crianças.

Escola El Til·ler / Eduard Balcells + Tigges Architekt + Ignasi Rius Architecture

Flexibilidade

Como as atividades realizadas dentro do conteúdo programático Waldorfiano são bastante dinâmicas, é imprescindível que a composição dos interiores seja bem flexível, para que favoreça a característica de ser um ambiente vivo, ativo. Nesse ponto, algumas soluções são frequentes. As mesas e cadeiras devem ser leves para que sejam removidas com facilidade; pátios descobertos que funcionam como arenas teatrais, enquanto quadras poliesportivas cobertas podem ser usadas para festividades (há diversas no currículo Waldorf).

Escola El Til·ler / Eduard Balcells + Tigges Architekt + Ignasi Rius Architecture
Yellow Train School / Biome Environmental Solutions. Image © Vivek Muthuramalingam

Percepção geométrica

De acordo com o pensamento antroposófico, norteador da filosofia Waldorf, transformações progressistas de formas geométricas nas salas de aula conforme a mudança de faixa etária são bastante interessantes. Por isso, é comum verificar:

  • esquadrias em formatos geométricos fora do padrão convencional;
  • variação formal dos planos verticais (paredes) e horizontais (pisos e tetos);
  • plantas em formato trapezoidal.

A liberdade é um conceito importante nessa pedagogia. Steiner defendia o uso de paredes divergentes porque, em sua opinião, elas são capazes de democratizar o olhar do usuário no ambiente (paredes convergentes tendem a direcionar), que poderá escolher para qual lado seus olhos se voltarão. Assim, muitas escolas elegem a figura do trapézio por conta de suas características formais.

Axonométrica. After-School Care Centre Waldorf School / MONO Architekten. Image via MONO Architekten

Cada sala de aula (dividida por faixa etária) possui um formato recomendado para que as transformações geométricas possam acompanhar o desenvolvimento interno das crianças. Nos primeiros anos, as salas de aula possuem traçado predominantemente orgânico. Gradativamente o ângulo é introduzido e as classes vão se tornando mais alongadas. Assim, tudo o que possui linhas mais arredondadas, é unificado e predominantemente mais leve, relaciona-se com os alunos da pré-escola. Com o passar dos anos, tudo se torna mais firme, articulado e angular. Essa estratégia tem o objetivo principal de fazer, ainda que inconscientemente, que a criança perceba o conceito da criação das formas, enraizando em si um senso estético mais profundo.

Yellow Train School / Biome Environmental Solutions. Image © Vivek Muthuramalingam

É possível afirmar que os elementos arquitetônicos de um edifício destinado a uma escola Waldorfiana fazem parte ativamente do processo de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. Combinando-se a outras atividades curriculares, a pedagogia Waldorf propõem trabalhar conceitos como a metamorfose da forma, cores e geometria da maneira mais completa possível, já que a criança é livre para perceber e explorar os ambientes por completo.

After-School Care Centre Waldorf School / MONO Architekten. Image © Gregor Schmidt

Referências

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Sobre este autor
Cita: Audrey Migliani. "Como projetar escolas e interiores baseados na pedagogia Waldorf" 19 Mar 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/935704/como-projetar-escolas-e-interiores-baseados-na-pedagogia-waldorf> ISSN 0719-8906

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