![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 1 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/58dd/c677/407c/837f/55e8/newsletter/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_1.jpg?1751996647)
O escritório [entre escalas], fundado pela arquiteta Marina Canhadas em 2018, nasce da interseção entre prática profissional, pesquisa acadêmica e experiências internacionais. Com uma trajetória marcada por concursos, colaborações e passagens por escritórios no Brasil e no México, Marina consolidou uma abordagem que valoriza a atenção ao contexto e à história das edificações, especialmente em projetos que lidam com preexistências, uma das principais frentes do escritório.
A atuação do [entre escalas] se destaca pela sensibilidade com que lida com o tempo e a memória dos edifícios. Reformas em sobrados antigos, como a Casa Saracura e a Casa Apiacás, revelam uma espécie de arqueologia arquitetônica que busca resgatar técnicas, materiais e até mesmo fluxos naturais originais, reinterpretando tais elementos a partir de novas possibilidades de uso e conexão com o entorno. O gesto de remover camadas — físicas e simbólicas — é visto como uma forma de revelar histórias ocultas e conectar passado e futuro.
Sediado em São Paulo, o [entre escalas] possui uma atuação que representa um posicionamento político frente ao constante apagamento da memória construída na cidade. Ao projetar tendo em vista a reabilitação em vez da demolição, o escritório resiste à lógica da especulação imobiliária e propõe outra forma de fazer arquitetura — mais cuidadosa, situada e consciente dos recursos disponíveis. A prática se alinha à ideia de que cada projeto é uma oportunidade única de interpretar o território, respeitando suas singularidades e propondo novas camadas de sentido.
Susanna Moreira (ArchDaily): Poderia começar contando um pouco da sua trajetória profissional e sobre a origem do escritório?
Marina Canhadas: Quando estava na faculdade participei do Estúdio América, um escritório de professores e alunos, e fazíamos também muitos concursos de arquitetura. Com isso, pude participar durante alguns meses do desenvolvimento do projeto executivo do Museu da Memória e Direitos Humanos no Chile, concurso em que ganhamos o primeiro lugar. Foi uma emoção muito grande participar de um concurso internacional e ver a obra construída, me lembro com muito carinho dessa época. Também tive a oportunidade de morar e trabalhar em escritórios de arquitetura na Cidade do México entre 2011 e 2013 e essa experiência me marcou muito. Assim, na volta ao Brasil, desenvolvi uma pesquisa de mestrado sobre o arquiteto mexicano Luis Barragán na FAU-USP sob a orientação da professora Marta Bogéa e, na sequência, comecei como professora assistente de Desenho na Escola da Cidade. Participei também do concurso do LIGA-DF "Geometrías Invisibles" (2016) em parceria com os amigos do Vão, no qual ganhamos o primeiro lugar com a nossa proposta "Subsolanus" (2015-2016). Então voltei para o México algumas vezes por conta da pesquisa de mestrado e para acompanhar a montagem do "Subsolanus".
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 5 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/58c1/c677/407c/837f/55e7/newsletter/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_1.jpg?1751996624)
O início do [entre escalas] se deu em 2018, ao sentir necessidade de um espaço físico para trabalhar. Já desenvolvia alguns projetos independentes como a Casa Rua Rocha, minha primeira aproximação com sobrados antigos. Durante os primeiros anos também fazia colaborações com outros escritórios de arquitetura e participava de concursos. O nome [entre escalas] vem um pouco do que a Lina Bo Bardi falava "do desenho da colher, ao desenho da cidade". Compreender as diferentes escalas em busca de poéticas possíveis. No campo acadêmico, a docência é algo que sempre me interessou, e atualmente sou professora na Escola da Cidade e na FAU Mackenzie. Acredito que a prática em Arquitetura e a experiência acadêmica se complementam e o dia a dia acaba sendo bem dinâmico entre projetos, obras, aulas, gestão do escritório, relação com os clientes, fornecedores e complementares.
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 3 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/5908/4b80/da16/0cde/9a26/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_1.jpg?1751996704)
SM: O [entre escalas] se define como um escritório de Arquitetura, Expografia e Desenho de Mobiliário. Como costuma ser o processo criativo no desenvolvimento dos projetos e como essas diferentes escalas conversam entre si?
MC: Entendo cada projeto como uma nova oportunidade e cada projeto é específico. Arquitetura é a principal frente do escritório, e as intervenções / recuperações de sobrados antigos acabaram sendo até o momento, a principal frente de trabalho. A partir dos registros das obras finalizadas e publicadas, os trabalhos começaram a circular e novos clientes foram aparecendo, então o tema virou recorrente. O início do projeto sempre começa com a visita ao local, entendendo a relação com os vizinhos, seu entorno, se existe uma árvore na frente do imóvel, etc... Sempre faço registros fotográficos das situações existentes. No caso da Casa Saracura, fiz também uma pesquisa sobre o bairro do Bexiga, entendendo a sua história, geografia, topografia, a presença de equipamentos culturais, além de caminhar e vivenciar o bairro para entender melhor as suas dinâmicas urbanas. Então cada caso, é um caso. O Desenho de Mobiliário normalmente entra nos projetos de Arquitetura, entendendo o mobiliário fixo como articulador dos espaços e em alguns projetos desenhamos mobiliários soltos. Na escala do objeto, realizamos também os desenhos dos suportes para receber a nova comunicação e sinalização do Instituto Moreira Salles na Av. Paulista, um projeto bem específico que articula uma preexistência e seus fluxos.
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 9 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/6871/751e/9445/0101/8653/46e0/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_7.jpg?1752266016)
Os projetos de expografia costumam ter um tempo mais curto, e me interessam em específico pelo envolvimento com o tema de cada exposição. Em "TUOV 50" trabalhamos diretamente com o grupo de Teatro União e Olho Vivo, junto ao curador Alexandre Benoit, para desenhar os suportes expositivos. Os suportes eram de madeira, de fácil montagem e as mesas expositivas remetiam às mesas de comércio informal de rua. As nossas referências vêm também da própria cidade. Ao longo do desenvolvimento do projeto e em conversas com o grupo na própria sede, surgiu a ideia do desenho da nova "praça" dentro do terreno no Bom Retiro, então a Expografia virou também Arquitetura, consolidando um espaço de encontro permanente. E o que foi muito legal é que participei da construção da praça, fazendo a marcação in loco com cal, isso ficou muito marcado na minha memória. Em "Pedra Fundamental", o trabalho foi feito diretamente com a artista Clarice Cunha. O projeto de expografia contemplava o posicionamento das obras e os fluxos dos visitantes dentro de uma marmoraria na Av. Sumaré, posicionar as obras da artista em relação com as preexistências, com as pilhas de pedra que já habitavam aquele lugar.
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 13 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/6871/7512/df5c/7801/87bd/5110/medium_jpg/pedra-fundamental-planta-7.jpg?1752266008)
SM: São Paulo é uma cidade onde há muitos rios "escondidos". No projeto Casa Saracura | Renovação de um sobrado no Bexiga houve a inserção de uma fonte que capta as águas do córrego Saracura, no bairro do Bexiga. Poderia falar um pouco de como foi o processo de descoberta do curso d'água e transformação em condicionante para desenvolvimento do projeto?
MC: Durante a pesquisa de mestrado sobre o arquiteto Luis Barragán pude identificar alguns temas recorrentes em sua obra e a água se destacava como um deles, presente em muitas obras. Ao receber o Prêmio Pritzker (1980), Barragán afirma "Uma fonte nos traz paz, alegria e sensualidade pacífica; ela atinge a perfeição de sua razão de ser quando, por meio de seu feitiço encantador, nos transporta, por assim dizer, para fora deste mundo. Ao acordar e ao dormir, tenho sido acompanhado durante toda a minha vida pela doce lembrança de fontes maravilhosas; aquelas que marcaram minha infância para sempre: os vertedouros de água que sobraram das represas; as cisternas das fazendas; os poços nos pátios dos conventos; as valas de irrigação pelas quais a água flui por muito tempo; as pequenas fontes que refletem as copas das árvores milenares; e os velhos aquedutos que, de horizontes distantes, trazem a água para as fazendas com o rugido de uma cachoeira".
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 2 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/5904/4b80/da16/0cde/9a24/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_1.jpg?1751996690)
A fonte e o tanque d´água na Casa Saracura surgiram desde o início do projeto, entendendo a água como um "elemento poético". Ao iniciarmos a obra e ao remover a escada e os azulejos que cobriam os muros do pátio, identificamos o muro de arrimo sempre úmido. Intrigada com a situação, fui investigar em mapas antigos da cidade de São Paulo e descobri que o córrego Saracura passa bem atrás do lote. Então esta condição singular fez com que a fonte se tornasse o elemento simbólico mais importante do projeto, retomando também a memória do bairro ao trazer à vista as águas do Saracura.
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 4 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/5902/c677/407c/837f/55ec/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_2.jpg?1751996688)
SM: Esse processo de "descoberta" também costuma ocorrer em projetos que lidam com preexistências, como a partir da revelação de materiais e técnicas construtivas originais que com o tempo foram sobrepostos por diferentes elementos. Isso é perceptível em muitos dos projetos do escritório. O que direciona a busca pelo que está por trás destas camadas?
MC: Revelar técnicas construtivas existentes e elementos arquitetônicos originais, remover rebocos, azulejos, forros, camadas de tinta... estes gestos abrem possibilidades para a elaboração do projeto. Uma espécie de "arqueologia arquitetônica" do ponto de vista de sua dimensão material, mas não só isso. É sobre matéria e é também sobre o tempo. Sobre a memória. Me parece fundamental nestas intervenções revelar o que já estava lá e que foi escondido ao longo dos anos e entender esses tempos, conectar passado e futuro. É fascinante ver a transformação destes espaços já construídos anteriormente. Por exemplo, ver a luz entrar, abrir novos vãos para a melhor entrada de luz e ventilação natural como premissa de projeto. Isso muda radicalmente a qualidade dos espaços, traz novo sentido às preexistências. Acompanhar e participar dos processos de obra também é algo que vale mencionar. Fazer o registro fotográfico destes processos é algo que tomo como método mesmo e vou conformando, de certo modo, esse atlas particular dos processos de obra.
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 8 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/6871/751d/80e3/8f01/8731/6bbe/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_9.jpg?1752266019)
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 7 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/6871/751e/80e3/8f01/8731/6bbf/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_8.jpg?1752266048)
SM: É possível notar, nos projetos do escritório, a preocupação em recuperar elementos originais como escadas, caixilhos e pisos. Na Casa Apiacás, por exemplo, além da restauração de elementos de madeira nos espaços internos, há também o uso de tijolos de demolição utilizados para compor a fachada. Em que medida a economia de recursos e questões ambientais orientam essas decisões?
MC: Um dia cheguei na obra da Casa Apiacás e uma pilha de tijolos estava organizada após a remoção de algumas paredes do térreo. Não fazia sentido todo aquele material ir para uma caçamba. Pensei então em utilizá-los na fachada. No fim a quantidade não era exata, e tivemos que comprar novos tijolos antigos para completar (risos). Reutilizar materiais existentes acaba sendo uma estratégia de projeto, tanto pela economia de recursos, como de custo da obra também. Então já reaproveitamos portas metálicas, de madeira, bancadas. Na Casa Saracura, a porta de madeira na entrada era a porta de acesso à cozinha para o aproveitamento da porta existente; na Reforma da Casa na Vila Madalena, as portas metálicas que ficavam na lavanderia, foram reposicionadas na sala de jantar para a conexão direta com o pátio (antes inexistente); e na Casa Apiacás, a porta e janela de ferro foram invertidas para o melhor fluxo da casa entre o "pátio vermelho" e a varanda da frente. A estratégia é a de reaproveitar e reposicionar estes elementos para um melhor uso, transformando os espaços com o que já existia ali.
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 12 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/6876/6b20/30ea/9701/8759/b599/newsletter/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_10.jpg?1752591195)
[entre escalas]
SM: O escritório está sediado em São Paulo, onde também está concentrada a maior parte das suas obras concluídas. Nessa cidade em que muitas casas são demolidas para dar lugar a novos empreendimentos, projetos que buscam reformar esses locais e focar na relação com o lugar em que estão inseridos são muito significativos. Poderia compartilhar um pouco sobre sua visão sobre o assunto?
MC: Vejo estes projetos como uma espécie de resistência frente à especulação imobiliária. Acompanhamos a transformação da cidade de São Paulo que modifica radicalmente a paisagem urbana e a memória dos bairros. Intervir e reabilitar estes imóveis antigos, criando novos espaços internos, conectados e integrados, com uma melhor entrada de luz natural, considerando inclusive novos usos, é um modo de atuar na cidade. Aprender destas estruturas existentes, entendendo como um conjunto arquitetônico de uma determinada época, compreendendo as camadas do tempo e dar valor ao existente, é uma postura política também.
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 6 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/5d69/4b80/da16/0cde/9a4e/newsletter/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_9.jpg?1751997810)
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 1 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/58dd/c677/407c/837f/55e8/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_1.jpg?1751996647)
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 5 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/58c1/c677/407c/837f/55e7/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_1.jpg?1751996624)
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 6 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/5d69/4b80/da16/0cde/9a4e/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_9.jpg?1751997810)
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 10 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/6876/6b0e/30ea/9701/8759/b598/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_10.jpg?1752591136)
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 11 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/6876/6b26/30ea/9701/8759/b59a/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_10.jpg?1752591152)
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 12 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/6876/6b20/30ea/9701/8759/b599/medium_jpg/do-objeto-a-cidade-em-busca-de-poeticas-possiveis-entrevista-com-entre-escalas_10.jpg?1752591195)
![Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] Do objeto à cidade, em busca de poéticas possíveis: entrevista com [entre escalas] - Imagem 14 de 14](https://images.adsttc.com/media/images/686d/597f/4b80/da16/0cde/9a27/medium_jpg/rca-gif-iso-1.jpg?1751996840)