Como os biomateriais de construção podem ajudar a enfrentar a crise climática?

As mudanças climáticas podem ser consideradas uma das maiores ameaças atuais à sobrevivência da humanidade, sendo resultado do aquecimento global que é causado pelo aumento das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), em que o dióxido de carbono (CO2) é o principal deles. No mundo, as edificações foram responsáveis por cerca de 40% emissão de CO2, considerando emissões diretas, indiretas e incorporadas (no ciclo de vida dos produtos de construção) para o ano de 2018 (UNEP, 2019). Ao mesmo tempo, como é um setor que consome e ainda consumirá grande quantidade de materiais para superar o grande déficit habitacional existente, em muitos países, pode ser visto como um setor chave, servindo como uma oportunidade para ajudar o enfrentamento às mudanças climáticas. Para isso, um dos principais caminhos é o incentivo para o uso de biomateriais.

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Biomateriais podem ser definidos como aqueles de origem biológica, sendo os mais empregados na arquitetura e construção civil: madeira, bambu, plantas na forma de coberturas, fachadas e muros e outras fibras naturais como o sisal, cânhamo, linho, etc. 

Em um recente estudo publicado na Nature (CHURKINA et al. 2020) estima-se que uma adoção agressiva no uso de biomateriais estruturais nas edificações a ser empregado em novas construções, em todo o mundo, entre 2020 e 2050, tem o potencial de estocar de 7 a 60 GtCO2.  Além das estruturas, os biomateriais podem ser empregados em diversos elementos de uma edificação: paredes, revestimentos e até mesmo mobiliários. 

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Projeto arranha-céu de madeira – Japão. Imagem © Sumitomo Forestry Co.

A importância das mudanças climáticas na agenda de diversos países no mundo tem levado ao desenvolvimento de projetos de edificações cada vez mais arrojados com o uso de maior quantidade de biomateriais, com o objetivo de construir edificações de muitos pavimentos (podendo chegar até a “arranha-céus”), especialmente com a maior difusão da madeira cruzada laminada (cross laminated timber CLT).  

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Edifício de madeira - Suécia. Imagem © Nikolaj Jakobsen

No Japão, o W350 Projec tem o objetivo de construir um arranha-céu de 340 metros de altura com estrutura de madeira até 2041. O escritório C.F. Møller Architects finalizou o edifício de madeira mais alto da Suécia, com mais de 8 pavimentos composto de madeira maciça e madeira laminada colada (MLC). No Brasil, um projeto bastante interessante que faz um uso otimizado e inteligente dos biomateriais é o Moradias Infantis dos escritórios Rosenbaum® + Aleph Zero, que recebeu prêmios importantes. 

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Projetos moradas infantis. Imagem © Leonardo Finotti

No guia sobre construções verdes publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem muitos exemplos com o uso de biomateriais, principalmente para casos no Brasil e na América Latina. O guia também mostra as principais vantagens, desvantagens e o que é preciso considerar quando se pensa em construir com esses materiais. O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) publicou um estudo especial que apresenta o papel do uso de biomateriais como uma das formas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A partir deste contexto, será apresentada as principais contribuições que os biomateriais de construção podem trazer para ajudar no enfrentamento às mudanças climáticas.

1. Emitem menos gases de efeito estufa em sua produção e ciclo de vida

Os biomateriais tendem a ter uma menor pegada de carbono, e, assim menor emissão de GEE durante a sua produção (PBMC, 2018). Por um lado, podem ser utilizados produtos menos industrializados, como madeiras maciças, roladas e colmos de bambu, que possuem pouco processamento. Por outro, quando são empregados produtos em grande escala, como madeira e bambu laminados, chapas e painéis, etc. são produtos normalmente com uso de processos mais modernos quando comparados à indústria de cimento, aço e cerâmica, que normalmente são processos de alta intensidade energética e majoritariamente de origem fóssil. 

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Uso da madeira aparente projeto Nest We Grow. Imagem © Shinkenchiku-sha

O acabamento com alguns biomateriais, como a madeira e bambu são esteticamente bastante agradáveis, ainda mais em projetos biofílicos, que está se tornando uma prática cada vez mais procurada no mercado. Nessa ótica, o uso desses materiais de forma aparente, sem o uso de revestimentos (a não ser aqueles de proteção contra a umidade e fogo, que vai depender onde o material será utilizado) tende a gerar economia e redução do consumo e produção dos materiais que iriam no revestimento. 

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Uso da madeira aparente. Imagem © Takumi Ota Photography

Nos casos em que é necessário colocar alguma proteção, dê preferência por revestimentos transparentes ou translúcidos, como o vidro e o policarbonato, respectivamente, para mostrar que a madeira ou algum outro biomaterial foi utilizado ali! Os projetos dos arquitetos Kengo Kuma e Shigeru Ban são famosos por usar estas premissas. 

No entanto, para a escolha mais ambientalmente vantajosa um estudo de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) e/ou Pegada de Carbono deve ser realizado!

2. Sequestram e armazenam CO2

Os biomateriais conseguem sequestrar o dióxido de carbono (CO2) de forma natural, pelo processo da fotossíntese e armazenar em sua biomassa. Como o CO2 é o principal GEE, remover ele da atmosfera e estocar, de forma gratuita, é uma solução bastante inteligente, não é mesmo? 

A madeira e o bambu conseguem armazenar em média de 1,5 a 2,0 kg de CO2 por kg de material. Mas para que esse CO2 fique armazenado e contribua para a mitigação do aquecimento global é preciso atentar para o fim de vida que será dado ao biomaterial. Por exemplo, se ele for queimado (o que acontece em muitos dos casos), todo o CO2 absorvido retornará à atmosfera. Portanto, o processo de extensão da vida útil, reutilização e reciclagem no fim de vida devem ser incentivados, indo ao encontro do que prega o modelo de Economia Circular. O uso de materiais de outras edificações, como portas e janelas, ou outras indústrias, como os paletes de madeira, também deve ser estimulado!  

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Pavilhão circular com portas de madeira reutilizadas. Imagem © Cyrus Cornut

Outro item importante quando pensamos no sequestro e armazenamento de CO2 é a importância da gestão e manejo das florestas ou plantações que originam esse biomaterial. É comum quando se fala principalmente da madeira haver uma confusão sobre sua origem, fazendo relação com os desmatamentos que ocorrem em biomas ameaçados, como o da floresta amazônica. No entanto, tanto a madeira (engenheirada) como o bambu utilizados em grande escala são normalmente obtidos de florestas plantadas, que de preferência, devem ser desenvolvidas em áreas degradadas, sendo uma alternativa regenerativa e podendo ser um incentivo para uma bioeconomia. Existe também no mercado selos de certificação da madeira e outros produtos, como o Forest Stewardship Council (FSC), que possibilita que todo seu processo de extração e produção sejam rastreados. Esse tipo de selo apresenta ao comprador/consumidor a origem da madeira, mostrando que não houve degradação ambiental na cadeia produtiva de dado produto e auxilia para o desenvolvimento socioeconômico das comunidades florestais.

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Pavilhão de paletes de madeira reutilizados. Imagem © URBAN MATTERS by MINI, CreatAR Images

 O Brasil, por ser um país de grandes áreas territoriais e clima majoritariamente tropical e subtropical, e com uma parcela significativa de áreas degradadas pode encontrar uma grande oportunidade para o incentivo no uso de biomateriais no setor de construção. 

3. Aumentam a eficiência energética dos projetos

Um item importante para melhorar a eficiência energética de projetos de edificações é saber o desempenho térmico dos materiais utilizados, principalmente na envoltória (fachadas, cobertura e pisos). 

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Fachada Carabanchel Housing – Espanha. Imagem © FAG, AGG

Dentre as diversas propriedades dos materiais, a condutividade térmica é uma das mais importantes quando pensamos em eficiência energética, pois ela representa a habilidade dos materiais de conduzir energia térmica. Ou seja, quanto maior a condutividade, maior a transferência de calor, o que pode levar a um aquecimento (ou até mesmo um resfriamento nos casos de invernos severos) levando a um consumo de energia para climatização artificial e, consequentemente mais emissões de GEE. Os biomateriais, como a madeira e o bambu possuem condutividade térmica em torno de 0,2 W/m.K enquanto o aço, cerâmica e concreto esses valores são mais elevados, 55 W/m.K,  0,9 W/m.K e 1,8 W/m.K, respectivamente, de acordo com a  ABNT NBR 15220-2:2005.

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Fachada Casa Firjan – Rio de Janeiro. Imagem © Monique Cabral

Além disso, podem ser pensados para serem empregados como elementos de sombreamento móveis como brises “camarão”, como é o caso das fachadas do projeto Carabanchel Housing na Espanha que utilizou bambu e a da Casa Firjan no Rio de Janeiro que fez uso da madeira. 

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Concreto de cânhamo. Imagem Cortesia de BC architects

Em um cenário em que a temperatura média do planeta será cada vez maior, devido às mudanças climáticas, será ainda mais importante especificar materiais com um bom desempenho térmico. Em países europeus é visível o crescimento de pesquisas com o estudo de biomateriais alternativos, de rápido crescimento e de bom desempenho térmico como o cânhamo e a palha. 

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Uso da palha como material de construção. Imagem cortesia de Ecococon via Cradle to Cradle

No Brasil, algumas pesquisas tem sido realizadas com o desenvolvimento dos chamados bioconcretos que empregam diferentes biomateriais, inclusive utilizando resíduos como serragem de madeira, casca de arroz e sobras de bambu misturados com materiais cimentícios. O Núcleo de Ensino e Pesquisa em Materiais e Tecnologias de Baixo Impacto Ambiental na Construção Sustentável (NUMATS) é um dos principais centros científicos do país que tem abordado este tema, inclusive avaliando qual a pegada de carbono desses materiais.

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Bioconcreto de bambu. Imagem via: Vanessa Andreola

Considerações finais 

Como todo o material, os biomateriais também têm suas desvantagens sendo as principais: à segurança ao fogo e a durabilidade (principalmente à relacionada a ataques biológicos). Nessa perspectiva, os projetos devem considerar essas características e pensar em estratégias para aumentar a vida útil desses materiais quando são utilizados nas edificações (principalmente para os casos de uso externo, como fachadas e cobertura), garantir as condições adequadas de segurança e realizar estudos de pegada de carbono. 

A combinação desses biomateriais com outros materiais como o concreto, aço, cerâmica, plástico, vidro, etc. é uma alternativa que tende a ser bastante promissora pois é possível aproveitar as melhores características de cada um, resultando em um projeto mais eficiente e otimizado. 

Com o aumento da difusão dos biomateriais no setor da arquitetura e construção civil podemos vislumbrar uma possível alternativa para combater as mudanças climáticas, que em muitos lugares já está mostrando seus impactos devastadores. Países que ainda terão um grande crescimento populacional e, consequentemente demanda por novas construções, como aqueles localizados nos continentes africano, asiático e da América Latina, podem aproveitar desta característica como uma oportunidade para construir com biomateriais e estocar a maior quantidade possível de CO2 e ao mesmo tempo melhorar as condições de conforto nas edificações.  O caminho talvez não seja a construção de arranha-céus e competição para quem faz a edificação mais alta e sim o uso consciente e racional desses biomateriais. 

Referências 
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: Desempenho Térmico de Edificações. Parte 2: Método de cálculo da transmitância térmica, da capacidade térmica, do atraso térmico e do fator solar de elementos e componentes de edificações. Rio de Janeiro, 2005.
CHURKINA, G., et al., 2020.  Buildings as a global carbon sink. Nature sustainability, 2020.
UNEP, 2019. Global Status Report for Buildings and Construction. Towards a zero-emissions, efficient and resilient buildings and construction sector, 2019. Towards a zero-emission, efficient, and resilient buildings and construction sector.

Lucas Rosse Caldas é engenheiro civil, ambiental e sanitarista. Doutor em Egenahria Civil (PEC/COPPE/UFRJ). Pesquisador do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Materiais e Tecnologias de Baixo Impacto Ambiental na Construção Sustentável (NUMATS). Professor na Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente da COPPE/UFRJ e ministra cursos sobre construções e cidades sustentáveis no Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ). Consultor do selo de certificação de edificações sustentáveis EDGE Buildings.

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Sobre este autor
Cita: Lucas Rosse Caldas. "Como os biomateriais de construção podem ajudar a enfrentar a crise climática?" 14 Out 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/949108/como-os-biomateriais-de-construcao-podem-ajudar-a-enfrentar-a-crise-climatica> ISSN 0719-8906

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