Como a arquitetura pode contribuir com o ensino?

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Wish School / Garoa. Foto © Pedro Napolitano Prata

A arquitetura escolar tem uma grande importância na criação de ambientes de ensino mais efetivos, principalmente na relação da pedagogia proposta pela escola e espaços mais equitativos. A partir deste pressuposto foi realizada uma pesquisa abarcando quatro escolas nas quais a arquitetura dialoga e contribui com a pedagogia adotada por cada uma delas. 

Os espaços escolares vêm se transformando para se adequarem a uma nova maneira de ver a aprendizagem. Atualmente, muitas das pedagogias inovadoras seguem uma linha holística. A palavra “holística” vem da terminologia “holos”, que significa “todo”. E é exatamente isso que esta forma de educar faz, ela olha o indivíduo por completo, não apenas na parte léxica e do raciocínio lógico, como é o enfoque das escolas tradicionais. Para esta nova forma de educar, o emocional, o autoconhecimento, o relacionamento, a rítmica, entre outros, também são importantes, e isso faz com que haja um respeito maior com os alunos que têm a possibilidade de encontrar suas destrezas e desenvolvê-las. 

Estas pedagogias entendem que o aprender não está restrito à sala de aula, por isso muitas das escolas estão se transformando para se adequarem a esta nova forma de ver o ensino. 

Para o espaço físico de uma escola estar capacitado a contribuir para o desenvolvimento dos estudantes de uma forma holística é necessário que o arquiteto perceba o ambiente – por completo – como potencial de aprendizagem. Isto é, sair da cartilha de mesa enfileirada, quadro negro, professor na frente, entre outros pontos que definem uma escola tradicional, para criar algo novo.

Visando mostrar essa potencialidade do espaço junto a uma pedagogia diferenciada que abarca a diversidade no ensino, foram elencados quatro frentes de análise –natureza, liberdade, equidade e cores– para serem abordadas nos projetos arquitetônicos das seguintes escolas: Projeto Âncora em Cotia (1995 início do projeto, 2012 início da escola, 2020 fim do projeto), Wish School em São Paulo (início em 2008), Builders em São Paulo (início em 1997), Green School em Bali (início em 2008).

O Projeto Âncora, fundado por Walter Steurer e Regina Machado Steurer, foi realizado pela própria Regina, arquiteta que já tinha uma trajetória com atuação social, trabalhando com movimentos sociais de moradia. O projeto surgiu como contraturno escolar, ou seja, oferecendo cursos extracurriculares com o propósito de complementar o ensino regular. Em 2012, com a ajuda de José Pacheco (idealizador da Escola da Ponte), se transforma em uma escola que tem como base a pedagogia da Escola da Ponte. Esta permite uma maior liberdade para os alunos, que criam seus roteiros de estudos junto com o professor e, sozinhos, se organizam para cumprir seus objetivos. O amplo espaço da escola e sua arquitetura contribuem para que esta liberdade seja efetiva, pois permitem uma variedade de usos e possibilidades.

Há também um circo, que se encontra na parte central do terreno. Ele atua como um elemento muito importante, pois de forma lúdica propicia um grande desenvolvimento das crianças, ensinando a autodisciplina e permitindo o desenvolvimento motor. Segundo Regina Steurer, o circo funciona como uma Ágora, que é o ponto de encontro das pessoas e onde acontecem todas as assembleias, reuniões e festas. No seu entorno tem uma horta que é utilizada para o aprendizado das crianças e também para o abastecimento da cozinha. Por todas estas qualidades e por sua localização, pode-se dizer que o circo é o coração da escola.

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Planta do subsolo do Projeto ncora. Base fornecida pela Regina Steurer com modificação pela Rafaela Ferreira
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Planta do térreo do Projeto ncora. Base fornecida pela Regina Steurer com modificação pela Rafaela Ferreira
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Planta do primeiro pavimento do Projeto ncora. Base fornecida pela Regina Steurer com modificação pela Rafaela Ferreira

A Wish School foi criada pela professora Andressa Lutiano, e a pedagogia da escola sofreu diversas modificações ao longo dos anos, a ponto de a primeira sede não conseguir mais abarcar o novo formato de ensino. Então, a escola transfere sua sede para um galpão reformado pelo grupo Garoa. 

O novo projeto arquitetônico propiciou liberdade aos alunos ao criar diversas maneiras de se chegar a um mesmo espaço. Ou seja, as salas têm mais de uma porta, o acesso de um patamar ao outro pode ser feito por diversas escadas ou por rampa, também se tomou o cuidado de não criar corredores. Todas estas medidas permitem que o usuário circule de forma livre e contínua sem precisar dar meia volta nos ambientes. Outro elemento arquitetônico que interfere na circulação é a cor, pois ao utilizar cores vibrantes e contrastantes nos espaços é facilitada a localização dos móveis e portas, além de se diferenciar o piso da parede e do teto para as pessoas com baixa visão.

 A maior liberdade espacial também é gerada pelo uso dos painéis pivotantes que, devido à sua rotação, permitem que espaços com distintas medidas sejam gerados. A porta camarão, associada a variação de pé direito (devido às distintas posições das lajes), ao ser completamente aberta permite integrar um ambiente ao outro, e ao se fechar gera um espaço menor e mais intimista. Todas estas variações permitem que o espaço se adeque às atividades que serão realizadas com as crianças.

Neste projeto, a equidade por condição física é abordada ao se dar mais de uma possibilidade para se realizar uma mesma função: a escada e a rampa, a pia alta e a pia mais baixa, entre outros elementos. Além dessa forma de abarcar uma maior variação de condições físicas, o uso de cores contrastantes também cumpre este papel, pois permite que pessoas com níveis diferentes de visão consigam circular com maior facilidade pelo ambiente. Entretanto, é importante destacar que a equidade em uma escola não deve se limitar à parte física, visto que outros aspectos, como a forma de pensar e aprender também são diversificados e precisam ser considerados com cuidado. Por isso, apesar de ter um tema separado para equidade, esta também passa pelas outras frentes de estudo propostas: Liberdade, Natureza e Cores. 

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Planta térreo da Wish School. Cortesia de Grupo Garoa
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Planta pavimento superior da Wish School. Cortesia de Grupo Garoa

A escola Builders foi criada pelas irmãs Ana Lúcia, Ana Célia e Ana Paula Assem Mustafá. Como a instituição foi crescendo ao longo do tempo, exigiu diversas mudanças de sede. A atual foi reformada pelo escritório Nitsche Arquitetos. O foco foi a criação de espaços mais amplos e a integração entre os ambientes. Além do projeto espacial, o escritório também realizou o projeto gráfico da escola. Todas as sinalizações foram feitas de forma inusitada na própria construção, utilizando muitas cores para sua visibilidade e para ajudar a passar a mensagem.

A Builders tem como um dos seus pilares a questão da sustentabilidade, por isso muitos tons verdes são utilizados em diversos espaços para facilitar a transmissão deste valor aos seus frequentadores, como é o caso do Hall o qual tem estampado em suas paredes os princípios da escola. O verde também gera um estado de tranquilidade, por isso é muito recomendado em espaços de estudo.  A cor, além da capacidade de contribuir para transmitir uma mensagem, cria uma atmosfera. A Builders usufrui desta capacidade em diversos momentos, como ao colocar a cor azul no teto do pergolado, utilizando-se de cor-luz para a criação de uma ambientação. O azul estimula a imaginação e este pergolado fica na parte onde as crianças menores brincam, ambiente onde a imaginação é fundamental.  

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Planta do subsolo da Builders. Base fornecida pelo escritório Nitsche arquitetos
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Planta do térreo da Builders. Base fornecida pelo escritório Nitsche arquitetos
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Planta do primeiro pavimento da Builders. Base fornecida pelo escritório Nitsche arquitetos
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Planta da cobertura da Builders. Base fornecida pelo escritório Nitsche arquitetos

A última escola é a Green School, que se difere das outras por não se localizar em São Paulo, mas em Bali, na Indonésia. Ela foi criada pelo casal John Hardy, canadense, e Cynthia Hardy, americana. Projetada pelo escritório Ibuku, a escola foi criada com uma grande preocupação na questão ambiental, por isso muitas das aulas seguem este viés. Mas a escola não fica apenas no campo teórico, vai também para o campo prático: os banheiros são secos gerando compostagem dos dejetos, o uso da energia é solar, além dos diversos projetos realizados pelos próprios alunos para contribuir para um mundo mais sustentável. 

A escola é inserida em um rico ambiente natural e para aproximar as crianças desse ambiente, as construções não possuem paredes. Essa decisão projetual vai além de permitir uma inserção do aluno na natureza e se amplia para os outros valores da escola que são: liberdade e o incentivo ao gosto pelo aprender. 

A liberdade é trabalhada no projeto arquitetônico, pois devido à ausência de paredes convida os alunos a entrar ou sair das aulas, cabendo a eles esta decisão. A abertura total da sala de aula também gera o convite e o incentivo ao aprender, pois o aprender está ligado à curiosidade, e no momento em que se deixa tudo à vista o aluno poderá ver o que está acontecendo nas salas de aula e ter o seu interesse despertado em participar da atividade. Pelo fato de estar tudo aberto ele saberá que não terá impedimento em entrar e participar. Isto está alinhado com a pedagogia e a forma de ensinar e pensar da escola, pois os alunos têm a liberdade de escolher quais cursos vão querer fazer. Essa fluidez facilita a comunicação entre professor e aluno gerando uma relação mais descontraída, sem hierarquia e de maior igualdade. 

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planta da Green School., IBUKU. Cortesia de PT Bambu

Após percorrer esta trajetória, é notório que o arquiteto que tem consciência de que suas decisões em um projeto, ou reforma, influenciarão na forma que os alunos vão aprender, tem nas mãos o poder de potencializar a pedagogia e assim, ampliar a capacidade de ensino através da arquitetura, permitindo que esta possa alcançar uma maior diversidade de pessoas. 

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Escola Verde / PT Bambu. Cortesia de PT Bambu

Esta pesquisa, longe de fazer uma busca exaustiva nas soluções arquitetônicas educacionais, lança luz sobre projetos bem-sucedidos para que os arquitetos possam a partir destes fomentar sua criatividade e criar suas próprias soluções. A partir dos projetos das escolas analisadas, constatou-se que pensar de forma criativa nas quatro frentes: Liberdade, Equidade, Natureza e Cor, contribui de uma forma efetiva para que os aspectos pedagógicos e alunos sejam contemplados. 

Isto posto, é importante que o arquiteto compreenda a pedagogia que será utilizada para poder criar as especialidades necessárias para ela acontecer e, assim, usar a criatividade para deixar o ambiente lúdico e confortável para que o aprender seja como deve ser: prazeroso e encantador. 

Referências bibliográficas

Este ensaio é fruto do trabalho de conclusão de Curso “Caminhos para uma arquitetura escolar", com orientação da professora Maira Rios disponível na Biblioteca da Escola da Cidade.

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Sobre este autor
Cita: Rafaela Ferreira. "Como a arquitetura pode contribuir com o ensino?" 18 Jul 2022. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/984095/como-a-arquitetura-pode-contribuir-com-o-ensino> ISSN 0719-8906

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