Substituir asfalto por grama torna nossas cidades mais sustentáveis e acessíveis

O Índice de Prosperidade da Cidade (City Prosperity Index) é uma ferramenta criada pela UN-Habitat em 2012 para avaliar o progresso de uma determinada cidade segundo cinco princípios: produtividade, infraestrutura, qualidade de vida, igualdade e sustentabilidade ambiental. Em maior ou menor grau, cada um destes cinco fatores tem um impacto considerável na maneira como ocupamos nossas ruas e espaços públicos. Como uma das principais infra-estruturas urbanas, ruas e avenidas podem desempenhar uma infinidade de diferentes funções em uma cidade, facilitando tanto a mobilidade e o deslocamentos de pessoas, bens e veículos, quanto a organização e distribuição dos sistemas de energia, abastecimento de água, coleta de lixo, etc. Somando-se a isso, vias públicas muitas vezes podem assumir a condição de espaços verdes, praças e até parques lineares, promovendo a biodiversidade, proporcionando sombra e disponibilizando uma série de espaços de encontro e socialização. Nesse sentido, as ruas são muito mais do que apenas uma infra-estrutura de mobilidade, elas são também espaços públicos vibrantes, os quais dizem muito sobre progresso e a qualidade de vida de uma cidade.

A parcela que o sistema viário ocupa no território de uma cidade varia de lugar para lugar. A densa malha urbana de Manhattan, por exemplo, ocupa um 36 por cento da área total da cidade enquanto em um tradicional sistema cul-the-sac encontrado em muitas das áreas periféricas e suburbanas esta proporção cai para menor de 10 por cento. Segundo a UN-Habitat, em cidades mais prósperas a fatia do território ocupada pela infra-estrutura urbana costuma ser relativamente alta, como Washington D.C (25%), Barcelona (33%) ou Toronto (29%). Conseqüentemente, podemos dizer que quanto mais ampla e acessível for a infraestrutura urbana de uma cidade, mais próspera e equitativa ela será.

Entretanto, com frequência costumamos associar a infra-estrutura urbana a carros e estacionamentos. Isso porque, infelizmente, na maioria de nossas cidades as ruas foram desenhadas para veículos e não para pessoas. Ainda assim, de uns anos para cá começamos a perceber uma sutil mudança de direção, com muitas cidades ao redor do mundo investido alto em sistemas de transporte público mais eficientes e acessíveis, promovendo opções alternativas de mobilidade urbana como veículos compartilhados e bicicletas além de restringir o transito de veículos automotores em determinadas regiões, bairros ou horários. Na verdade, a medida que uma cidade investe mais em mobilidade e infra-estrutura urbana, observa-se uma transição gradual das pessoas que vivem no centro, de famílias com carros para pessoas que utilizam outros meios de transporte para se deslocar pela cidade. Este fenômeno já está provocando uma mudança de paradigma, forçando as construtoras e incorporadores a repensar a necessidade de estacionamentos em edifícios novos.

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Sant Antoni Superblock / Leku Studio. Image © Del Rio Bani

Se esta é a tendência para o futuro das cidades, qual será o impacto desta substancial redução de veículos automotores transitado em nossos centros urbanos? Para responder a essa pergunta, primeiro precisamos entender como uma rua funciona. Antes de mais nada é importante ressaltar que a grande maioria das nossas vias urbanas são espaços predeterminados. Isso significa dizer que as atividades que ali ocorrem geralmente são projetadas previamente, deixando pouco espaço para ações e encontros inesperados. Mais objetivamente, o tipo de pavimentação determina o uso, a função e a velocidade que se transita em uma rua ou calçada. O asfalto foi feito para os veículos e as calçadas para todo o resto: pessoas, árvores e mobiliário urbano. Em alguns centros históricos, como em Santiago de Compostela, esta divisão funcional não existe. Há apenas um único tipo de pavimentação, onde pedestres e veículos convivem em perfeita harmonia.

Menos veículos transitando e em velocidades mais baixas são uma grande oportunidade para incentivar outras funções e usos. O limite de velocidade em centros históricos costuma ser de 20 km/h, enquanto a velocidade média de um veículo no centro de Londres é de apenas 8 km/h—um ritmo muito menos agressivo a um humano que costuma caminhar ao passo de 5 km/h. Isso significa dizer que, em centros urbanos de cidades prósperas, a diferença de velocidade média de trânsito entre veículos, bicicletas e pedestres é praticamente nula. Ruas de trânsito lento e com mais espaços dedicados aos pedestres são um caloroso convite a diferentes formas de apropriação, a encontros formais e informais e a interação entre as pessoas. A medida que as pistas de rolagem vão cedendo espaço aos canteiros e calçadas, se estabelece um processo de ‘naturalização’ do ambiente urbano—desencadeando uma reação em cadeia que faz destes espaços mais agradáveis e consequentemente, cidades melhores para se viver.

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Pedestrian streets in Santiago de Compostela, Spain. Image © Jose Arcos Aguilar | Shutterstock

Como já foi dito antes, vias públicas podem desempenhar uma infinidade de diferentes funções, sempre de acordo com o tipo de uso preestabelecido. A medida que os veículos automotores vão perdendo terreno, as pessoas e portanto, a vida, vai recuperando o espaço perdido. Esta é uma oportunidade única que se desenha para o nosso futuro, substituir o ruído dos motores a combustão pelo canto dos pássaro. Mas não se trata apenas de plantar mais árvores, e sim construir ecossistemas mais complexos e dinâmicos, onde a presença humana é apenas uma pequena parte do todo. Ruas assépticas e ambientes urbanos estéreis tem suas origens no movimento higienista—uma resposta as tantas doenças e pandemias que eclodiam pelas ruas das conturbadas cidades em tempos de Revolução Industrial. Atualmente o nosso desafio é outro, e evidentemente há espaço de sobra para mais plantas, grama, organismos vivos e acima de tudo, pessoas.

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Revitalization of the Albarrada de Mompox / OPUS. Image © Sergio Gómez

A terra e a calçada podem avançar livremente sobre a superfície que um dia foi dominada pelo asfalto. Enquanto a primeira trará a natureza de volta para a cidade, a segunda nos ajudará a pavimentar o caminho em direção a um futuro melhor e mais próspero para todos. O sucesso dessa empreitada, portanto, depende justamente da substituição do asfalto por terra e calçada, e não necessariamente nesta ordem. Além disso, os veículos deverão pouco a pouco ser removidos das ruas, seja permanente ou temporariamente. Ruas podem ser fechadas por algumas horas ou em um determinado dia da semana, cedendo espaço às crianças ou para a organização de feiras livres ou mercados públicos. Desta forma, com mais espaço dedicado à vida e a natureza, o caminho estará livre para o progresso social e humano em nossas cidades.

Traduzido por Vinicius Libardoni.

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Sobre este autor
Cita: Perez Romero, Manuel. "Substituir asfalto por grama torna nossas cidades mais sustentáveis e acessíveis" 05 Mai 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/960782/substituir-asfalto-por-grama-torna-nossas-cidades-mais-sustentaveis-e-acessiveis> ISSN 0719-8906

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