O conforto está nos matando?

“Nos últimos anos, ficamos cada vez mais confinados em nossas casas”, diz o mentor e empresário de saúde, Enitor Joiner. “Isso nos tornou mais conscientes dos (des)confortos do nosso ambiente imediato. Por exemplo, ficar sentado por longos períodos enquanto se trabalha em casa levou a queixas físicas, como LER (lesões por esforço repetitivo). Um ambiente cotidiano medíocre também pode causar estresse e desafios mentais. A solidão é um problema crescente na sociedade, e a falta geral de conhecimento sobre padrões de vida saudáveis levou a um aumento das doenças. Com isso em mente, Marc Koehler Architects e eu começamos a nos perguntar: como podemos criar um ambiente agradável que contribua automaticamente para um estilo de vida saudável?”

O conforto está nos matando? - Imagem 2 de 5O conforto está nos matando? - Imagem 3 de 5O conforto está nos matando? - Imagem 4 de 5O conforto está nos matando? - Imagem 5 de 5O conforto está nos matando? - Mais Imagens

Seu ambiente cotidiano é a pedra angular de uma vida saudável e feliz.

Cada vez mais inteligente, porém retrocedendo

“Enquanto as casas estão se tornando cada vez mais inteligentes, estamos lentamente retrocedendo”, continua Joiner. “Temos casas com plantas padrão, um elevador no centro do projeto e eletrodomésticos que pensam por você. Com a automação residencial, não precisamos mais nos levantar para atender a porta ou operar o termostato, luzes, música ou cortinas. Seu assistente digital doméstico monitora até a geladeira e controla seu aspirador de pó robô. Isso inverteu a relação entre a casa e a cidade: enquanto antes ainda íamos ao centro da cidade para trabalhar, assistir um filme, ir a um encontro ou a um restaurante, a casa agora se tornou o centro. Isso significa que precisamos nos mover cada vez menos e que raramente entramos em contato com novas experiências e pessoas espontaneamente.”

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© Jordi Huisman

“Estamos facilitando nosso próprio declínio”, acrescenta Koehler. “Sabe porque é que os senhores de Lisboa ainda conseguem subir todas aquelas ruelas íngremes até aos noventa anos? Porque eles se movimentam muito todos os dias e estão na rua. Eles desfrutam de uma velhice saudável porque seu ambiente os incentiva a se exercitar. De uma forma ou de outra, quero incorporar essa ideia no desenho de bairros e comunidades e, assim, mudar o DNA da cidade. Os Superlofts, por exemplo, ocupam vários andares, então é preciso subir as escadas várias vezes ao dia. As áreas abertas oferecem espaço para esportes, as grandes janelas e divisórias internas de vidro permitem que a luz do sol entre, o que ajuda o corpo a produzir vitamina D, e muitas plantas limpam o ar. Grandes varandas permitem trabalhar ao ar livre. Um terraço compartilhado convida você a estar ao ar livre e fazer ioga. Muitos investidores não querem apartamentos duplex nos prédios que criamos para eles. Afinal, um apartamento de um andar é mais adequado para todas as faixas etárias. Costumo fazer-lhes a pergunta: quão saudável é isso, na verdade?”

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Imagem Superlofts. Imagem Cortesia de Marc Koehler Architects

Implementação de novas rotinas

Para conscientizar as pessoas sobre padrões de vida saudáveis, precisamos pensar em novas rotinas dentro e ao redor de nossas casas, diz Joiner. “Quero dizer, a maneira como você dorme, trabalha, se move, come, bebe, conhece e pratica esportes. Da meditação aos exercícios em casa e do ciclismo a beber mais água: são as pequenas coisas que realmente fazem a diferença. É mais difícil evitar beber água se a água estiver visível em todos os lugares da casa. Se queremos que as pessoas andem de bicicleta com mais frequência, devemos parar de esconder bicicletas em porões escuros”.

“Andar de bicicleta é uma parte essencial de nossas vidas sociais, e é por isso que damos às bicicletas um lugar cada vez mais importante em nossos projetos”, acrescenta Koehler. “Em nossa torre residencial no distrito SPOT em Amsterdã, estamos criando um espaço para bicicletas sobrepostas no centro do edifício. Rampas e elevadores de bicicletas incentivam os moradores a utilizá-las. O bicicletário funciona como um ponto de encontro onde os habitantes podem tomar uma xícara de café e trabalhar em suas bicicletas. Como arquitetos, temos o poder de projetar novas rotinas que incentivam um estilo de vida saudável.”

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© Jordi Huisman

A ação pode incentivá-lo

“Isso só é possível priorizando a saúde mental e física durante a fase conceitual”, diz Joiner.

Koehler acrescenta: “Ao incluir esse tipo de estratégia no projeto, podemos incentivar os moradores a usar os espaços de forma multifuncional. Por exemplo, você ter espaços de trabalho flexíveis que sirvam como um estúdio de ioga pela manhã. Posicione a cozinha aberta no primeiro nível. Projete uma floreira com uma torneira integrada na varanda, e há uma boa chance de que as pessoas a preencham com plantas e cuidem delas sozinhas. Também foi demonstrado que as paisagens verdes têm um efeito terapêutico e que cuidar de plantas faz de você uma pessoa mais feliz.”

Koehler tem uma barra de exercício ao lado da escada aberta em sua casa. “Quando desço da cozinha, sempre faço uma rápida flexão. Eu só faço isso porque a barra é visível e não está escondida em um lugar que eu raramente vou. Torne-a tão importante quanto uma bela cozinha e a combine com as outras funções em sua casa. Você não precisará de uma academia em cômodo separado.”

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Robin Wood, IJburg, Amsterdã. Imagem © Jordi Huisman

Criando seu próprio ambiente

Oferecer aos moradores mais liberdade para projetar suas próprias casas também ajuda. Koehler explica que isso pode ser feito trabalhando com um método de construção aberto. “Dar aos moradores mais voz no layout e nas instalações do edifício cria um sentimento de propriedade e conexão com o lugar, com a casa e uns com os outros. Sentir-se em casa em algum lugar contribui para o seu bem-estar mental. E isso é possível independentemente do espaço, seja alugado ou ocupado pelo próprio proprietário. Já mostramos isso com os Superlofts. É sabido que mudar de casa tem um efeito muito desestabilizador em seu estado emocional. Então, por que não criamos edifícios onde seja possível viver por períodos mais longos, que possam se expandir e se desenvolver com o habitante e que possam encolher novamente quando for preciso menos espaço? Edifícios flexíveis que atendem às nossas necessidades em constante mudança à medida que envelhecemos são uma solução em potencial.”

“A questão notável sobre um método de construção flexível é que todos projetam seu espaço de maneira diferente. Percebemos que muitos moradores pensam em como combinar as funções em suas casas, para que não tenham cômodos sem uso por três quartos do dia. Por exemplo, você pode criar um espaço de trabalho doméstico saudável usando portas de correr e divisórias internas de vidro sem perder um quarto. Projete seu quarto ou escritório para ser também um espaço de academia ou ioga e crie um quarto de hóspedes com um armário embutido e uma cama dobrável. Também vemos cada vez mais que as pessoas adicionam uma segunda porta de entrada, para que possam usar parte de sua casa como escritório, para familiares com necessidades de cuidados especiais ou como apartamento de hóspedes.”

Fazer parte de uma comunidade local

As pessoas são criaturas naturalmente sociais, e passar tempo com outros seres humanos tem um efeito benéfico na saúde. “Isso contrasta fortemente com o crescente problema da solidão entre pessoas mais velhas e mais jovens”, diz Koehler. “Como arquiteto, você tem a capacidade de contribuir para resolver isso. No entanto, essa ideia só funcionará se você facilitar o acesso às instalações compartilhadas no prédio ou no entorno imediato. Sua casa deve fazer parte de uma pequena comunidade local em dois níveis. No nível do edifício, deve ser um local seguro onde você faça uso coletivo de um hall compartilhado, espaço de trabalho flexível, apartamento de hóspedes, mobilidade compartilhada, jardim ou terraço também compartilhado, oficina de bricolage e sala de jogos. Ao nível da rua, deve fazer parte de uma “rede local” de funções no bairro onde se encontra um público misto. Cada vez mais somos solicitados a projetar bairros ou ruas inteiras. Vemos aqui grandes oportunidades para uma abordagem integrada à construção da comunidade.

“Nós abordamos isso de um ponto de vista holístico: apenas um bom projeto ou apenas se movimentar mais não é a solução para criar um estilo de vida mais saudável. Isso começa com a criação de um bom ambiente cotidiano que se concentra no bem-estar – onde a natureza e as pessoas desfrutam de uma relação simbiótica, adicionando mais espaços verdes, microclimas e ecossistemas às nossas cidades. Estes reduzem a poluição sonora e purificam o ar. Árvores e fachadas verdes proporcionam resfriamento natural no verão, o que significa que você pode abrir uma janela para ventilar sua casa. O barulho dos pássaros ajuda você a relaxar após uma sessão de chamadas de vídeo. Uma rede social e o compartilhamento de facilidades criam as condições que permitem desenvolver uma sensação de segurança e empoderamento. Afinal, você não está sozinho em uma comunidade. É importante criar um sentimento de independência e autoconfiança, oferecendo aos moradores uma opinião sobre como é seu ambiente cotidiano – agora e no futuro. Nosso projeto Thamesmead em Londres, Waldstadt Pforzheim na Alemanha e também MaMa Pioneers (Papoilas e Robin Wood) em Amsterdã são os principais exemplos dessa mentalidade. Ao realmente prestar atenção na vida saudável, podemos mudar o comportamento com a arquitetura.”

Este artigo foi publicado originalmente na revista Metropolis.

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Sobre este autor
Cita: Marc Koehler Architects and Enitor Joiner. "O conforto está nos matando?" [Is Comfort Killing Us?] 10 Set 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Ghisleni, Camilla) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/987590/o-conforto-esta-nos-matando> ISSN 0719-8906

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