Ficção Imobiliária 2: especulação imobiliária e gentrificação no cinema

Nesta colaboração, o coletivo espanhol Left Hand Rotation apresenta o seguimento do vídeo Ficción Inmobiliaria, um relato cinematográfico sobre filmes de diversos estilos e diferentes épocas, mas todos relacionados a temas urbanos dos dias de hoje.

Desde o clássico Metrópolis (1927) até o comovente Up (2009), passando pela série hollywoodiana The Team- A, o coletivo espanhol detecta a especulação imobiliária, a gentrificação de bairros pobres, a resistência vicinal e a invasão hipster em suas tramas. Às vezes presentes como mero plano de fundo e em outras, como eixo gravitacional dos filmes.

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Ficção Imobiliária 2: especulação imobiliária e gentrificação no cinema - Mais Imagens+ 5

A sequencia de Ficción Inmobiliaria continua compilando materiais encontrados em filmes de ficção onde as problemáticas associadas a questão da moradia (especulação imobiliária, processos de gentrificação e consequências da globalização na cidade contemporânea) aparecem na trama principal ou com certa relevância na sua linha narrativa.

Qual a melhor maneira para começar do que através de Metrópolis, clássico do cinema alemão e paradigma da representação da cidade global clássica, na qual encontramos poder e as classes dominantes na parte superior e a classe operária (verdadeiros construtores da cidade) no subsolo. Quase um século depois, novas visões do cinema alemão nos trazem Eine Flexible Frau, na qual sua desempregada protagonista nos fala sobre a arquitetura utópica fazendo um exercício de psicogeografia em Berlim do século XXI.

Shameless 05x02 (2014). Imagem via Left Hand Rotation

Chicago é uma das mais castigadas por processos de gentrificação (áreas urbanas como Andersonville, Pilsen ou Wicker Park), e especialmente nas suas periferias e parte sul, servindo como cenário a numerosos filmes e séries cuja trama encontramos casos como o da série Shameless, situada no bairro de Woodland e que na sua quinta temporada foca na luta de uma família contra as transformações sociais propiciadas pela chegada de hipsters na região.

Barbershop 2 (2004). Imagem via Left Hand Rotation

Também em South Side, concretamente na Rua 79, podemos ver a resistência vicinal e dos comerciantes protagonistas de Barbershop 2 contra o fictício (?) projeto Quality Land, com discursos como o do personagem principal no trecho:

"São as pessoas que fazem a comunidade e não os cafés a 5 dólares.Quando perdemos as pessoas perdemos o bairro".

Barbershop 2 (2004). Imagem via Left Hand Rotation

A chegada de um arquiteto novaiorquino a Chicago é o ponto de partida de Liebestraum (Paixões Proibidas), cuja trama gira em torno das tentativas de proteção do patrimônio arquitetônico da cidade contra as garras de um especulador que pretende demolir um histórico edifício de ferro fundido para convertê-lo em um centro comercial. Se ficamos um pouco mais de tempo na mesma cidade teremos a ocasião de ver a série The Team - A em ação defendendo uma comidade ameaçada com a expulsão vertical que pretende levar à cabo um grupo de mafiosos especuladores.

The A Team 04x04 (1986). Imagem via Left Hand Rotation

Paradoxalmente, o próprio Team A (ou nesse caso poderíamos denominá-lo Team B?) protagoniza outro capítulo em que eles mesmo adquirem uma moradia e planejam qual será a melhor forma para tirar benefício quando vendê-la. Possivelmente não tardem em faze-lo, já que se encontra em um bairro ideal ajardinado e periférico de Los Angeles, lugar que exemplifica perfeitamente os fenômenos de suburbanização das famílias de classe média que desfrutam do American Dream surgido com o fordismo. No mesmo lugar (ainda que denominado na ficção de Arlen) parece desenvolver o capítulo "The Lady and Gentrification" da série de animação King of the Hill (O Rei do Pedaço), onde também veremos uma clara invasão da classe de artistas que ameaçam a paz das famílias locais.

Mas, quando falamos de invasões hipster não podemos deixar de comentar sobre a série V, na qual extraterrestres com modernos modelos de roupa e óculos de sol também pretendem tomar a cidade. Quando foi rodada em 1983, a maioria dos capítulos na área de Bunker Hill (Los Angeles) quase ninguém recordava os fatos ocorridos nos anos 50 que produziram numerosos despejos concentrados na população pensionista. Possivelmente, nem sequer Homer Simpson pudesse conseguir salvá-los, mesmo que tenha conseguido evitar a demolição da casa no quinto capítulo da sexta temporada de The Simpsons.

The Money Pit (Um dia a casa cai) também se situa nos ajardinados subúrbios das periferias (esta vez em Nova Iorque), um lugar no qual terminam os protagonistas após tentar, sem sucesso, viver em um Soho novaiorquino já que nos anos 80 era uma área na moda com preços disparados. Por aquelas mesmas ruas de Manhattan conduzia Robert de Niro em Taxi Driver, descrevendo perfeitamente a degradação do bairro Hell's Kitchen, gentrificado pelas políticas urbanas do prefeito Rudolph Giuliani nos anos 90.

The goonies (1985). Imagem via Left Hand Rotation

E para terminar como o cinema Made in USA e sua influência no mercado imobiliário real voltamos a costa oeste para encontrar os Os Goonies ameaçados a serem despejados do Cais de Goon para a futura construção de campos de golf. Cabe cometar aqui que no lugar da filmagem do filme, Astoria (Oregon) existe um percurso turístico pelos lugares de rodagem do filme a pela casa dos protagonistas, situada na praia de Cannon Beach, foi a primeira colocada à venda com um enorme cartaz que dizia "Vende-se a casa onde foi rodado o filme Os Goonies".

No Medicine for Melancholie os protagonistas falam do Lower Haight de San Francisco como "um bairro de negros e artistas brancos". Nos últimos anos a gentrificação chegou nesta área conhecida pelos movimentos contra-cultura, onde ainda convivem estudantes e artistas. No filme inclusive podemos assistir a uma reunião do Housing Rights Committee.

Theatre of Blood (1973). Imagem via Left Hand Rotation

Não podemos esquecer dos guetos em que convivem as classes mais desfavorecidas já sejam vagabundos, como os que vivem na periferia de Milão em Miracolo a Milano, ou os que ocupam edifícios no Theatre of Blood, filme rodado em outro bairro de Los Angeles renovado profundamente como foi Bermondsey nos anos 90. Em Maisons du Misére assistiremos as misérias e penúrias da classe trabalhadora na Bélgica industrial dos anos 30, em um exercício que mistura ficção e documentário e foi financiado pela Société Nationale des Habitations à Bon Marché que nos propõe um final feliz demais para crer. E, voltando aos extraterrestres, veremos como são aglomerados em um gueto chamado Distrito 9 na cidade sul-africana de Johannesburgo.

Dream Home (2010). Imagem via Left Hand Rotation

As injustiças sociais propiciadas pela chegada do capitalismo selvagem são protagonistas de filmes chineses como Sanxia Haoren (Still Life), no qual a mastodôntica construção da represa das Três Gargantas no Rio Yangtze obrigou seus habitantes a demolir suas próprias casas antes de serem transladados e deixar abaixo d'água populações  inteiras como Fengjie, ou o caso de Xizao (The Shower) na qual os banheiros públicos estão ameaçados por um projeto urbanístico que se cumpriu em realidade, anos depois de rodar o filme (Os banhos Shuangxingtang situados no distrito Fengtai de Pequim). Sem sair do país asiático, Dream Home se situa em um Hong Kong globalizado e cercado pela especulação imobiliária com a construção de um complexo residencial na área de Victoria Bay.

Estas injustiças sociais também foram protagonistas em tempo de ditadura como a de Franco na Espanha, representando o problema da falta de moradias em El Pisito, onde vemos uma Madri superpovoada pelo êxodo rual dos anos 50, em uma ficção muito representativa da situação de aglomeração nos cortiços naquela época.Também estiveram presentes na Itália dos anos 50 e Vittorio de Sica colocou-os em clássicos neorrealistas como Umberto D, que trata os problemas para pagar os aluguel de um aposentado nas ruas de Roma, que poderia nos fazer lembrar muio bem do protagonista ancião de Up, um homem que sonha em engatar sua casa em milhares de balões de ar e voar até a América do Sul, fugindo das escavadoras e gruas que invadem a cidade.

Up (2009). Imagem via Left Hand Rotation

Veja a lista total de filmes aqui.

Left Hand Rotation é um coletivo artístico ativo desde 2005 que desenvolve projetos que articulam intervenção, apropriação, registro e manipulação de vídeo. Estruturam-se como entidade impessoal não associada ao indivíduo/autor e abordam cada projeto sob a consideração de que a comunidade de recepção não é um espectador, mas parte ativa imprescindível na transformação da realidade social. 

Sobre este autor
Cita: Colectivo Left Hand Rotation. "Ficção Imobiliária 2: especulação imobiliária e gentrificação no cinema" [Ficción Inmobiliaria 2: especulación inmobiliaria y gentrificación en el cine] 01 Mar 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/782848/ficcao-imobiliaria-2-especulacao-imobiliaria-e-gentrificacao-no-cinema> ISSN 0719-8906

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