Intervindo em museus históricos: entrevista com João Carlos Santos

Com objetivo de conhecer os arquitetos, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa de referência, Sara Nunes, da produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, lançou o podcast No País dos Arquitectos, em que conversa com importantes nomes da arquitetura portuguesa contemporânea.

No episódio desta semana, Sara conversa com o arquiteto João Carlos Santos sobre o projeto para o Museu do Tesouro Real. Reveja as outras entrevistas realizadas pelo podcast No Pais dos Arquitectos e leia a transcrição da entrevista com Santos, a seguir.

Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:

Sara Nunes - O meu nome é Sara Nunes e hoje vamos estar à conversa com o arquitecto João Carlos Santos sobre o Museu do Tesouro Real. Bem-vindo arquitecto João Carlos. 

João Carlos Santos - Boa tarde, Sara. Boa tarde a todos os que nos estão a ouvir. É um prazer estar aqui neste podcast. Tenho muito gosto em participar. Penso que é uma iniciativa fantástica para a arquitectura e para a promoção da arquitectura, sobretudo na divulgação dos projectos. É um prazer.

Sara Nunes - Nós também estamos muito entusiasmados com esta conversa até porque hoje vamos estar a falar de um edifício que, apesar de já ter inaugurado, há uma parte expositiva que ainda não abriu ao público com peças que quase nunca foram vistas. O Palácio Nacional da Ajuda nunca foi concluído e é concluído 226 anos depois. Sei que houve várias tentativas de conclusão e de remate, inclusivamente houve outros projectos de outros arquitectos, nomeadamente dos arquitectos Raul Lino e Gonçalo Byrne. E mesmo o arquitecto João Carlos, já desde 2006, está a trabalhar neste projecto, ainda que tenha ganho outros contornos porque sei que só, em 2016, é que se pensou transformar esta ala do museu em Museu o Tesouro. Fale-nos deste contexto histórico e que condições tornaram possível, 226 anos depois, a conclusão do Palácio Nacional da Ajuda?

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Cortesia de João Carlos Santos

JCS - Talvez seja interessante recuar no tempo e contar a história. Costuma-se dizer que existe uma história trágica, em torno do Palácio Nacional da Ajuda, porque, ao longo destes anos, tem tido um percurso um pouco acidentado. A história começou logo em 1795. É nesse ano que se inicia o projecto.

Aliás, devo dizer também que o projecto do Palácio Nacional da Ajuda acontece na sequência do grande sismo de Lisboa, de 1755, e, portanto, o Paço Real da Ribeira ficou muito afectado. Ardeu completamente, foi destruído e a família resolveu construir um paço novo, numa zona que não tinha sido tão afectada pelo sismo, numa quota mais alta da cidade.

SN - Mais alta, não é, da cidade?

JCS - Exactamente. Sabe-se que uma das consequências maiores do sismo, em Lisboa, foi o maremoto que se criou a seguir. Aliás, eu costumo até referir um aspecto que é uma curiosidade interessante que é a expressão popular que se usa e que, provavelmente, a maior parte das pessoas não sabe porque é que se usa essa expressão, que tem a ver com esta questão de o maremoto ter destruído grande parte da cidade. A expressão é: “resvés Campo de Ourique”. Quem conhece a cidade de Lisboa, sabe que Campo de Ourique fica a uma quota muito mais alta.

SN - Ah, ok!

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Cortesia de João Carlos Santos

JCS - Surgiu a expressão resvés Campo de Ourique porque a água, durante o maremoto (de 1755), quase chegou a Campo de Ourique. Isto é para se ter uma noção do impacto daquele maremoto na cidade de Lisboa e, portanto, a partir daí a família real resolveu construir um paço. E há aqui um aspecto muito interessante porque quando se constrói o novo paço (logo passados dez anos do sismo) faz-se uma construção já naquele local, na zona da Ajuda, mas com uma construção que incorpora muita madeira. Ou seja, pensa-se numa construção que resistisse a outro provável sismo. Essa construção, como incorporava muita madeira, era denominada como Real Barraca. Também o termo Real Barraca tem um pouco a ver com este aspecto construtivo. 

Não é que o palácio fosse todo construído em madeira, mas incorporava muita madeira na construção. Aliás como, com certeza, foi depois aplicada muita dessa técnica construtiva na gaiola pombalina.

SN - A toda a cidade, não é? 

JCS - A toda a cidade e, portanto, seria, com certeza, uma solução semelhante. Posto isto, como tinha muita madeira resistia mais aos sismos, mas...

SN - Menos aos incêndios. 

JCS - Menos aos incêndios e, portanto, ardeu e, em 1795, foi iniciada uma obra já com o projecto do arquitecto Manuel Caetano de Sousa, que era o arquitecto real, segundo uma estética barroca porque ele era um arquitecto barroco. Só para se ter uma ideia, fez, por exemplo, a Biblioteca do Convento Nacional de Mafra.

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Cortesia de João Carlos Santos

SN - De Mafra? Ok.

JCS - Exactamente. E este projecto que era um projecto ainda com esta estética barroca veio a ser preterido, pelo próprio rei, por se tratar de um projecto esteticamente ultrapassado naquele tempo, pois estava-se na época do neoclassicismo, em toda a Europa. Mais tarde, o projecto é retomado já com outros arquitectos, como o aquitecto Francisco Xavier Fabri e o arquitecto José da Costa e Silva com um projecto mais moderno já com a estética neoclássica, que era uma expressão arquitectónica dominante na Europa da época, mas logo a seguir... isto é a história deste palácio... Em 1807, com as invasões francesas, a obra foi, de novo interrompida e há depois todo o processo da família real que parte para o Brasil. Leva o próprio espólio que estava no palácio, da biblioteca real. 

O projecto só é retomado, posteriormente, em 1818, com o projecto do arquitecto António Francisco Rosa, que era um dos discípulos de José da Costa e Silva e é ele que acaba por vir a fazer o palácio. O palácio se tivesse sido construído, de acordo com o projecto inicial de Francisco Xavier Fabri, seria um dos maiores da Europa e do mundo, não é? Nesta versão do arquitecto António Francisco Rosa, o palácio viu a sua dimensão reduzida para um só pátio que é, no fundo, a imagem muito semelhante àquela que existe hoje, não é? Tornando-se, então, a fachada nascente a fachada principal porque a fachada principal do palácio, na versão original dos arquitectos Francisco Xavier Fabri e de José da Costa e Silva era, obviamente, a fachada sul, aquela que era virada ao rio. 

SN - Ah, ok!

JCS - O projecto é um projecto que é inspirado nalguns modelos italianos. Em toda aquela encosta da Ajuda, até ao rio, existiam grandes jardins. Esta é uma parte da história do projecto, que depois nunca veio a ser concluído.

SN - Acho interessante que só nesse curto espaço de tempo passou por tantas mãos, não é? 

JCS - Exactamente.

SN - Acho curioso essa parte em que estava a dizer que era para ser construído um dos maiores palácios. Há um filme sobre este novo museu que coloca as plantas, umas ao lado das outras, e, nesse plano, vê-se a diferença da imponência deste projecto, em relação aos outros. E é bastante significativa, realmente. 

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Cortesia de João Carlos Santos

JCS - Sim porque o palácio, além do próprio palácio, o projecto original incluía a sé patriarcal e tinha a Academia de Ciências.

SN - Ah, ok. 

JCS - Portanto, o palácio real tinha mais estes dois núcleos laterais e o projecto era de uma imponência fantástica. Esse projecto nunca veio a ser concluído. Penso que também é interessante perceber que, hoje em dia, as obras fazem-se com maior rapidez. Na altura, obviamente, as obras não se faziam com tanta rapidez e demoravam bastante tempo até serem concluídas e aconteciam aos poucos, por alas. 

SN - Certo! 

JCS - Evidentemente, este projecto começa na ala sul, que é virada para o rio, depois passa para a ala nascente. E na ala norte... curiosamente, essa é a última ala a ser construída... E grande parte da ala norte, no século XX, não existia, pura e simplesmente. Não estava construída, nem sequer no seu interior. Existem algumas intervenções de conclusão da ala norte, que é uma das alas viradas ao Jardim das Damas. Esse jardim é um jardim que persistiu ainda da construção da Real Barraca. Existe ainda, actualmente, que é o Jardim do Palácio. Trata-se de um pequeno jardim, que fica a uma cota superior. Este jardim teria sido demolido. Se o projecto inicial fosse construído, teria sido construído em cima desse jardim. Portanto, em meados do século XX, em 1960, ainda estava a ser construída parte da ala norte. Na altura, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) tinham tentado, por várias vezes, concluir o palácio com os projectos do arquitecto Raul Lino. Há, inclusive, mais do que uma versão do projecto de Raul Lino para concluir esse palácio. Finalmente, a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, já nos anos 1980, implementam mesmo um projecto. É um aspecto curioso. Muitas poucas pessoas referem este projecto, mas, na verdade, ele existe e penso que devo referi-lo. Ele chegou a ser iniciado e só não foi concluído por vários azares (como vamos ver a seguir). 

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Cortesia de João Carlos Santos

SN - Ah!

JCS - E eu vou contar essa história. Trata-se de um projecto de um colega nosso da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, chamado João Seabra, que tinha um projecto para a conclusão da sala poente. O projecto foi adjudicado, foi iniciado, mas na verdade não chegou a ser concluído porque, mais uma vez, houve um azar: aconteceu um temporal, uma grua caiu...

SN - Caramba! 

JCS - O empreiteiro depois dessa situação acaba por...

SN - Desistir?

JCS - Há quem diga que fugiu... Eu não sei se fugiu ou não fugiu para o Brasil, mas há quem diga que sim. O que se sabe é que abandonou a obra e essa obra nunca chegou a ser retomada. Grande parte do aspecto que tinha... Quando iniciámos esta intervenção, em 2018, a obra tinha a expressão desse projecto inacabado de João Seabra. Ele tinha incorporado uma série de paredes de betão e de tijolo, que nós acabamos por ter de demolir por não serem compatíveis com o que delineámos para o nosso projecto neste palácio. Além disso, ainda no início dos anos 1990, houve, de facto, um projecto bastante amplo, para toda esta zona, do arquitecto Gonçalo Byrne. Na verdade, era mais do que um projecto. Era um plano para toda esta zona da Ajuda com uma grande intervenção ao nível urbano e ao nível de infraestruturas nas ruas... era um projecto bastante ambicioso que também acabou por não ser concretizado. 

SN - É interessante perceber que um pedaço da cidade tão pequeno tem tanta história, não é? E ainda nem sequer falamos do projecto que realizou.

Há pouco mencionou que teve de demolir algumas partes desse último projecto que esteve em construção. Que elementos é que manteve e que elementos contemporâneos é que introduziu? 

JCS - Essa parte... Talvez seja mais interessante eu contar a história de como é que é o próprio projecto, não é? Depois falarei um pouco dessa componente. Como disse, comecei a fazer este projecto em 2006. É uma história interessante porque, na altura, fiz este projecto como funcionário público. Era técnico da Direcção Regional de Cultura do Norte (DRC-N), no Porto e, naquele período, estive no Porto a trabalhar, mas essa direcção pertencia a um organismo, que tinha sede em Lisboa, que era o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (agora IGESPAR, outrora IPPAR - Instituto Português do Património Arquitectónico). Naquele tempo, quem estava à frente a dirigir a casa convidou-me para ir fazer uma pequena intervenção lá no corredor do palácio, algo de pequena dimensão. Eu cheguei lá e disse: “Não estou a acreditar que querem que faça um projecto para um corredor quando o que eu devia fazer era um projecto para esta vergonha, com esta fachada poente... Isto é uma vergonha. Como é que isto é possível?! Nós estamos num organismo que tutela o património e temos isto neste estado?!” Vamos lá ver... o edifício não era uma ruína, mas sim um edifício inacabado e com aquele aspecto degradado. Na verdade, não era só inacabado. Era inacabado e degradado. A história é um pouco esta. Na altura, perguntaram-me se eu estaria disponível, eu disse que sim e o início deste processo acontece desta forma. Comecei por fazer um projecto que era um projecto que tratava a ruína e criava um conjunto de ligações, entre a ala norte e a ala sul. Na altura, quem estava a dirigir o IPPAR pretendia muito algo que se designava como “higienização daquela fachada”. Depois, entre 2006 até 2010, fiz várias versões para aquele remate porque... enfim... mudando as direcções, ou mudando o ministro ia sendo pedido um programa diferente.

SN - Ia mudando o projecto consoante as orientações políticas também. 

JCS - Exactamente. Era mesmo isso. Portanto, ia fazendo versões diferentes. Esta versão já consolidada da instalação do Museu do Tesouro Real porquê? Porque em 2002, salvo erro... Não sei se foi em 2002 ou se foi em 2001, mas penso que foi em 2002 que houve a cedência de empréstimo de umas peças do Tesouro Real para uma exposição na Holanda. Essas peças foram roubadas.

SN - Foi em 2002, sim. 

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Cortesia de João Carlos Santos

JCS - Foi em 2002 e, portanto, como foram roubadas e não apareceram houve uma indemnização da seguradora, que cobriu o furto dessas jóias num valor de 5 milhões e meio. Foram quase 6 milhões de euros, salvo erro. Na altura, a ideia era instalar na ala poente o Museu do Tesouro Real. Esta primeira ideia surgiu no período da ministra da Cultura, com a doutora Gabriela Canavilhas. Esta ideia, aliás. Não é “esta primeira ideia”. Houve esta ideia consolidada de fazer o Museu do Tesouro Real e foi, a partir daí, que se começou a desenvolver este processo e este projecto já com o Museu do Tesouro Real, que foi interrompido passado muito pouco tempo porque ela deixa de ser ministra. Em 2014, o processo é retomado. Nessa altura, eu também já estava na Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). Ou seja, estava já na própria casa. Não tem nada a ver com isso evidentemente. Não fui para a DGPC por causa deste aspecto, em particular, mas sabendo que tinha este projecto houve uma revisão no programa. Entretanto, a directora do Palácio Nacional da Ajuda – que era a doutora Isabel Silveira Godinho, que tinha dado o programa para este museu –, também mudou. O novo director, em conjunto comigo, fez um novo programa. Adaptámos o programa para este projecto, que acabamos por implementar agora. Em 2010, quando o projecto tinha, efectivamente, alguma possibilidade de caminhar... 

E, até mesmo em 2006, comecei logo no imediato a fazer uma investigação documental sobre esta história trágica, recolhendo elementos dos arquivos e das bibliotecas.

SN - Sim, o que eu acho fascinante deste projecto e penso que estamos a perceber isso nesta conversa... Havia esta desculpa para fazer este projecto de arquitectura, mas deve ter sido fascinante também fazer esta viagem na história, não é? É uma viagem sobre os desenhos, os factos e as pessoas que estiveram por detrás de tudo isto. Este projecto é quase uma viagem no tempo. 

JCS - Sim. É fantástico porque continuamos todos os dias a descobrir coisas.

SN - A descobrir coisas novas.

JCS - Coisas novas, sim. Apesar de tudo, tinha havido um estudo bastante pormenorizado e até algumas complicações sobre o próprio palácio, com a construção do palácio. Evidentemente que nesta componente histórica há sempre uma parte que é a parte das intervenções mais recentes. E é precisamente por ser mais recente que normalmente nunca é tão estudada, mas foi muito gratificante poder... E agora está a ser muito gratificante porque tenho acesso a desenhos originais do projecto com uma qualidade excepcional. São desenhos da época, que são fantásticos. Desse ponto de vista é extremamente gratificante. 

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Cortesia de João Carlos Santos

SN - Acho engraçado porque há pouco falava sobre este infortúnio do roubo na Holanda... imagino que uma parte importante deste projecto tenha sido, exactamente, a questão da segurança porque vão estar presentes nesta Exposição Permanente do Tesouro Real mais de mil peças. Muitas delas ainda não foram vistas e acabam por não ter um valor que se possa calcular, não é? 

Porque, para além do valor monetário, existe este valor histórico. Como é que foi estudada esta questão da segurança neste edifício?

JCS - Isso foi outra aprendizagem, não é? Isso é um aspecto muito interessante. Quando iniciámos este processo, não imaginávamos as necessidades que uma infraestrutura deste género tinha de ter. E isso está reflectido no conceito da própria arquitectura. A segurança, neste caso, começa, exactamente, no desenho da solução. Isso é muito interessante porque, normalmente, quando se fala de segurança pensa-se que se fala apenas de câmaras de filmar, equipamentos, sistemas de intrusão ou outros aspectos, mas não... aqui a segurança é colocada de outra forma. 

SN - É como nos filmes, João? É como nos filmes que nós vemos com aqueles... (risos)

JCS - Agora vejo os filmes de outra forma. Penso: “Como é que é possível fazerem isto?” (risos)

SN - (risos) Ficou a ser mais céptico?

JCS - Sim, agora olho e penso: “Isto é uma coisa que não é possível”. Há um filme do 007, não...corrijo, é um dos filmes da Missão Impossível (o dois ou o três, já não sei qual é que é) em que há uma sala que tem segurança máxima. Existe uma conduta com um extractor em cima e ele desce por esse extractor. É fantástico. É evidente que isso são coisas que, com a segurança existente, são impossíveis de acontecer. Não acontecem. Só nos filmes, mesmo! 

SN - (risos)

JCS - Mas falando da questão da segurança... Gostava de dizer isto porque tem a ver com o próprio conceito. 

Ou seja, a própria solução arquitectónica foi desenhada em função de uma perspectiva de segurança, que é fácil de explicar. Eu não posso falar muito da segurança especificamente deste caso.

SN - Claro que sim! 

JCS - Deste caso por razões óbvias. Nós temos um protocolo de segurança muito apertado nesse aspecto, mas posso dizer, em abstracto, que a segurança, neste tipo de edifícios, funciona como perímetros. Ou seja, os perímetros são como obstáculos, não é?

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Cortesia de João Carlos Santos

SN - Ok. 

JCS - Se nós queremos proteger algo, esse algo está no centro de um círculo. E quantos maiores círculos eu conseguir colocar à volta desse centro, que sejam difíceis de ultrapassar... é aí que está... Quando fiz este projecto, a primeira coisa que disse foi: “Eu só faço este projecto se tiver um consultor de segurança internacional que me garanta...”

SN - Ah, ok!

JCS - Que me garanta apoio e que...

SN - Ajude a construir as melhores soluções...

JCS - ... e que me esclareça. Foi isso que fizemos. Temos um consultor de segurança internacional, que nos deu todo o apoio e que nos ajudou a construir este projecto. A primeira conversa que tivemos com ele... ele foi muito claro quando disse: “Não há nenhuma segurança que seja infalível... alguém, por exemplo, se quiser fazer uma tentativa de roubo ou um roubo pode concretizá-lo”.

SN - Claro. 

JCS - Mas não é só nesta questão dos roubos. Existem outros aspectos da segurança também que, hoje em dia, são muito sensíveis. Mas o roubo não é possível. Isto foi logo um ponto de partida. Nós não podemos impedir que isso aconteça. O que é que nós podemos fazer então?

SN - Dificultar.

JCS - É dificultar o acesso, daí que estes perímetros sejam muito importantes para depois dar também capacidade de reacção a esse cenário, caso esse cenário seja provocado. Falando do projecto, em concreto, a solução tem esta componente. Algumas pessoas se interrogarão porque é que algumas paredes não têm janelas... Ou porque é que só há janelas ou só há vidros a partir de uma determinada altura... Ou então porque é que de um lado há vidros e do outro lado já não há vidros, entre outros aspectos.

SN - E o próprio projecto expositivo e as peças estão dentro de uma grande caixa-forte, não é?

JCS - Exactamente. Esse é um aspecto da concepção que, evidentemente, é a principal componente do projecto. Além da parte da investigação histórica e documental, também fomos ver alguns exemplos de museus de tesouros reais europeus. Estive em Viena, em Copenhaga e noutras situações para tentar perceber como é que eles..

SN - Solucionavam.

JCS - Solucionavam estes aspectos. As soluções são diferentes... Também estive na Torre de Londres... As soluções são diferentes, mas elas são baseadas mais ou menos nos mesmos princípios de segurança. 

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Cortesia de João Carlos Santos

Portanto, aquilo que eu idealizei foi que nós poderíamos ter esta exposição dentro de uma caixa-forte, que é de facto uma caixa-forte e que, além disso, também tem a ver com a arquitectura do sítio porque ela ocupa, exactamente, a mesma dimensão do pátio. A caixa-forte mede 40 metros de comprimento – que é basicamente o comprimento de cada lado do pátio –, por cerca de 9 metros de largura, por 10 metros de altura, que é o pé direito das salas do edifício, nesse piso nobre, o piso 3, do edifício. Portanto, é uma caixa-forte que tem depois, no interior, toda a exposição em condições de muita maior segurança. Durante o dia, a caixa-forte tem de estar aberta ao público porque a ideia é colocarmos a exposição aberta ao público. O interesse é o de podermos mostrar esta colecção fantástica do nosso tesouro real, que é uma colecção ímpar. Quando se chega ao fim do dia, nós podemos encerrar aquela caixa e, mais uma vez, temos mais uma segurança, mais...

SN - Mais um perímetro fechado. 

JCS - Mais um perímetro fechado. Foi isso que nós pensamos. O interior, a museografia é da Providência Design, de Francisco Providência e mais colaboradores. A visita inicia-se pelo piso 3. No interior da caixa-forte, existem três pisos e a exposição vai-se vendo, através de umas rampas, no interior do próprio cofre. A saída já é no piso 4. 

SN - Os visitantes estão sempre dentro do cofre, é isso? 

JCS - Sim, os visitantes entram no cofre, vêem a exposição circulando através de umas rampas nesses três pisos e chegam ao piso seguinte, que é o quarto piso, já do lado posterior, e acabam numa cafetaria e num pequeno lounge. O museu não é só a exposição permanente. É um museu que tem todas as valências, com todas as áreas técnicas necessárias para o seu funcionamento. Temos um centro de conservação e restauro dentro do próprio museu, temos áreas técnicas muito grandes. 

Temos gestão administrativa, temos áreas expositivas, temos duas áreas de exposições temporárias não com tanta segurança como no interior do cofre, mas permitem fazer exposições temporárias e outro tipo de actividades. Mais um aspecto que é interessante e isto não tem tanto a ver com... também tem a ver, mas... com a questão da security. Temos a componente da safety e da security, mas também tem a ver com isso, que é... esta nova construção da ala poente para instalar o Museu do Tesouro Real, inicialmente ainda pensamos que pudesse haver ligação ao palácio.

SN - Certo. 

JCS - Era interessante porque...

SN - Unir os circuitos, é isso?

JCS - Do ponto de vista da visita, no início, parecia-nos interessante. Depois rapidamente abandonamos essa questão porque as exigências, do ponto de vista da segurança, eram de tal ordem que nós tínhamos de... no palácio existente, que é aquele palácio fantástico que conhece com certeza.

SN - Conheço, sim. 

JCS - Com portas belíssimas... Nós tínhamos de implementar o mesmo nível de segurança nesse espaço todo e, portanto, isso era...

SN - Inviável.

JCS - Completamente inviável do ponto de vista patrimonial e, portanto, abandonamos essa ideia. 

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Cortesia de João Carlos Santos

Esta estrutura do Museu do Tesouro Real tem entradas completamente independentes do resto do palácio e está completamente desligada de todo o palácio. Ou seja, não há um ponto único de contacto entre esta nova estrutura e a estrutura do palácio. Eu próprio por razões... isto tem a ver com a segurança, mas também tem a ver com a segurança sísmica e com outros aspectos que eram importantes salvaguardar, portanto acabamos por optar por desligar completamente o edifício da estrutura existente. Há um aspecto, por exemplo, muito interessante que é... Há uma zona que era a zona que era a preexistência que tinha mais interesse em toda aquela fachada poente. Essa zona era a mais antiga também, que é aquela zona da arcada da estrutura...

SN - No fundo, a base do edifício.

JCS - Exactamente, a base do edifício. A solução que encontramos foi... eu não queria que se tocasse com o edifício nessa estrutura também por uma questão de comportamento estrutural destas estruturas. Os comportamentos são diferentes. A experiência que tenho nesta área, já de alguns anos, diz-me que se colocar materiais muito rígidos ao pé de materiais que têm comportamentos diferentes... um deles vai ceder. Normalmente, cedem aqueles que são os mais antigos. Depois aparecem patologias, fissuras, fendas... Portanto, desligámos completamente todo o edifício e também nesta parte. Ou seja, nós olhámos para o edifício e não imaginámos que ele é uma ponte por cima daquela estrutura. Não toca naquela estrutura. Foi isso que fizemos. Também era...

SN - Sim, o edifício novo quase parece que é um pórtico por cima da parte existente, não é?

JCS - Exactamente. 

SN - Por acaso é interessante que... há pouco estávamos a falar da caixa-forte e, se calhar, as pessoas imaginam a caixa-forte tradicional, mas tem um material muito curioso. Qual é o material, arquitecto? 

JCS - Está a falar do revestimento? 

SN - O revestimento, sim. 

JCS - Porque a caixa-forte...

SN - Ah, sim, claramente... deve ter vários layers. E esse eu não me atrevo a perguntar sequer. (risos)

JCS (risos) É uma caixa-forte normal. O revestimento, nós achámos... do ponto de vista da arquitectura, sabia-se que ter uma caixa com grande dimensão, fechada no meio de um espaço, é sempre um dilema e um problema. E também porque pensámos que a caixa cofre poderia ser tratada quase como uma caixa de jóias.

SN - Ah, que giro!

JCS - Como um contentor que é o contentor que, no fundo, tem aquilo que nós queremos estimar muito e guardar muito. Pensámos que poderia ser revestido. A outra parte do edifício é muito espartana. São superfícies com paredes brancas, o chão é branco, é um auto nivelante confortável branco. O tecto também é, nalguns casos, acústico... mas com uma superfície... é tudo muito branco. Tudo muito clean. E a ideia era ter ali uma caixa que sobressaísse no meio de todo este conjunto. Então revestimos a caixa com um material que é uma espuma de alumínio. Neste caso, optámos por pintar a espuma. Ela não está na cor original. É pintada e é retroiluminada. 

Temos uma iluminação por trás porque a espuma de alumínio como tem uns orifícios... À noite e ao fim da tarde, quando está ligada, é interessante porque se vê... 

SN - Vê-se do exterior?

JCS - Vê-se do exterior... porque havia... Já agora, vou partilhar isto que é um aspecto que eu acho engraçado e curioso. Tem a ver também com o processo de maturação da própria ideia da arquitectura e do projecto. Quando estava a fazer o projecto, havia muitos colegas meus do serviço e das pessoas que tinham essa vivência ali naquele lugar que me diziam: “É uma pena... Esta fachada é tão bonita como uma ruína...” 

SN - (risos)

JCS - “O sol a entrar por aqui, a luz... Agora tu vais fechar isto. Vai ser uma chatice. É uma coisa horrível”. E eu fui um pouco sensível a esses argumentos. Não fui sensível como eles queriam, que era obviamente com a intenção de não fazer nada. Isso era impossível, mas o tratamento da fachada para o pátio tem aquela componente. Também não havia vãos, não tinha nada e do ponto de vista daquilo que são as recomendações das intervenções para este tipo de património não me pareceu que fizesse sentido estar ali a fazer uns caixilhos, em madeira, reproduzindo os outros caixilhos da outra fachada. Desta forma, passámos o vidro para a parte de trás do vão. Os vidros estão recuados. O vidro praticamente não se vê. É como se não existisse. É como se fosse só o vão exactamente como estava. Aquele amarelo-dourado da caixa-forte que é coincidente com a fachada do pátio, nos dois pisos principais (que são aqueles que têm maior expressão de vãos) pode, quando a iluminação está ligada, remeter um pouco para essa ideia de que o sol e a luz ainda continuam a persistir ali naquela fachada.  

SN - Quase como se o edifício também fosse translúcido. 

JCS - Sim, é um pouco isso. 

SN - Imagino que, durante este processo, não só de construção do edifício, mas também das próprias peças que foram tratadas, restauradas e limpas. Tem alguma peça favorita, alguma que tenha uma história especial para si ou até alguma que tenha influenciado a organização do espaço? 

JCS - A colecção é, de facto, fantástica. O desafio deste projecto... e falo como arquitecto e como projectista, mas na verdade o desafio é um desafio muito maior. O desafio, além de ser o de concluir um palácio passados 220 anos, como referiu... E nestas circunstâncias, depois de todos estes acidentes, depois de todos estes episódios que já mencionei e que são trágicos... existe o aspecto muito importante que é o de poder, pela primeira vez, expor uma colecção que nunca foi vista. Na verdade é isto. É uma colecção fantástica. Eu não gosto de fazer referência a nenhuma peça, em particular, mas vou-lhe contar aqui uma história. É uma história que me aconteceu. Quando nós começámos a definir as questões do Programa de Museologia para saber como é que iríamos fazer... a mim falavam-me muito de uma pepita. 

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Cortesia de João Carlos Santos

SN - Ah!

JCS - E eu naquela minha ignorância porque nunca tinha visto a colecção. A colecção está guardada... Eu tinha aquela ideia de, em miúdo, ver aqueles filmes dos cowboys e das pepitas de ouro, os garimpeiros nas peneiras... e aquelas pepitas pequeninas... Quando me mostraram a pepita de ouro que nós temos...

SN - Que é muito grande, não é? (risos) 

JCS - Pesa 22 quilos. É uma pepita de ouro que para se levantar... ela tem uma secção de 20 cm. 

É uma bola de 20 cm de diâmetro, mas para se pegar nela é como estar a pegar numa bola de 20 cm e agarrar em quatro garrafões de água.

SN - Simultaneamente.

JCS - Simultaneamente, portanto é uma experiência espetacular. Sem querer manifestar aqui a minha preferência, mas posso dizer duas ou três peças que a colecção tem que eu acho fantásticas. Algumas, inclusive, com histórias engraçadas. E é essa história que nós queremos contar nesta exposição porque há uma coisa que sempre defendi: as peças, além de valerem por si, devem contar as suas histórias e elas contam a história. Por exemplo, temos uma caixa de tabaco que é uma coisa fantástica. Então, agora, depois de restaurada... Como disse a Sara, isto é uma operação. Montar um museu de raiz é uma operação muito complexa. Ainda por cima, nós vamos expor uma colecção. De cerca de 4500 peças, vamos expor cerca de 900 e poucas peças. Se quisermos falar em números redondos, são 900 peças. Há que ter em conta que, quando necessitamos de expor, as peças têm de estar em condições de se exporem. Tivemos necessidade de preparar todo esta componente, esta logística... E estamos a fazer... aliás, já fizemos um interessantíssimo restauro e não só restauro... porque não é um restauro em pedra. É um restauro e conservação das próprias peças, mas também é estudo e investigação das próprias peças. Temos comissários científicos a estudar a colecção, além dos conservadores da própria colecção que são vários. A equipa deste projecto é enorme.

SN - Estamos a falar de quantas pessoas, mais ou menos, só para termos uma noção?

JCS - 150 pessoas aproximadamente.

SN - Caramba!

JCS - É uma equipa muito alargada. Já agora, aproveito para agradecer todo o trabalho que têm feito. Têm sido incansáveis, desde os nossos colegas do Palácio Nacional da Ajuda, a equipa do Paço Nacional da Ajuda, até às equipas de projecto... Toda a gente. E também queria deixar aqui uma palavra para não me esquecer... A implementação do projecto só foi possível graças a uma colaboração muito estreita entre o Ministério da Cultura, através da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), a Câmara Municipal de Lisboa e a Associação de Turismo de Lisboa (ATL). Tenho, sobretudo, de destacar aqui um aspecto que é muito importante que é este contributo da Câmara Municipal de Lisboa e da própria Associação de Turismo de Lisboa. Além da verba que nós usamos para este projecto e que foi a parte do dinheiro, que resultou da indemnização do tesouro real com o furto – com cerca de 4,4 milhões de euros – existe a outra verba do investimento, que já vai em 30 milhões de euros. Esse financiamento foi feito pela câmara e pela ATL, através da taxa turística de Lisboa. Esta foi uma decisão do doutor Fernando Medina, a quem eu muito agradeço e também ao doutor António Costa. Na altura, o doutor António Costa já não era presidente da Câmara de Lisboa, mas primeiro-ministro. Agradeço também aos membros do governo, aos ministros da Cultura, que tomaram esta decisão, e ao ministro Luís Filipe Castro Mendes, que era, na altura, o ministro que ocupava a pasta da Cultura. Já agora, e também para que ninguém fique...

Intervindo em museus históricos: entrevista com João Carlos Santos - Imagem 12 de 17
Cortesia de João Carlos Santos

SN - Fique de fora. 

JCS - É sempre muito difícil...

SN - É difícil neste projecto deixar pessoas de fora. É muita gente! 

JCS - Depois as pessoas ficam melindradas e eu tenho tido esse...

SN - Esse cuidado. 

JCS - Tenho tido cuidado, mas de vez em quando nem sempre é possível. Como é um projecto muito longo... Depois nós esquecemos de alguém... Já falei aqui da doutora Isabel Pires de Lima. Perdão. Não falei dela, mas na altura também passou pelo Ministério da Cultura. Falei também da doutora Gabriela Canavilhas. Jorge Barreto Xavier, enquanto secretário de Estado, também tem uma participação no início deste projecto. 

SN - Ou seja, foram muitos esforços que se uniram. 

JCS - João Soares, entre outros... E finalmente, agora a ministra da Cultura, a doutora Graça Fonseca, que, de facto, tem dado o apoio inexcedível neste projecto.

SN - Foram realmente muitos esforços que se uniram e muita persistência para que, finalmente, se pudesse fazer este projecto. Este edifício e os seus objectos contam muitas histórias do passado e do passado português. Que histórias gostava que contasse, no futuro, este projecto? 

JCS - Há muita gente que critica a opção que eu tomei relativamente às características do próprio projecto. Muitos pensam que se devia fazer uma solução idêntica – em termos de expressão arquitectónica – à das restantes fachadas. Eu costumo esclarecer um aspecto que me parece muito importante. Este limite da construção que estamos a fazer não era o limite da construção do projecto da última versão reduzida do arquitecto António Francisco Rosa. O limite desta construção fica muito mais atrás do que esse limite. Aliás, esse é um aspecto muito interessante porque todas as outras soluções... e eu fiz este estudo quando peguei no projecto... rapidamente, percebi que se eu avançasse para essa solução, provavelmente, o edifício hoje não estaria concluído. Refiro-me aqui a soluções apresentadas como as do arquitecto Raul Lino... O próprio Gonçalo Byrne retoma essa solução que é a de fazer aquele corpo com a dimensão que, de facto, devia ser. 

Eu reconheço que deveria ser essa dimensão. Só que que essa dimensão vai para cima da Calçada da Ajuda e a Calçada da Ajuda, em qualquer um destes projectos, teria de ser desviada. Só que para desviar a Calçada da Ajuda, além de todas as consequências do ponto de vista financeiro, que é o de desviar a calçada, criar um percurso por onde ela passaria, demolir um conjunto de edifícios ali à volta... Hoje em dia, a própria calçada já faz parte da história daquele lugar.

SN - Já é património também. 

JCS - A Calçada da Ajuda é património e um dos aspectos que eu pensei que seria interessante era o de tentar conciliar estas duas realidades. Ou seja, manter, por um lado, a Calçada da Ajuda e, por outro lado, fazer um remate de todo aquele palácio para que se conseguisse resolver este conjunto de problemas. Refiro-me aqui não só aos problemas do edifício, mas também do edifício no contexto urbano. E foi isso que se fez. Portanto, o edifício não poderia deixar de ter esta expressão contemporânea. 

SN - Do seu tempo.

JCS - Do seu tempo e penso que essa vai ser a marca que vai perdurar. Portanto, indiscutivelmente, quem chega àquele palácio percebe que esta parte é, nitidamente, uma parte que teve uma construção num tempo diferente de toda a outra construção. Embora se saiba também que a outra – e tendo ainda em conta que alguma dela foi feita nos anos 1950 –, tem a expressão antiga do palácio. Basicamente, é esta a ideia. Penso que vai perdurar essa expressão. É essa a arquitectura e é esta marca e sabe-se que, num determinado o tempo, houve aqui uma intervenção. Nós temos nesta intervenção... Eu não posso dar agora dados, em concreto, mas colocámos mais de 200 toneladas de calcário nessa intervenção. Pedra igual à que lá está para fazer o fecho de alguns elementos. 

Usando a terminologia das teorias de restauro, fizemos “o completamento”. Foi feito esse “complemento” em algumas daquelas fachadas que eram importantes de serem completadas com o mesmo material, até pela questão da leitura. Usámos mais de 200 toneladas de pedra. Algumas delas com uma grande dimensão. São pedras enormes com uma escala brutal. Cada pedra tem mais de duas toneladas de peso. Aliás, devo dizer que um dos aspectos mais interessantes e até mais desafiantes deste projecto é a escala do edifício. É uma escala que nós não estamos habituados a trabalhar porque... 

SN - Muito imponente. Tudo é em toneladas. 

JCS - Tudo é grande: os pés direitos, os vãos, as portas... Tudo aquilo é muito grande. Portanto, tudo o que a gente faça... por exemplo, um vidro... um vidro de... imaginemos que é um vidro para o vão, para o alçado do pátio, que é um vidro inteiro. O vidro tem 5,5 metros ou 6 metros de altura e pesa entre 600 a 800 quilos.

SN - Caramba!

JCS - É tudo muito... Quando a gente pensa fazer qualquer coisa... as pedras, os revestimentos, é uma escala grande. Isso foi interessante! Eu penso que desse ponto de vista é interessante, quando se visita o edifício, perceber que essa escala se mantém e perdura no projecto. E falo, inclusive, da escala dos próprios espaços. São espaços bastante amplos. Eu costumo dizer que, nos palácios, há sempre aquilo que a gente chama os “passos perdidos”. 

Intervindo em museus históricos: entrevista com João Carlos Santos - Imagem 10 de 17
Cortesia de João Carlos Santos

SN (risos) 

JCS - Não são perdidos, são achados porque são interessantíssimos. 

São os passos que dão, de facto, uma escala e uma...

SN - Imponência.  

JCS - E uma coerência a todo o espaço, sobretudo o espaço interior. 

SN - O João é um óptimo conversador. É um óptimo contador de histórias. Na verdade, dava para outro episódio dos nossos. Muito obrigada, João, por esta conversa. Foi óptimo, não só sabermos mais sobre este edifício e sobre a colecção, como também conhecer a sua história e a exigência que, por vezes, está por detrás de fazer um projecto. A resiliência que isso exige ao longo, neste caso, de séculos. Muito obrigada, João. 

JCS - De nada, Sara. Foi um gosto. Muito obrigado pelo convite e por esta oportunidade de poder falar um pouco mais sobre o Palácio da Ajuda.

SN - Vou só fazer uma pergunta. Já há previsão de quando irão inaugurar o Museu do Tesouro Real?

JCS - Não. Agora teremos de esperar pelos resultados das eleições legislativas, no dia 30 de Janeiro. Depois essa decisão será tomada com o governo que resultar dessas eleições. 

SN - Muito bem. Ficaremos à espera. Muito obrigada, João.

JCS - Obrigado! 

Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.

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Sobre este autor
Cita: Romullo Baratto. "Intervindo em museus históricos: entrevista com João Carlos Santos" 08 Jan 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/974565/intervindo-em-museus-historicos-entrevista-com-joao-carlos-santos> ISSN 0719-8906

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