Angola informal: um olhar sobre os musseques de Luanda

Este artigo é um exercício de observação e análise das diferentes formas de ocupação e uso do solo em tecidos urbanos informais ou autoproduzidos nos arredores de Luanda, e sua relação com o centro urbano consolidado da capital angolana.

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Luanda, com quase 10 milhões de habitantes, um terço da população de Angola, viu sua infraestrutura ficar defasada em relação ao vertiginoso crescimento urbano resultado do êxodo rural. O aumento da população gerou bairros informais, musseques, espraiados horizontalmente, sem quaisquer plano de ocupação, que gravitam em torno do centro urbano.

Escala Metropolitana. Image © Ilídio Daio

Musseque, nome que deriva de uma língua local “Kimbundu” que significa terra vermelha, são bairros periféricos suburbanizados, ou de urbanização progressiva, que podem ser classificados em ordenados, passíveis de se ordenar com instrumentos de ordenamento do território, ou desordenados, de difícil ordenamento face a sua densa e caótica ocupação. Ainda mais agora com a Pandemia do COVID -19 redobram-se as preocupações face a excessiva densidade populacional e falta de saneamento básico.

Os musseques quase sempre foram espaços de exclusão sócio espacial, desde do séc. XVIII quando da primeira configuração urbana da cidade. As famílias autóctones antigas viviam em musseques nas margens do velho centro da cidade, onde as Igrejas desempenhavam um papel de charneira e remate, como por exemplo a Igreja do Carmo e a Igreja da Nazaré. Eram musseques ordenados com vias em terra batida e de traçado regular.

Mercado do São Paulo

Mercado do São Paulo. Image © Ilídio Daio

A avenida Senado da Câmara que poderia ser a primeira circular de Luanda, claramente demarca, num raio de 5km do centro, a fronteira entre a cidade do asfalto (cidade colonial) e os musseques. No cruzamento entre Av. Senado da Câmara e a Av. Ngola Kiluange, localiza-se uma intensa actividade comercial, sendo o Mercado do São Paulo o seu ex-líbris.

Merado do São Paulo e o Mercado informal "Arreiou Arreiou". Image © Ilídio Daio

Do lado oposto estão os armazéns da Gajajeira que sustentam um frenético mercado de rua informal – “Arreiou Arreiou “, mercado esse que funcionava nos passeios da avenida e que rapidamente se estendeu para a estrada criando sistemáticos engarrafamentos. Podemos ainda observar edifícios habitacionais do movimento moderno em acelerado processo de deterioração não só por falta de manutenção e sobrelotação, mas também pela anarquia do uso, em particular o “Prédio do Livro” do São Paulo, de forte influência arquitetônica Corbusiana relembrando a Unité d’Habitation de Marselha.

Mercado do São Paulo. Image © Ilídio Daio

Os candongueiros, que são transportes públicos semi formais, meio de locomoção da esmagadora maioria dos Luandenses que vivem nas periferias, vêm também contribuir para anarquia, “infestando” as artérias principais já congestionadas, á beira de um enfarte. Posicionam-se em pontos estratégicos com uma inteligência urbana de maior fluxo e concentração de pessoas, propiciando o surgimento comércio informal que vem acrescentar ainda a anarquia.

Bairro Tunga Ngó

Bairro Tunga Ngó. Image © Ilídio Daio

O nome do bairro surge da língua local Kimbundu que significa ”constrói só”. trata-se de um bairro autoconstruído ao longo da linha do caminho-de-ferro. Deparamo-nos com um mercado informal linear ao longo da linha férrea que é a principal fonte de renda das famílias deste bairro.

Bairro Tunga Ngó. Image © Ilídio Daio

Bairro Iraque

Bairro Iraque. Image © Ilídio Daio

Surge no decorrer da construção do complexo habitacional Mass housing model - “Projecto Nova Vida”. É gritante o contraste tipológico e urbanístico entre os dois aglomerados separados por uma via estruturante.

Grande parte dos habitantes do Bairro Iraque trabalha no Projecto Nova Vida como motoristas, empregadas domésticas, jardineiros, etc.

Bairro do Caputo – Congolenses

Bairro do Caputo. Image © Ilídio Daio

É um bairro de charneira entre a cidade do asfalto e o musseque. É notável o contraste na densidade de construção entre os blocos habitacionais de 4 pisos com os seus logradouros e as moradias autoconstruídas com acessos labirínticos e sem espaço público.

Bairro do Caputo. Image © Ilídio Daio

Entre ambas as realidades urbanísticas surge o famoso triângulo dos congolenses que é um terminal de transportes públicos e candongueiros.

Armazéns das Gajajeiras

Armazéns das Gajajeiras . Image © Ilídio Daio

Área predominantemente comercial, onde o comércio informal coexiste numa interessante interação dicotômica e de complementaridade.

Armazéns das Gajajeiras. Image © Ilídio Daio

Este é um dos pólos abastecedores do mercado informal ambulante em Luanda. Verifica-se uma forte densidade de ocupação dos usos logísticos e comercial.

Bairro Marçal

Bairro Marçal. Image © Ilídio Daio

A Avenida dos Combatentes, uma das principais avenidas de penetração à cidade, descontinua o seu traçado a 3 km do centro com o surgimento do 1º cinturão de musseques, sendo o Bairro Marçal o mais paradigmático.

Outrora ordenado, onde famílias importantes do nacionalismo angolano viveram, assistiu a uma acelerada densificação devido ao êxodo rural. O bairro tornou-se totalmente inóspito, insalubre com densidades na ordem das 500 pessoas por hectare.

Bairro Marçal. Image © Ilídio Daio

Podemos ver a diferença da densidade habitacional ao longo das avenidas com os edifícios mistos de 8 pisos com galerias comerciais no piso térreo, atribuindo uma escala de cidade à via, e as moradias em banda contínua entre avenidas, com uma escala marcadamente mais habitacional.

No Musseque Marçal verifica-se uma desregrada densificação sistemática com a construção de vários edifícios anexos, subtraindo ainda mais os já residuais espaços abertos. Em casos pontuais a densificação é na vertical.

Pode ver-se moradias antigas enclausuradas por novas construções (anexos, alpendres). Os pouquíssimos espaços públicos são os pátios de acesso às moradias, que funcionam também com hall de distribuição, estão interligados por uma rede complexa de becos labirínticos.

Bairro do Rangel (vista para o CBD)

Bairro do Rangel. Image © Ilídio Daio

É o extremo do caos e da altíssima densidade (700 pessoas por hectare), alta e desordenada ocupação, ausência de saneamento básico, falta de espaços públicos e áreas verdes, resultando num mega quarteirão, onde os exíguos espaços vazios são as vias terciárias de acesso com alguns serviços e comércio desempenham um papel fundamental.

As moradias típicas do bairro, em madeira, foram construídas nos anos 50 para acomodar a uma emergente classe operária. Hoje as moradias são normalmente em blocos de cimento, resultantes de aumentos de área da moradia original, numa média de 80 m2 e 8 pessoas por fogo.

Bairro do Rangel. Image © Ilídio Daio

Destaca-se numa "ilha" verde o Hospital Central Américo Boavida, um equipamento público de referência, que no seu recinto alberga as restante áreas arborizadas do bairro.

Bairro do Rangel (vista para as periferias)

Bairro do Rangel. Image © Ilídio Daio

Vislumbra-se ao fundo bloco habitacionais de 4 pisos ao longo da Av. Hoji ya Henda. Os famosos mega quarteirões de ocupação anárquica muito densa, com uma rede capilar de becos labirínticos que culminam no pátios. 

Bairro de lata – Boavista

Bairro de lata – Boavista. Image © Ilídio Daio

De extrema pobreza urbana, este bairro está constituído maioritariamente por casebres de chapas de zinco, edificados em áreas de risco de derrocada e em lixeiras.

Em contraste ao fundo deparamo-nos com o Porto de Luanda, uma extensa área logística “Base da Sonils”, e armazéns obsoletos, áreas de intensa actividade económica. Próximo deste bairro existiu um dos maiores mercados informais ao ar livre de África, o Mercado do Roque Santeiro.

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Sobre este autor
Cita: Ilídio Daio. "Angola informal: um olhar sobre os musseques de Luanda" 06 Abr 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/936949/angola-informal-um-olhar-sobre-os-musseques-de-luanda> ISSN 0719-8906

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