Precisamos desenhar as cidades em que queremos viver

A ilustração acima é uma imagem famosa do artista Imperial Boy (帝国少年), que trabalha na indústria dos animes. Às vezes eu afirmo que todo o gênero do solarpunk se inspirou nessa imagem. Isso é um exagero, obviamente — algumas pessoas pensaram muito seriamente sobre os princípios de design do solarpunk —, mas a influência e o apelo do design do Imperial Boy são inegáveis. E outras artes solarpunk, embora muitas vezes adoráveis, tendem a não se parecer imediatamente com o tipo de cidades que você gostaria de construir; ou é uma imagem de uma fazenda de alta tecnologia, ou alguma variação de “coloque uma árvore na lateral de cada prédio”.

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Plantar um monte de árvores em prédios é uma ideia popular (e controversa). A premissa é simples — precisamos viver em áreas urbanas densas, mas as florestas são boas, então por que não misturar os dois? Mas quando você de fato faz isso, embora os resultados sejam geralmente bons, de alguma forma parece não capturar a magia da ilustração do Imperial Boy.

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Edifício Bosco Verticale, em Milão, Itália. Cortesia de Caos Planejado

Então, se não são apenas “árvores em prédios”, de onde a imagem do Imperial Boy obtém sua mágica? Olhando com cuidado e tentando analisar o que gosto nele, acho que tem muito a ver com arquitetura, e ainda mais sobre o uso do espaço urbano — sobre como as estruturas na imagem moldam os tipos de coisas que você faria se estivesse lá. Por exemplo, aqui estão cinco coisas que eu gosto:

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© Imperial Boy. Cortesia de Caos Planejado

1) Comércio aberto para a rua, caminhável e em vários níveis. O edifício à direita, que parece ser um tipo de loja, tem um segundo andar para o qual você pode caminhar pelo lado de fora. Parece ter uma varanda no segundo andar e possivelmente outra no terceiro andar, onde estão plantadas várias árvores.

Estes são lugares para os quais você pode caminhar, onde você pode se sentar, admirando a cidade, cercado por uma vegetação agradável — um oásis de calma em uma metrópole movimentada. Não é uma combinação perfeita, mas me lembra o Tokyu Plaza Omotesando Harajuku, que fica em um dos cruzamentos mais movimentados do centro de Tóquio:

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Tokyu Plaza Omotesando. Imagem: Thomas Johnson

Também me lembra um pouco Daikanyama, ou vários shopping centers da moda e praças de estações de trem em cidades japonesas, que tentam integrar muita vegetação ao design.

2) Rio com margem baixa. Os rios urbanos são bons, mas se as margens são muito altas, ainda parece um abismo de concreto, mesmo quando está forrado com as plantas mais bonitas. Aqui está Nakameguro em Tóquio:

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Nakameguro, Tóquio. Imagem: Dennis Amith

Se é possível ter certeza de que o rio não vai transbordar e inundar as lojas, isso é muito agradável.

3) Ruas caminháveis. Há um pequeno espaço aberto com paralelepípedos em frente às lojas, onde uma pessoa pode ficar sentada lendo um jornal ou algo assim. Há várias praças como esta ao redor do mundo; minhas favoritas tendem a ser em Seattle e Vancouver, mas só por diversão aqui está uma foto do Triangle Park em Osaka:

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Triangle Park, Osaka. Imagem: Hslo

De maneira geral, as pessoas gostam de espaços urbanos caminháveis, onde podem passear para fazer compras, sair e ver outras pessoas.

4) Arquitetura variada. Os edifícios de topo redondo na imagem do Imperial Boy são divertidos e exóticos. Mas importante ainda, há muita variação no design das estruturas. Algumas arestas são retilíneas, outras são curvas. Algumas fachadas são lisas, outras são irregulares. Existem vários tipos de janelas.

O arranha-céu ao fundo é realmente muito feio de várias maneiras — suas janelas minúsculas e profundas fazem com que pareça um pouco com uma prisão. Mas como é apenas um elemento da confusão de estilos, você realmente não percebe isso.

Eu não sei muito sobre arquitetura, mas acredito que uma variedade de estilos praticamente sempre supera um estilo uniforme. Na verdade, acho que as áreas residenciais de São Francisco geralmente fazem um ótimo trabalho em termos de mudança de estilo de prédio para prédio:

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São Francisco, EUA. Imagem: Chris Chabot

5) Sombra. É bom sentar e andar na sombra a maior parte do tempo. As árvores na imagem do Imperial Boy são bonitas porque fornecem sombra para as pessoas no nível da rua. Mas um problema com a abordagem solarpunk de “coloque uma árvore ali” é que as árvores não costumam crescer em um ângulo acentuado das laterais dos edifícios. A melhor maneira de criar sombra é fazer com que os prédios tenham muitas saliências e colocar um monte de árvores grandes e espalhadas no nível do solo.

Há mais uma coisa que muitas pessoas provavelmente gostam na cidade que Imperial Boy retrata — ela não é muito cheia. Claro, se você quiser criar uma cidade densa, terá que colocar muitas pessoas em uma pequena quantidade de espaço. Mas as cidades podem ser projetadas para que haja partes lotadas e partes menos lotadas, mesmo perto do centro da cidade. O Japão faz isso bem; os Estados Unidos, nem tanto.

Esse realmente é o segredo da magia do Imperial Boy. Não é uma ficção científica biopunk que mistura folhagem e concreto, nem algum método de construção cyberpunk que cria edifícios em formas improváveis. É apenas um bom design urbano — algo que poderíamos ter agora, se quiséssemos.

Exceto que “se quiséssemos” na verdade significa “se não existisse um enorme conjunto de barreiras institucionais e culturais para um desenvolvimento denso e caminhável e uma arquitetura de alta qualidade”, mas é claro que elas existem.

Então, como nós, enquanto sociedade, podemos desejar cidades densas, caminháveis, bem planejadas e arquitetura urbana de alta qualidade? Acho que precisamos desenhar mais imagens.

Quando as pessoas imaginam densidade, elas tendem a imaginar um lugar famoso (Manhattan) ou a coisa mais próxima disso (um complexo de apartamentos de quatro ou cinco andares com estrutura de madeira). Isso não é muito bom, porque esses são exemplos do que nossas instituições falhas de agora nos permitiram construir, em vez do que poderíamos construir se tivéssemos instituições melhores.

Por exemplo, esses prédios de apartamentos quadrados são construídos dessa forma para maximizar o número de pessoas que podem caber em um terreno, já que raramente um prédio é aprovado (e devido a restrições de altura e/ou excesso de custos de construção). Aqui está uma explicação visual de Alfred Twu:

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Diferentes tipologias de habitação com 150 unidades por acre. Cortesia de Caos Planejado

Nenhum deles vai ficar incrível (os únicos prédios de apartamentos que realmente parecem bonitos por conta própria são pequenos edifícios sem elevador), mas acho que o da Europa é o melhor desses três. Para bairros de alta densidade, é claro, use uma mistura de estilos.

Quando se trata de habitação, uma ferramenta poderosa são os concursos de design. Christopher Hawthorne, diretor de design de Los Angeles, teve uma ideia brilhante de realizar um concurso de design para desenhar imagens de habitações mais densas. O resultado foi Low-Rise L.A., cujos vencedores você pode ver aqui. Aqui está um fio do Twitter e um artigo do Slate.

Isso funciona muito bem para projetos residenciais, porque é fácil capturar a sensação de uma ideia de moradia em uma única arte conceitual ou em algumas imagens. Para as cidades como um todo, é muito mais difícil.

Os Estados Unidos precisam projetar suas cidades ao redor de trens muito mais do que fazem hoje, e muito menos em torno de carros, mas o único lugar realmente focado em trens que temos é Nova York. Manhattan é um bom lugar, mas há várias cidades centradas em trens no mundo que são muito menos agitadas e imponentes.

Você pode olhar fotos desses lugares o dia todo (e de fato deveria), mas todo mundo sabe que eles foram construídos sob um conjunto muito diferente de restrições institucionais e preferências culturais. Uma São Francisco, Houston ou Miami mais densas simplesmente não se pareceriam com Amsterdã, Tóquio ou Paris. Em vez disso, precisamos de mais artistas para desenhar imagens de como seria o futuro dessas cidades, se elas fossem mais densas e com mais transporte público.

Isso é um grande esforço. Um exemplo que conheço, curiosamente, vem de um filme infantil — a cidade fictícia de San Fransokyo, criada para o filme da Disney Big Hero 6. É basicamente uma São Francisco mais densa com alguns estilos pseudo-japoneses, mas parece ótima:

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© Disney. Cortesia de Caos Planejado

Agora, isso pode não parecer exatamente com a futura cidade que você deseja criar. Mas apenas desenhando um monte desses futuros podemos convencer as pessoas de nossas cidades que densidade, transporte e uso misto não transformarão suas cidades em clones de Manhattan ou superblocos distópicos, ou qualquer outra coisa que sua imaginação febril crie sempre que alguém diz a palavra “densidade”.

Para criar o futuro, devemos primeiro sonhar o futuro. As fundações privadas que estão interessadas em políticas pró-densidade deveriam dar muito dinheiro a pessoas como Christopher Hawthorne, que deveria vasculhar o país em busca de uma centena de artistas como o Imperial Boy para desenhar imagens do futuro das cidades americanas.

(Eles não serão tão bons quanto o próprio Imperial Boy, é claro… mas quem é?)

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Cortesia de Caos Planejado

Via Caos Planejado.

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Sobre este autor
Cita: Noah Smith. "Precisamos desenhar as cidades em que queremos viver" 11 Dez 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/992551/precisamos-desenhar-as-cidades-em-que-queremos-viver> ISSN 0719-8906

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