Como resfriar as cidades com o planeta cada vez mais quente

O atual verão no Hemisfério Norte tem sido tão quente, com as temperaturas atingindo recordes – inclusive no mar –, que as discussões já giram em torno dos limites da sobrevivência humana. Mesmo na Antártida, o gelo marinho não tem conseguido se reconstituir, um desvio drástico em relação aos padrões normais para o inverno. Não é apenas impressão que eventos de calor extremo têm acontecido cada vez mais. Como resultado das mudanças climáticas, o número desses eventos aumentou – e deve piorar.

De fato, na maioria dos anos, o calor é o fenômeno mais letal, matando em média 490 mil pessoas no mundo e causando problemas graves de saúde para muitas outras. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as mortes em decorrência do calor devem aumentar em 50% até 2050. Mas esse impacto não é distribuído de forma equilibrada, tanto ao redor do mundo quanto dentro das comunidades: populações que já vivem em condições mais vulneráveis são as que enfrentam os maiores riscos.

Em escala global, as pessoas de países em desenvolvimento, em particular no Sul e no Leste da Ásia e na África – as que menos contribuíram para causar as mudanças climáticas e que não possuem recursos para se adaptar –, são as que devem ter a saúde mais afetada pelo calor extremo resultante das mudanças no clima.

Em âmbito municipal, os bairros que abrigam as comunidades mais pobres e marginalizadas – ou aqueles com os piores serviços e infraestrutura mais precária, com menos áreas verdes e um histórico de baixos investimentos em habitação – são notoriamente mais quentes. Essa diferença dentro das cidades acontece em parte porque essas áreas tendem a ter menos árvores e uma menor cobertura vegetal, dois importantes mitigadores do calor.

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Sol sobre a Medina de Marrakesh, no Marrocos. Países em desenvolvimento da África e da Ásia devem enfrentar os piores impactos das altas temperaturas resultantes das mudanças climáticas. Devido ao efeito das ilhas de calor urbanas, as cidades são especialmente suscetíveis a esses impactos. Foto: Nick Gutkin/iStock

Esses bairros também tendem a ter superfícies mais rígidas e escuras, que absorvem mais calor. Esse é um exemplo do efeito das ilhas de calor urbanas, por meio do qual as cidades (ou partes de uma cidade) ficam mais quentes do que as áreas rurais devido a infraestruturas como prédios, estradas e calçadas, que retêm mais calor do que as superfícies naturais.

O calor extremo pode ser devastador, mas existem ferramentas que qualquer comunidade pode usar para reduzir os perigos impostos à saúde, aos sistemas de energia e a nossas economias, além de melhorar a equidade urbana e até mesmo combater as mudanças climáticas. Ao ajustar os componentes de cobertura do solo que mais contribuem para o efeito das ilhas de calor urbanas – edifícios, estradas e materiais e infraestruturas construídas, como concreto, asfalto, pavimentos permeáveis, tintas e revestimentos – as cidades podem reduzir drasticamente suas temperaturas.

A influência da infraestrutura urbana no calor – os casos de Monterrey e Mumbai

Nas cidades, a cobertura do solo é determinada pelo tipo de infraestrutura – seja cinza (telhados, pavimentos) ou verde (florestas urbanas, arborização urbana, riachos e reservatórios). A escolha entre as opções de infraestruturas que desempenham a mesma função (como gestão de águas pluviais) pode ter impactos bastante diferentes em termos de cobertura do solo (por exemplo, riachos com vegetação em vez de canalizados em estruturas pavimentadas).

A correlação entre a cobertura do solo e o calor aparece de forma consistente nas cidades e pesquisas nas quais o WRI trabalhou para identificar soluções de resfriamento. A ausência de coberturas de solo mais refrescantes tende a ser observada nos bairros que concentram as populações mais vulneráveis, reforçando a desigualdade na exposição ao calor extremo.

Em Mumbai, a administração municipal considerou as ameaças impostas pelo calor no desenvolvimento de seu primeiro Plano de Ação Climática, que define o compromisso do governo de combater as mudanças climáticas. Uma análise do WRI Índia na cidade revelou uma forte correlação entre a parcela de cobertura de vegetação nos bairros e temperaturas de superfície mais amenas, com uma diferença de 5,5°C entre a temperatura média de superfície nos bairros mais quentes e mais frescos.

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Mumbai mostra uma forte relação entre a cobertura vegetal e a menor temperatura da superfície terrestre. Neste mapa: Índice de vegetação
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Mumbai mostra uma forte relação entre a cobertura vegetal e a menor temperatura da superfície terrestre. Neste mapa: Temperatura da superfície terrestre

Bairros mais frescos e mais verdes em geral abrigam uma parcela maior de moradores de renda mais alta, enquanto os bairros mais quentes com frequência são assentamentos informais.

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Os bairros de Mumbai com uma elevada percentagem de cobertura vegetal registam temperaturas superficiais mais baixas. Neste mapa: Temperatura média da superfície vs. vegetação por distrito

Além disso, bairros com uma maior parcela de residências de telhados de metal – um material de uso comum em assentamentos informais e moradias de pessoas de baixa renda – costumam registrar médias de temperaturas de superfície mais altas. Em torno de 37% dos domicílios de Mumbai possuem telhados de metal e estão expostos a riscos mais altos devido ao calor.

Na cidade de Monterrey, o WRI México descobriu que a correlação entre uma maior cobertura vegetal e temperaturas de superfície mais amenas apresentavam um alto grau de confiança estatística em 22 dos 27 bairros do município.

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Monterrey mostra uma forte relação entre a cobertura vegetal e a menor temperatura da superfície terrestre. Neste mapa: Índice de vegetação
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Monterrey mostra uma forte relação entre a cobertura vegetal e a menor temperatura da superfície terrestre. Neste mapa: Temperatura da superfície terrestre

As descobertas também mostram que as temperaturas de superfície mudam muito entre os bairros, com uma variação de até 11°C. Essa variação é superior a 6°C mesmo considerando apenas os bairros predominantemente urbanos.

Variações desse padrão se repetem em cidades de todo o mundo. As infraestruturas – em particular os tipos de vegetação e superfícies construídas – são fatores cruciais que contribuem para o acúmulo de calor e determinam a forma como ele é sentido pelas pessoas e quais moradores são afetados pelos piores impactos.

A infraestrutura das cidades como solução de resfriamento

No entanto, assim como as escolhas de infraestrutura urbana criaram áreas propícias ao calor extremo, por meio dessas mesmas escolhas é possível tornar bairros e cidades inteiras mais frescas.

Infraestruturas de resfriamento naturais ou construídas podem reduzir a temperatura do ar nas cidades de 3°C a 4°C. A vegetação e as árvores resfriam o ar por meio da evapotranspiração (processo por meio do qual as plantas liberam água no ar) e fornecendo áreas de sombra. Já infraestruturas construídas com reflexão solar, com materiais refletivos usados em telhados, ruas, paredes e outras superfícies construídas, enviam o calor de volta para a atmosfera em vez de deixar que se acumule no nível do chão.

Essas infraestruturas alternativas de resfriamento têm sido cada vez mais consideradas como estratégia para combater o calor extremo. Um número crescente de cidades tem investido em árvores, corredores verdes e outras soluções baseadas na natureza, assim como em telhados refletivos, para ajudar a amenizar o efeito das ilhas de calor urbanas e os impactos do calor extremo.

A cidade de Kochi, na Índia, implementou uma campanha de plantio de árvores para reduzir o calor em bairros vulneráveis, com base nos conhecimentos da comunidade local e em dados geoespaciais.

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Foto: Adam McCullough/Shutterstock

Em Medellín, na Colômbia, mais de oito mil árvores foram plantadas para criar uma rede de espaços verdes na cidade, amenizar o calor, ampliar o acesso à natureza e melhorar a biodiversidade. As autoridades municipais estimam que, depois de três anos, o efeito de ilha de calor urbana em Medellín diminuiu em 2°C.

Junto a organizações não governamentais, a cidade de Ahmedabad, na Índia, desenvolveu diferentes soluções de adaptação climática, e pintou de branco os telhados de 17 mil casas, a fim de reduzir o acúmulo de calor e oferecer apoio para mulheres vivendo em favelas.

Essas mudanças e infraestruturas de resfriamento geram diversos benefícios a um custo muito baixo, usam tecnologias já disponíveis e não reforçam as mudanças climáticas (diferente do que acontece com intervenções mecanizadas, como o ar condicionado).

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Pessoas em um terraço verde em Rotterdam, na Holanda. O aumento da vegetação pode reduzir as temperaturas nas cidades. Foto: R. de Bruijn_Photography/Shutterstock

As infraestruturas de resfriamento oferecem ainda outros benefícios econômicos, ambientais e de equidade, como a redução do consumo de energia, diminuição dos picos de demanda de eletricidade, melhora da produtividade dos trabalhadores, acesso mais igualitário a espaços verdes, ganhos de saúde física e mental e melhora da qualidade do ar e da água.

Resfriamento urbano: da informação à ação

Centenas de cidades ao redor do mundo já testaram soluções para reduzir temperaturas, mas ainda existem milhares de municípios que podem e devem adotar essas estratégias em larga escala. No entanto, planejar, financiar, implementar e monitorar essas soluções ainda é um desafio. E uma das principais barreiras é a falta de dados práticos.

Cidades e empresas estão buscando maneiras de estabelecer metas, priorizar investimentos e monitorar os avanços de forma consistente. Sem esses elementos, a adoção de projetos e políticas continuará lenta demais para salvar vidas. Sem dados, não é possível selecionar e alocar os investimentos para maximizar a relação custo-benefício. As mudanças nas superfícies urbanas não têm sido monitoradas com métodos replicáveis, que possam ter sua escala e adesão ampliadas. Isso limita o financiamento para essas soluções, o qual depende, em parte, justamente dessas métricas.

Esforços como a Smart Surfaces Coalition, o Arsht-Rockefeller Resilience Center, a Cool Cities Network e projetos do WRI como o Data for Cool Cities e a iniciativa Cities4Forests, entre outros, buscam suprir essa necessidade gerando dados locais sobre os riscos do calor e colocando essas informações diretamente nas mãos de tomadores de decisão, oferecendo evidências sobre os impactos de suas escolhas de infraestrutura.

A expectativa é de que os novos dados usados para alimentar ferramentas analíticas possam acelerar a adoção e o financiamento de infraestruturas com o objetivo de amenizar o calor extremo. Com isso, será possível ajudar as pessoas a se adaptarem ao calor mais extremo e reduzir as emissões a tempo de evitar temperaturas ainda mais altas.

Via WRI Brasil.

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Sobre este autor
Cita: Eric Mackres, Gorka Zubicaray e Bina Shetty. "Como resfriar as cidades com o planeta cada vez mais quente" 23 Set 2023. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/1006087/como-resfriar-as-cidades-com-o-planeta-cada-vez-mais-quente> ISSN 0719-8906

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