Uma nova tendência de design, inserida entre os domínios da arquitetura e do design de interiores, está transformando a relação entre estas duas disciplinas ao estabelecer objetos capazes de definir e moldar nossos espaços interiores, criando ambientes dinâmicos e altamente flexíveis. Fugindo à qualquer tipo de categorização, tal prática está aproximando duas disciplinas historicamente não muito distantes: a arquitetura e o design. Com cada vez mais frequência nos deparamos com projetos que transitam entre a arquitetura em pequena escala e o design em grande escala, ou melhor, com objetos que não são nenhuma coisa nem outra, ou talvez, que sejam as duas coisas ao mesmo tempo. Quer seja uma consequência da crescente necessidade por espaços cada vez mais flexíveis e compactos ou de uma resposta arquitetônica aos novos desafios de uma sociedade cada dia mais digitalizada, estes projetos estão abrindo caminho para uma extrema versatilidade do espaço habitado.
A arquitetura é uma disciplina que transita constantemente entre distintas escalas: das mais abrangentes como o planejamento urbano e regional, até as mais diminutas como o detalhamento de componentes e soluções construtivas. Ainda que arquitetos e arquitetas não sejam estranhos à prática do design, a crescente transdisciplinariedade de sua formação os incentiva cada vez mais a encontrar novos caminhos entre estas duas avenidas paralelas. Como consequência disso, a linha que estabelece os limites entre o design da arquitetura está se tornando cada dia mais tênue, ficando difícil dizer onde uma começa e a outra termina. Essa nova frente de atuação, se assim pudermos chamá-la, está moldando uma nova tipologia de espaços interiores e desencadeando uma nova linha de investigação teórica. Definida como semiarquitetura pelo escritório japonês Schemata Architects, esta modalidade de projeto é essencialmente uma ponte entre o design de mobiliário e a arquitetura, uma abordagem onde o espaço arquitetônico é resolvido utilizando soluções de design.
A sensibilidade em relação à escala é um dos principais pontos de convergência entre estas duas áreas, algo que contribuiu decisivamente para a gênese deste novo campo interdisciplinar de atuação que é tão convidativo à ambos profissionais. Em busca de uma definição para este território onde a arquitetura e o design se sobrepõe, Reyner Banham cunhou o termo "furniturisation" of architecture, onde estes objetos espaciais dão forma à própria arquitetura, transformando-a em uma complexa peça de mobiliário. Este rótulo serve perfeitamente para definir o espírito daquilo que consideramos hoje como arquitetura pop-up, como os tantos pavilhões e estruturas temporárias que vemos construídos em bienais e festivais de arquitetura.
Apesar das oportunidades que tais eventos proporcionam no desenvolvimento de novas tendências na arquitetura, projetos de interiores—sobretudo domésticos—seguem sendo uma das principais frentes de exploração das relações entre o desenho de mobiliário e a arquitetura. Com o crescente aumento populacional no planeta e o consequente incremento do valor do solo, a diminuição constante do espaço de vida nas cidades está forçando arquitetos e designers a encontrar novas soluções espaciais capazes de preservar a habitabilidade em ambientes cada vez mais compactos. A transformação do próprio mobiliário em uma espécie de microarquitetura, onde módulos pré-fabricados podem cumprir infinitas funções e desta maneira, minimizar o espaço necessário com instalações e sistemas conectados às atividades domésticas, está se transformando em uma prática extremamente difusa na arquitetura. No desenrolar este artigo, iremos explorar alguns dos vários tipos de projetos que encontram-se na intersecção entre o design de mobiliário e a arquitetura—uma prática que está transformando a geografia interior dos espaços habitados.
A parede técnica
Espaços flexíveis, abertos e integrados estão se tornando a norma e deixando de ser a excessão quando falamos de edifícios de apartamentos. Ambientes genéricos e flexíveis permitem acolher a uma maior variedade de programas, respondendo melhor às limitações impostas pelo auto valor do preço da terra em centros urbanos cada dia mais ocupados. O escritório espanhol PKMN Architectures é um dos estúdios de arquitetura que têm operado exatamente neste contexto, criando espaços-objetos que se inserem entre os limites da arquitetura e do design de mobiliário. Já não se trata mais de construir paredes, estruturas que dividem e delimitam o espaço, mas dar forma a uma espécie de habitáculo, recipientes aptos a cumprir distintas funções e transformar o espaço interior em “um mundo de novas possibilidades”. Em certa medida, vale a comparação com aquilo que costumamos chamar de serviço on-demand, definindo uma abordagem espacial sob-demanda, como podemos ver nos casos da All I Own House e da MJE House. Sem comprometer o espaço útil da casa, estas estruturas se expandem e se retraem conforme as necessidades de cada momento, criando um espaço-objeto híbrido que pode ser definido como algo entre um elemento arquitetônico e uma peça de mobiliário.
Uma outra abordagem deste tipo de parede técnica, ao invés de inseri-la no centro do espaço, é criar elementos que ocupam o perímetro do ambiente, encaixando-se nas próprias paredes existentes. Este é o caso Bath Kitchen House, projetada por Takeshi Shikauchi. Desta forma, a intervenção permite tirar o máximo proveito de uma área extremamente reduzida, minimizando os espaços utilizados pelas instalações e serviços e portanto, diponibilizado uma maior área livre para o benefício dos moradores.
Mobiliário em grande escala / Arquitetura em pequena escala
Alguns arquitetos e designers procuram intervir menos quando se trata do espaço de vida dos outros—ainda que estes sejam os seus clientes. Procurando criar espaços mais adequados ao estilo de vida de cada morador, alguns escritórios estão abordando a interação do usuário com o espaço de uma forma mais holística. Ao incorporar uma série de elementos multifuncionais em estruturas cada vez mais complexas, eles estão levando o design de mobiliário para outro patamar, afastando-se do design de produto e aproximando-se da arquitetura per se. Compondo camadas e assumindo as mais diversas formas, estes objetos arquitetônicos podem cumprir uma enorme gama de diferentes funções e programas. Como o espaço-objeto criado pelo Atelier TAO+C em seu projeto U-Shape Room. Substituindo paredes e lajes por elementos multifuncionais em forma de mobiliário, o Atelier TAO+C criou uma espécie de dispositivo arquitetônico em miniatura, um mobiliário habitável.
Residências Plug-In
Na década de 1970, o designer de móveis italiano Joe Colombo já nos havia dado uma pista daquilo que o futuro nos reservava. Em seu projeto de mobiliário The Total Furnishing Unit, ele reunia todos os serviços de uma casa em um único dispositivo móvel, encarnando a verdadeira “máquina para morar”. De lá pra cá, arquitetos e designers nos apresentaram infinitas variações deste mesmo tema, culminando na recente colaboração da Ikea com a startup americana Ori para um projeto experimental com móveis robóticos até o projeto City Home do MIT. No entanto, estas novidades ainda parecem distantes da versatilidade do projeto idealizado por Joe Colombo nos anos 70. Ainda assim, estes dois recentes exemplos revelam a profundidade do impacto da tecnologia na nossa relação com o espaço e dos objetos que o habitam, algo que está contribuindo decisivamente para diminuir a distância entre arquitetura e o desenho de mobiliário.
Excedendo o escopo do desenho de mobiliário, estes objetos estão transformando a forma como nos relacionamos com o espaço construído—e com a arquitetura de forma geral. Além disso, tanto como projetos de design quanto de arquitetura, esta nova forma de se pensar a ocupação do espaço através de móveis cada vez tecnológicos, complexos e multifuncionais, é um reflexo da crescente demanda por flexibilidade do espaço habitado. Respondendo à diferentes necessidades e adequando-se as mais variadas escalas, estes projetos—sejam eles considerados design ou arquitetura—buscam valorizar o espaço interior, algo que está se tornando cada dia mais restrito e portanto, valioso.
Este artigo é parte do Tópico do ArchDaily: Pequena Escala. Mensalmente, exploramos um tema específico através de artigos, entrevistas, notícias e projetos. Saiba mais sobre os tópicos mensais aqui. Como sempre, o ArchDaily está aberto a contribuições de nossos leitores; se você quiser enviar um artigo ou projeto, entre em contato.