Arinda da Cruz Sobral, a primeira arquiteta brasileira

Por décadas, a história da arquitetura brasileira coroou figuras masculinas como seus grandes representantes, porém, nos últimos anos, podemos observar o crescente número de trabalhos que se dispuseram a identificar as figuras femininas neste campo. “Onde estão as mulheres na história da arquitetura no Brasil?” foi, e ainda é, uma das questões que mais ouvimos como profissionais de história da arquitetura e do urbanismo. Muitas vezes a reposta se volta para os nomes de Lina Bo Bardi e Carmen Portinho, referências fundamentais, mas, ainda assim, podemos nos perguntar quais outras tantas personagens construíram suas trajetórias nesta área?

Com esta proposta em mente, e tentando dar uma resposta aos questionamentos de muitas alunas sobre o assunto, iniciou-se uma investigação em busca de outros nomes invisibilizados historicamente. O ponto de partida foi a Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro que, até a década de 1930, foi a única escola a oferecer o curso de arquitetura no Brasil. Desta forma, foi encontrado o registro da estudante de arquitetura Arinda da Cruz Sobral, que iniciou o curso em 1907 e recebeu o título em 1914. Naquela época, o curso de arquitetura ministrado pela Escola Nacional de Belas Artes não estava integrado ao urbanismo, fato que só ocorreu entre os anos de 1968 e 1969.

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Arinda da Cruz Sobral. Álbum de artistas v. 1, p. 75, 1932. Divisão de Iconografia Fundação Biblioteca Nacional.

Arinda da Cruz Sobral já era formada pela Escola Normal um ano antes de ingressar no curso de arquitetura. Ela fez parte do quadro de professores e professoras da Prefeitura do Distrito Federal e, pelo que se pode observar na documentação, prosseguiu sua carreira como docente no ensino público chegando a ser diretora escolar também. 

Sobre sua vida pessoal, sabe-se que Arinda nasceu em 1883 e era filha de Margarida Perpétua da Cruz Sobral e João José Sobral. Sua irmã, Palmyra da Cruz Sobral, também era professora da prefeitura. A arquiteta e professora se casou em 1923 com João Henrique Belhan, funcionário do Tesouro Nacional, passando a adotar o nome de Arinda Sobral Belham. Ainda se tem notícia de que teve uma filha, Margarida, que faleceu com 6 anos de idade. Ao que parece, através das fontes, Arinda e sua família de origem não pertenciam a uma alta elite socioeconômica da época, mas a uma classe média urbana dos quais muitos membros eram funcionários públicos na então Capital Federal e costumavam orientar seus filhos à profissionalização. O fato pode elucidar as origens e o ingresso da Arinda no curso de arquitetura logo após o término do curso normal. A arquiteta viveu até 1981.

E o que podemos falar sobre a trajetória de Arinda enquanto arquiteta? A estudante foi anunciada em 1911, pela imprensa da época, como primeira mulher a se formar no curso de arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes. Na ocasião, sua vida escolar foi elogiada, fato que pode ser comprovado através dos anúncios nos jornais sobre os resultados dos exames das disciplinas que eram aplicados na escola. Em todos eles, a estudante de arquitetura, recebeu aprovação plena ou com distinção, graus máximos do sistema de avaliação na instituição. Também foi possível recuperar que Arinda participou de exposições e concursos de trabalhos. Em 1908 e 1909, recebeu o segundo e o terceiro lugar no concurso da Aula de Desenho figurado, respectivamente. O trabalho de 1909 foi incluído na Exposição de Trabalhos do ano letivo. 

Importante destacar que a situação da instituição no início do século era complexa. Dificuldades financeiras, críticas com relação ao legado monárquico e aspectos infraestruturais eram os principais elementos daquela crise. A Escola Nacional de Belas Artes estava refazendo sua estrutura pedagógica com a chegada da República e vivendo mudanças externas e internas. Uma delas foi certamente acompanhada pela própria Arinda como a mudança da sede para um prédio na recém-inaugurada Avenida Central, fruto da tão historiograficamente discutida Reforma Pereira Passos. No texto do jornal O Paiz, que noticiou Arinda como a primeira mulher a se formar em arquitetura pela escola, o tom era de legitimação daquela instituição acadêmica. Ao mesmo, parece que o intuito foi revelar que não havia nada de tradicional na escola, pelo contrário, à semelhança da Inglaterra e sua primeira arquiteta, formada em 1904, ali se graduava a primeira arquiteta do Brasil. Portanto, através da figura de Arinda e do curso de arquitetura, a escola buscava constituir sua autorrepresentação de modernidade e do almejado progresso a exemplos das nações consideradas avançadas segundo os padrões e discursos da época.

Apesar de muito provavelmente ter seguido carreira apenas como professora, Arinda também deixou um legado construído. Trata-se da Capela São Silvestre, situada no caminho para o Corcovado na região do Parque Nacional da Tijuca, conhecido mundialmente pela presença da estátua do Cristo Redentor. A capela foi construída antes deste monumento, e a ocasião foi muito celebrada. O lançamento da construção da capela ocorreu no dia 24 de dezembro de 1911 e no dia 31 de dezembro houve a festa de ano novo e comemoração do dia do santo homenageado, São Silvestre. Ambas as celebrações contaram com a presença do presidente da República da época, o Marechal Hermes da Fonseca. Arinda, no lançamento de pedra fundamental na véspera do Natal de 1911, cedeu a colher com argamassa ao presidente, que teria também examinado e aprovado o projeto da arquiteta. A festividade do dia 31 reuniu outras figuras importantes para a historiografia da arquitetura, engenharia e urbanismo, como Souza Aguiar e Ernesto Araujo Vianna. 

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Capela São Silvestre. Foto: Camila Belarmino.

As celebrações do projeto feito por Arinda se estenderam até o dia 20 de janeiro de 1912, quando as obras foram iniciadas. Importante destacar que este dia já era reconhecido como feriado municipal em comemoração ao aniversário da cidade do Rio de Janeiro. Mais uma vez, com a presença de representantes do governo, foram lançadas as pedras de fundação da construção. Uma caixa com bilhetes, jornais da época e com o projeto da edificação foi enterrada naquele momento que, ao som de orquestra e com comes e bebes, deu início à obra, que foi finalizada em 1918. 

Quanto aos aspectos formais deste projeto que ainda hoje pode ser visitado, os relatos descreveram suas características. O uso de pedras locais na base, o formato em nicho, fachada com tijolos com pontas em formato de diamante e parte posterior convexa são alguns dos elementos descritos e atualmente identificados na capela.

Apesar de ter passado por reforma em 2006, a edificação necessita de reparos. Desde o lançamento de sua construção até o ano de 2020, podemos percorrer notícias sobre a construção. São anúncios de missas, matérias sobre festividades e acontecimentos locais, como um incêndio e desmoronamento de barreira que por muito pouco não atingiu a edificação. A capela São Silvestre continua em uso com missas mensais, mas ainda pouco conhecida pelas pessoas de fora da região. A autoria da obra também não é reconhecida.

Os dados podem suscitar inúmeras reflexões sobre Arinda e seu legado. Invisível historicamente, a arquiteta e professora revela o pioneirismo numa formação que hoje é composta em sua maioria por mulheres. Dados do Conselho de Arquitetura e Urbanismo indicam a expressividade da mulher na área: 64% de profissionais registrados no Brasil são mulheres. A trajetória iniciada por Arinda foi depois seguida por outras personagens invisibilizadas como, Danuzia Pinheiro, a segunda arquiteta formada pela Escola de Belas Artes em 1929, seguida por Heloisa Pinto em 1931, Regina de Oliveira e Lélia Oneto em 1932 e mais outras 22 personagens até ano de 1945. Onde estavam essas arquitetas? Certamente construindo suas carreiras, partilhando saberes sobre arquitetura e urbanismo, participando de projetos, congressos, publicações, ocupando cargos públicos, isto é, vivenciando as experiências que estruturaram, e ainda estruturam, o campo da arquitetura. Trazer à tona a memória destas profissionais não é apenas legitimar a presença da mulher na arquitetura, mas também rediscutir a maneira como pensamos as narrativas desta história e perceber as rupturas, e também as continuidades, na luta por relações mais equânimes nessa área.

Sobre este autor
Cita: Camila Belarmino. "Arinda da Cruz Sobral, a primeira arquiteta brasileira" 03 Set 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/987261/arinda-da-cruz-sobral-a-primeira-arquiteta-brasileira> ISSN 0719-8906

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