Anthony Ling

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O verde insustentável do subúrbio americano

Em uma viagem recente aos Estados Unidos, olhei a vista da janela do avião ao decolar de Tampa, na Flórida, e chamou atenção a perfeita paisagem verde do subúrbio americano. Sequências organizadas de árvores que pareciam iguais, cobrindo o território plano como um tapete verde. Para alguns, o verde pode parecer um sonho de sustentabilidade integrada ao meio ambiente.

Nada poderia ser mais distante da verdade. O subúrbio americano, baseado no conceito ultrapassado da “cidade jardim”, foi projetado para incentivar o automóvel, a moradia unifamiliar residencial de baixa densidade e o zoneamento de atividades. Tal modelo inviabiliza transporte ativo (a pé ou de bicicleta) e torna o transporte de massa, que exige densidade e caminhabilidade, inviável.

Como criar cidades acessíveis para crianças

Ao estudar e viajar por cidades do mundo inteiro, uma das cenas urbanas mais marcantes que vi foi uma praça em Tóquio cheia de crianças uniformizadas, brincando durante seu intervalo escolar. A praça tinha apenas uma cerca baixa, mas pessoas diversas (como eu) podiam se misturar e interagir em meio às crianças. A independência infantil no Japão é mundialmente conhecida e foi recentemente retratada na série “Old Enough” do Netflix, onde crianças com menos de 6 anos fazem tarefas fora de casa, sozinhas, sem os pais. Para um morador de Tóquio talvez sejam cenas corriqueiras, mas para alguém com outro referencial urbano, é imediata a pergunta “como isso é possível?”, tão distante é da realidade da maior parte das nossas grandes cidades.

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Edifícios em condomínio, barreira do redesenvolvimento urbano

No filme Aquarius, do diretor Kleber Mendonça Filho, a personagem Clara, interpretada por Sônia Braga, recusa-se a vender para uma incorporadora o seu apartamento, localizado em um condomínio. Seus vizinhos do edifício, por outro lado, topam o negócio. Em artigo para o Estadão, o economista Pedro Fernando Nery retrata o caso através de uma lente oposta à narrativa cinematográfica: Clara, ao invés de heroína, que resiste ao capital imobiliário sem escrúpulos ou respeito pela paisagem litorânea de Recife, é, na verdade, a vilã.

São Paulo precisa de mais espaço

Verticalização e adensamento populacional são fatores pouco compreendidos das nossas cidades. Diferentemente do que se imagina, nem sempre quanto mais verticalizada a cidade, mais densa ela é. No Brasil, favelas ou residências semiformais compõem algumas das áreas urbanas mais densas. São residências pequenas, com pouco espaço entre elas, e muitas vezes habitadas por mais de uma família. Por outro lado, há bairros com muitos prédios e pouca gente. Prédios podem ser comerciais, sem moradores, ou ter apartamentos grandes, famílias pequenas e áreas livres ao seu redor. Poucos sabem que Cidade Ademar, distrito de casas na zona sul de São Paulo, tem o dobro da densidade da selva de prédios do Itaim Bibi.

Qual o “caráter original” de um bairro?

A incrível pesquisa “A Long History of a Short Block”, de Bill Easterly, Laura Freschi e Steven Pennings, analisou o desenvolvimento de uma quadra na Greene St., no bairro do SoHo, em Nova York, ao longo de quatro séculos. Neste período, a cidade se mostrou em um constante processo de desenvolvimento, mostrando que a pergunta “Qual o ‘caráter original’ de um bairro?” é mais difícil de responder do que parece.

A começar que a Manhattan de arranha-céus que conhecemos hoje é relativamente recente na sua história. Antes dos holandeses chegarem ao que chamariam de “Nova Amsterdã”, em 1625, a região era tomada por florestas e pantanais, um ecossistema rico que incluía, inclusive, ursos e lobos.

Os fatores proibidos do adensamento urbano

Em urbanismo, adensamento demográfico é um assunto que gera discussão, dúvida e discórdia. Uma confusão comum, por exemplo, é confundir a densidade construtiva (quantidade de área construída em um determinado local) ou até mesmo a altura das edificações, com a densidade demográfica (quantidade de pessoas que residem em um determinado local).

Em Nova York, por exemplo, a área de Midtown, em Manhattan, tem talvez a maior concentração de arranha-céus da cidade, embora tenha densidade demográfica de “apenas” 18.000 hab/km², menos da metade do Upper West Side, que apresenta 44.000 hab/km² com edifícios mais baixos mas predominantemente residenciais, enquanto há menos edifícios residenciais em Midtown. No Brasil, essa discrepância é muito mais extrema: os bairros mais densos das grandes cidades brasileiras tendem a ser os mais horizontais, pois tratam-se de favelas com unidades habitacionais pequenas, pouco espaço entre construções e famílias maiores habitando (ou coabitando) as unidades.

Há mais casas sem gente do que gente sem casa?

Há mais casas sem gente do que gente sem casa? A afirmação recorrente já havia sido descrita como “mito” pelo urbanista Nabil Bonduki em 2018, mas a constante sugestão de uma fórmula simplista para a solução do problema habitacional merece ser mais uma vez respondida. Recentemente, matéria da Folha de São Paulo do urbanista Alexandre Benoit sugere que os aproximadamente 300 mil imóveis vazios em São Paulo poderiam ser destinados para “erradicar o déficit habitacional da cidade”.

Quanto custa uma linha de metrô?

“Quanto custa uma linha de metrô?” é uma pergunta feita com frequência quando se discute soluções ferroviárias de alta capacidade para cidades brasileiras. No entanto, o custo da implementação de projetos ferroviários varia enormemente em diferentes geografias globais.

Por exemplo: uma linha ferroviária em Nova York custa cerca de vinte vezes mais por quilômetro que uma linha em Seul, chegando ao orçamento de U$6,4 bilhões para um trecho de apenas 2,6 quilômetros na segunda fase do metrô Second Ave., ao norte da ilha de Manhattan. A questão geográfica, ou mesmo da alta densidade construída da metrópole americana, são respostas insuficientes para justificar tamanha disparidade em custos de construção.

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A promoção da (des)igualdade pelo planejamento urbano

O planejamento urbano é um importante meio para reduzir a desigualdade e promover a equidade em uma cidade. No Brasil, a priorização destes objetivos é ainda mais evidente dado não só a profunda desigualdade social na nação como um todo, como a evidente desigualdade no acesso a oportunidades e a infraestrutura e serviços urbanos, o que pode ser traduzido como verdadeiro acesso à cidade.

No entanto, embora muitos acreditem que a desigualdade urbana é fruto de um cenário onde cidades não tiveram planejamento, praticamente resultado do acaso, a realidade é que o planejamento urbano, historicamente e até hoje, vem contribuindo para agravar as desigualdades ao invés de mitigá-las.

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O que o diário de uma favelada revela sobre a pobreza urbana no Brasil

No livro “Quarto de Despejo – Diário de Uma Favelada,” Carolina Maria de Jesus relata, em poética e dramática linguagem cotidiana, a dura realidade da vida como catadora de lixo morando na extinta favela do Canindé, em São Paulo, que, na época, tinha cerca de 50 mil moradores.

Publicado em 1960, seu texto foi considerado um dos marcos da escrita feminina e negra no Brasil e já foi traduzido para mais de treze idiomas. Os registros de Carolina trazem uma perspectiva única das condições de vida extremamente precárias de uma moradora de favela no final da década de 1950 no Brasil, uma narrativa até então ignorada ou simplesmente desconhecida do público em geral, quiçá dos gestores públicos.

Brasília: uma cidade que não faríamos de novo

Juscelino Kubitschek, embora lembrado por ter executado o projeto de Brasília, não foi seu idealizador. A vontade política para a construção de uma nova capital no interior do país vem desde 1808, com a ideia de elevação do status do Brasil como país e a simbolização do desenvolvimento pós-independência. O caráter desenvolvimentista, ou então da busca pelo novo, foi base da argumentação da maioria dos defensores da mudança, cada um com uma vertente diferente.

A urbanização de Xangai: vitrine de uma nova China

Em 2013, o filme “Ela”, onde o protagonista se apaixona por uma assistente virtual, tentava representar um futuro não tão distante de uma realidade relativamente distópica. Apesar da cidade representada ser, provavelmente, uma Los Angeles futurista, as filmagens foram feitas em Xangai. Depois de visitar a cidade, acredito que foi uma decisão acertada, dada a atmosfera constante que leva a essa temática. Lembro de me encontrar sobre uma gigantesca passarela de pedestres circular sobre a rotatória Mingzhu, que liga importantes avenidas no coração de Pudong, o atual centro de negócios de Xangai. À minha frente vejo a bizarra Oriental Pearl Tower, torre de TV com 467 metros de altura construída por uma estatal chinesa em 1994. Quando olho para trás e para cima e vejo a Shanghai Tower, segundo maior edifício do planeta com impressionantes 632 metros de altura, o impacto é ainda maior. Esta é a imagem de Xangai para o mundo, a vitrine de uma nova China, quebrando paradigmas e atingindo os céus.

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Cidade Proibida, hutongs e superquadras: a urbanização de Pequim

Do quarto do meu hotel era possível ver os telhados da Cidade Proibida, embora apenas um vulto em meio à névoa que cobria a paisagem. Pequim (ou Beijing, dependendo da língua ou grafia) é uma das cidades com o ar mais poluído do mundo, com uma névoa constante produzida não apenas por automóveis — que respondem por 70% da poluição da cidade —, como também por fábricas, usinas de carvão e tempestades de areia de regiões próximas. A impressão visual era de que o dia estava nublado, mas na realidade não havia uma única nuvem no céu.

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A urbanização da China: controle social e liberdade econômica

Centenas de torres se repetem em um horizonte esfumaçado. Construções tradicionais caem aos pedaços, enquanto outras foram reconstruídas e se tornaram lojas para turistas. Lamborghinis coloridas dividem um trânsito lento com táxis velhos, triciclos de operários e executivas andando de bikes amarelas da Ofo, a maior empresa de bicicletas dockless do mundo. Alguns pedestres usam máscaras para filtrar o ar poluído, outros carregam sacolas de compras, outros cospem no chão ou andam de pijama pelas ruas. Ambulantes são raríssimos, ao contrário de policiais ou militares que podem ser vistos a cada esquina.

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6 Séries para entender e amar as cidades

Uma das formas mais instigantes de aprender sobre a cidade é através de filmes e séries. A seguir, Anthony Ling, da plataforma Caos Planejado, compartilha seis dicas de séries online para conhececer comunidades brasileiras, cidades soviéticas e outros cantos do mundo.

Quais as cidades que mais constroem moradia?

Um dos principais objetivos deste site é disseminar ideias que permitam que cidades tenham moradia mais acessível. Há alguns indicadores que podem ser úteis na observação e na análise do mercado habitacional de uma cidade, como a razão entre preço de imóveis e renda, que cobrimos em artigo anterior. Nenhum indicador será perfeito, mas pode servir de orientação em relação à escala de grandeza ou à direção que um determinado mercado imobiliário está indo.

Como resolver o problema da fiação aérea?

Cerca de 14% da população de Porto Alegre, quase 200 mil pessoas, moram em favelas, os chamados “aglomerados subnormais” do IBGE. Estas pessoas normalmente não têm assegurado seu direito de propriedade, não têm acesso a serviços e utilidades públicas básicas como saneamento, redes de drenagem ou iluminação pública. Em torno de 4 mil pessoas vivem em situação de rua. O sistema de transporte coletivo da cidade, que chega a transportar mais de 20 milhões de passageiros por mês, enfrenta a pior crise da sua história, com operações insustentáveis. Nossos espaços públicos são tomados por automóveis, cujos motoristas usufruem do privilégio de estacionar gratuitamente nas vias. Os contêineres de lixo, que deveriam receber apenas resíduos orgânicos e rejeito, recebem de tudo, inviabilizando a coleta adequada na cidade.