O bom filho à casa torna: projetos que ressignificam o lar da infância

Um lar não pode ser definido como uma simples edificação, catalogado por seus materiais e descrito espacialmente. Um lar é um conjunto de rituais, de rotinas, de memórias que se mesclam entre as paredes, as texturas e os cheiros do lugar. Por isso mesmo, ele não pode ser construído em um instante, requer uma dimensão temporal, uma continuidade que marca a adaptação da família e do indivíduo no espaço.

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Quando se trata do lar da infância, as sensações misturam-se entre as invenções da memória já embaralhada e o que de fato acontecia por entre suas paredes. Esse lar das lembranças é, portanto, aquele que visitamos oniricamente, avesso a qualquer descrição objetiva, flutuando nas ilusões do passado. O tal lar dos sonhos, como Bachelard afirmou, pode variar em muitas características, mas essencialmente tem um sótão e um porão. O primeiro simbolicamente armazenaria as memórias agradáveis e o segundo esconderia as recordações desagradáveis, ambas fundamentais para o nosso bem-estar.

Nos projetos que trazem como pauta a reforma da casa de infância do cliente, a subjetividade e a materialidade se encontram em um delicado exercício de empatia. A participação do cliente nas decisões projetuais, o domínio do presente e do passado e a criatividade para mesclar os tempos na arquitetura são algumas estratégias utilizadas quando se trata desse tipo de programa.

Para descrever a Casa Dolmetica, na Coreia do Sul, os arquitetos começaram com a seguinte frase: “assim como o salmão deve retornar ao seu local de origem, o ser humano tem a disposição de retornar ao lugar onde nasceu, uma inércia lenta que se estende por cerca de 90 anos de vida”. Nela, logo percebe-se o conceito norteador do projeto de reforma em um terreno no qual o cliente passou toda a sua infância. Após oito gerações, pouco restava das edificações antigas, apenas uma casa de madeira tradicional coreana e um antigo poço e dólmen. Todo projeto foi trabalhado em conjunto com o cliente, principalmente em relação as decisões sobre o que eliminar e o que manter no terreno. A casa, devido sua péssima condição, foi demolida, entretanto, o poço e o dólmen - pedra chamada 'Jiseokmyo' que é uma das tumbas representativas da Idade do Bronze – foram incorporados ao projeto, configurando espaços de estar e acolhimento.

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Casa Dolmética / TURTLE Architects. © Lee Gangseok

A Casa Ag, no Japão, possui uma história similar à anterior, já que, tratava-se do local onde o cliente viveu até atingir a idade adulta. Após 40 anos morando no subúrbio de uma grande cidade, ele decidiu retornar a este local familiar, mas reconstruí-lo como uma casa aberta aos amigos e família. A ideia principal do projeto era fortalecer a paisagem tradicional na região que está desaparecendo gradualmente devido ao desenvolvimento urbano desenfreado. Para isso, jardins com árvores nativas e uma cobertura vegetal foram implantados com o intuito de conectar a edificação ao entorno, fazendo com que as pessoas pudessem lembrar da paisagem que costumava existir ali. Além disso, o grande telhado multifacetado que cobre todos os volumes permite continuidade e flexibilidade para que a casa possa seguir abrigando as diferentes gerações futuras.

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Casa Ag / Hideo Arao Architects Office. © Yosuke Ohtake

Do outro lado do oceano, o município de Cercedilla, Espanha, tem vivido um novo fenômeno urbano e, consequentemente, um novo tipo de habitante. Trata-se de um meio termo entre o rural e o urbano, uma população que volta ao campo sem nunca o ter abandonado de fato. Este é o caso de Ana e Manolo que decidiram criar suas quatro filhas nesse ambiente rural e a casa escolhida - construída nos anos 70 - era onde a família passava os finais de semana. A Jovem Casa Antiga recebeu melhorias relacionadas ao isolamento térmico e à conexão com a paisagem e entorno. Algumas antigas paredes de pedra foram recortadas para criar novas relações entre interior e exterior além da adição de uma nova estrutura metálica que permitiu conectar totalmente a nova área de estar com a paisagem. A cobertura foi substituída, porém, ao longo do processo todo o antigo material foi reciclado e transformado em mobiliário. No projeto nada voltou a ser como era antes, ou melhor, nada voltou a seu antigo lugar. Tudo ali se transformou.

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A jovem casa antiga / Enrique Espinosa + Lys Villalba. © José Hevia

Para finalizar, vale citar o exemplo da Casa João da Boa Vista, no Brasil, que foi implantada em um remanescente de uma antiga chácara hoje incorporada pela cidade. A peculiaridade do projeto se deve ao fato de que ali, bem próxima à nova construção, permaneceu preservada uma casa antiga onde ainda residem os pais dos clientes. Ou seja, foi necessário – além do esforço formal de estabelecer um diálogo arquitetônico entre os dois tempos - criar estratégias de coabitação que proporcionassem também privacidade. Sendo assim, o pátio é envolvido pelo corpo da casa e sua projeção demarca uma passarela onde o começo e o fim são pontuados por duas portas igualmente principais de entradas e saídas: uma que conduz ao íntimo da casa e outra que conecta a nova construção à casa antiga dos pais.

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Casa São João da Boa Vista / Vão. © Javier Agustin Rojas

Memória e espaço são dimensões fortemente ligadas. Para entender como eles se relacionam com os nossos sentidos — mais especificamente o olfato —, leia o artigo Arquitetura e memória: a experiência olfativa como recordação.

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Sobre este autor
Cita: Camilla Ghisleni. "O bom filho à casa torna: projetos que ressignificam o lar da infância " 14 Out 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1007131/o-bom-filho-a-casa-torna-projetos-que-ressignificam-o-lar-da-infancia> ISSN 0719-8906

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