“Isso não é um terreno baldio”: Reconvertendo lugares vazios do espaço público [Parte I]

Os “vazios”, terrenos baldios, edificações sem uso, dispersos pela trama urbana das cidades têm introduzido uma nova variável no urbanismo contemporâneo. Esses espaços representam a possibilidade latente de reprogramar a cidade existente para abordar com um critério ambiental a cidade do futuro.

Com base nessa premissa, se idealizou uma estratégia de regeneração urbana “estonoesunsolar”, um enfoque experimental para transformar esses inexplicáveis vazios em espaços públicos, dando respostas à inquietudes cidadãs. As intervenções consistiram na utilização temporal de terrenos vazios, colocando em jogo a sugestão do vazio, o oco e do invisível. Esses despojamentos da trama consolidada permitem uma leitura alternativa e flexível que dinamiza o espaço publico, estabelecendo códigos de um urbanismo desenhado.

Mais detalhes do projeto desenvolvido por Patricia Di Monte e Ignacio Grávalos em Zaragoza, Espanha, a seguir.

Cortesia de Esto no es un Solar

As propostas partiram de um estudo prévio tanto urbano quanto socioeconômico, das carências de cada área, os espaços exigidos e a população a que seriam destinados. Foi realizada uma seleção estratégica dos terrenos tanto públicos quanto privados, de maneira que propiciaram uns determinados vínculos urbanos. Foram feitas áreas de jogos infantis, hortas urbanas, bosques, pistas esportivas, canchas de bocha, mesas de ping pong, parques, praças... fomentando a mobilidade sustentável e incrementando a superfície de áreas verdes na cidade. Cada terreno dá resposta a uma demanda local. Procurou-se que todas as intervenções fossem lideradas posteriormente por diversas associações (infantis, juvenis. esportivas, de idosos) ou qualquer coletivo cidadão interessado em seu uso.

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Tudo isso foi executado através de 29 intervenções (14 em 2009 e 15 em 2010) realizadas em 13 meses (entre 2009 e 2010), que têm equilibrado a cidade e reciclado 42.000 m2 de áreas em desuso em espaços públicos. Outros 11 espaços já desenhados com base nas solicitações dos cidadãos estão em fase de realização.

Trazemos a vocês 4 intervenções já realizadas:

+ DISTRITO DE CASETAS / Horta Urbana

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Nessa ocasião o prefeito nos comunicou a intenção de fazer uma hora urbana, para isso, pôs a disposição uma série de terrenos baldios disponíveis. Foi escolhido um localizado no limite urbano, já que podia ser interpretado como um espaço de transição entre o entorno urbano e a paisagem natural existente, formada por campos de cultivo. O terreno, de geometria retangular, se dividiu em duas zonas, uma que acomodava as hortas individuais e outra pública, com um espaço arborizado composto por árvores frutíferas nativas que estavam desaparecendo paulatinamente da paisagem rural. Nessa zona foi criado um pergolado com uma cantina como lugar de encontro. Uma passarela de madeira passa pelas duas zonas, primeiro entre as árvores com uma forma mais sinuosa e natural e depois entre as hortas. 

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Nas hortas, foram dispostas uma série de casinhas de madeira iluminadas interiormente para guardar as ferramentas, mas que também conferiram uma dimensão paisagística ao local, já que valorizava e incorporava a áreas das hortas na paisagem urbana ao entardecer. Trabalhou-se com valores semânticos, fazendo de protagonistas as “casinhas” no distrito de Casetas. Considerou-se muito importante que esses espaços fossem absolutamente permeáveis visualmente, por isso foi desenhado cercado formado de ferros corrugados dispostos aleatoriamente que estabeleceram um diálogo com a paisagem adjacente.

+ DELICIAS / Parque com Área de Jogo

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Em Delicias as mudanças sociais e a complexidade de sua população estão criando, nos últimos meses situações que afetam a convivência e que se fazem visíveis os espaços públicos. A falta de equipamentos, de serviços e de espaços de relação, agrava a situação. Delicias, segundo pesquisas do Observatório de 2008 tem uma população de 115.446 habitantes com uma densidade de 35.147 habitantes por km2, entre os quais 19,32% correspondem a população imigrante, o que supõem um total de 22.301 pessoas procedentes de mais de 68 países. Essa população de origem imigrante não está distribuída por toda a extensão do Bairro, mas sim, sem concentra nas diversas áreas. O resultado de algumas pesquisas, junto com as queixas, os incômodos e sugestões dos vizinhos levaram a Associação de Vizinhos a realizar uma série de propostas, das quais umas são dirigidas diretamente às instituições e outras ao começo de um programa socioeducativo baseado no civismo e na responsabilidade cidadão com vários projetos complementares que permitem uma melhor convivência e maiores níveis de inclusão social.

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Uma das intervenções que propusemos está centrada nas atividades relacionadas com o jogo e o esporte como práticas importantes na infância e adolescência. Planeja-se como base metodológica a aprendizagem cooperativa ao considerar que existe uma relação favorável entre aprendizagem cooperativa e aquisição de competências e destrezas sociais, um maior controle dos impulsos agressivos, a adaptação às normas, os níveis de aspiração, etc, assim como benefícios em rendimento e produtividade. Também se assegura que através de aplicações de programas de ensino cooperativo produz-se um incremento das condutas pró-sociais, que contribui para um melhor clima de convivência.

+ DISTRITO VADORREY / Parque com Área de Jogos e Praia com Espreguiçadeiras

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O terreno está situado nas margens do rio Ebro, umas ribeiras recuperadas por causa da Exposição Internacional do ano 2008 que têm valorizado o rio como elemento de conexão da cidade. Esse terreno, próximo à barragem do rio, tem uma extensão de mais de 4.000 m2 e ocupa um nível intermediário entre o passeio da margem e o próprio rio. Aproveitando esse desnível optou-se por planejar um grande talude verde que une esses níveis e que acolhe três grandes partes sobre o terreno.

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Esses três espaços formam diferentes praças e se conectam entre elas através de uma parcela de madeira que proporciona um percurso alternativo entre plantações aromáticas preexistentes. A primeira das praças, próxima a um dos equipamentos (café-restaurante) do rio está destinada aos jogos infantis, formada por uma grande superfície de borracha e rodeada por um anfiteatro que permitirá atividades diversas. A segunda consiste em um espaço arborizado o qual a passarela recorre sinuosamente, chegando à terceira parte, uma praça-praia com cadeiras orientadas ao sol e ao rio de maneira que se potencie o novo protagonismo desse espaço na cidade. Três maneiras de se relacionar com o rio e com a cidade.

+ DISTRITO SAN JOSÉ / Área de Jogos

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O terreno faz fronteira com uma empena de um grande edifício e com outro menor que foi demolido, mas que de restam algumas partes da empena e dos muros transversais. Está situado no ponto a cerca de um centro de Alzheimer e um centro infantil. Pareceu-nos interessante trabalhar com o conceito das recordações e da memória. Era possível entender o espaço como um ponto comum entre aquelas crianças que começavam a armazenar lembranças e os idosos que começavam a perdê-las. Depois de conversas com os responsáveis pelo centro, e depois de estudar a problemática do Alzheimer e os métodos de trabalho, foram dispostos uma serie de mecanismos que puderam ativar e exercitar a memória. Foi planejado um percurso através de um terreno que partia de um peitoril de concreto e posteriormente iria perdendo materialidade e se diluía como as lembranças, para voltar novamente ao ponto de partida. Um percurso no qual se atravessam varias etapas, entre plantas aromáticas, cartazes com figuras e exercícios de memória.

Cortesia de Esto no es un Solar

Uma das fases do percurso passa por uma casa demolida que evidenciada, conservando os mosaicos do pavimento, dessa vez voltados ao espaço público como uma casa “aberta” a praça que nessa ocasião constitui em um salão urbano, no qual foram dispostas mesas, cadeiras e um jardim. Na empena foram pintados ícones do que foram esses espaços (dormitórios, banheiro, sala, cozinha...) fazendo referência a construção da memória. Outra fase do percurso transcorre por uma plataforma adjacente à empena do novo edifício, na qual foram desenhados quadros negros para que as crianças e os idosos realizem seus exercícios. Na confluência do percurso material e aquele que começa a se desmaterializar foi colocada uma área de jogos infantis, um bicicletário e se evidenciou a intenção de ceder uma faixa do terreno à via pública de modo recortável, sugerido por uma linha pontilhada com umas tesouras desenhadas. Como homenagem a Miguel Hernándes, um dos seus versos percorre o caminho da memória, descobrindo a pavimentação passo a passo: “Lembro e não lembro aquela história...”.

Por José Tomás Franco, via Plataforma Urbana. Tradução Camilla Ghisleni, ArchDaily Brasil.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "“Isso não é um terreno baldio”: Reconvertendo lugares vazios do espaço público [Parte I]" 16 Abr 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-189032/isso-nao-e-um-terreno-baldio-reconvertendo-lugares-vazios-do-espaco-publico-parte-i> ISSN 0719-8906

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