O que são cidades inteligentes dentro da realidade brasileira?

Smart Cities, ou as cidades inteligentes, estão cada vez mais em evidência, mas dificilmente sabemos descrever exatamente o que são.

Seriam cidades que conseguem adotar, de forma descentralizada, o conjunto de novos aplicativos de diversos provedores voltados a serviços urbanos que cada vez mais estão presentes no nosso dia a dia?

Ou então aquelas que contratam uma grande empresa para gerenciar e monitorar todos os serviços urbanos da cidade, como um grande centro de comando?

Estariam os chineses implementando cidades inteligentes no momento em que usam tecnologia e big data para monitorar seus cidadãos?

Songdo, um distrito na Coreia do Sul, se propôs a implementar os conceitos de Smart Cities em um grande projeto em uma nova região da cidade. A 12 km do aeroporto de Seul, a área de 1 mil hectares foi lançada em 2002, com a meta de atingir 300 mil habitantes em 13 anos, com solução integrada da Cisco.

Parque central de Songdo, Coreia do Sul. Imagem: Baron Reznik/Flickr

16 anos depois, Songdo foi um grande fracasso: com apenas 70 mil habitantes e investimento de 40 bilhões de dólares.

O mesmo vale para Masdar, uma “smart city” construída no meio do deserto de Abu Dhabi, que até hoje permanece vazia.

Esse exemplo nos faz lembrar de algumas coisas: adensamento demográfico não é algo que se gera, é algo que se permite acontecer a partir de uma demanda já existente por território, e que cidades não são feitas de tecnologias ou prédios, mas de pessoas com necessidades muito simples.

Necessidades mais simples do que se imagina: moradia adequada, saneamento básico, meios de transporte adequados, acessibilidade ao mercado de trabalho e serviços. É possível atingir isso sem fibra ótica, aplicativos de celular ou centrais de comando.

Antes de pensarmos em tecnologias futuras, gostaria de lembrar que a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) ainda tem centenas de milhares de pessoas morando em favelas, concentrando quase 5% das favelas do Brasil. Mais de 11% dos moradores de Belo Horizonte, ou mais de 300 mil dos seus cidadãos, vivem em condições precárias, sem acesso ao mínimo de infraestrutura e serviços. Somam-se ainda outras centenas de milhares em moradias que chamo de semi-formais, com título de propriedade, mas sem seguir as regras que incidem sobre o seu terreno.

A capital mineira ainda tem um índice de acessibilidade a moradia preocupante, mesmo em uma realidade brasileira que, em geral, está longe de ser positiva. Este gráfico mostra a razão entre o preço médio de imóveis listados pelo índice FIPE/ZAP e renda média familiar das maiores capitais brasileiras: no caso de Belo Horizonte, o cidadão precisa, em média, gastar quase 12 vezes o seu salário anual para comprar um imóvel, o que evidencia a sua falta de acessibilidade.

Dados: FIP/ZAP e IBGE

A RMBH também é espraiada no território. A mancha urbana, visível por imagem de satélite, é assustadora. Nos faz refletir sobre as decisões de planejamento que tomamos para a cidade. Alguns dirão que é resultado da falta de planejamento, da falta de regulação. No entanto, sabemos que a regulação incide sobre esse território, afetando a decisão de onde empreendimentos, moradias e negócios serão localizados desde a própria fundação de Belo Horizonte, considerada uma cidade planejada. Ainda, se fôssemos fiscalizar estas ocupações informais, removendo-as ou exigindo os mesmos padrões que vemos no mercado formal, geraríamos um desastre do ponto de vista social, ou seja, uma alternativa impensável.

Outros dizem que a cidade cresceu demais, mas se tem uma variável que não é controlada, seja planejador ou o gestor público, é o tamanho da cidade: não há um momento da cidade que fechamos a porta, giramos a chave e impedimos que pessoas entrem. Aliás, o objetivo deve ser justamente o contrário: como podemos tornar a cidade mais atraente e mais acessível, gerindo um crescimento de forma sustentável.

O que fica talvez mais evidente ao observar a mancha urbana é que o impedimento da construção de uma unidade de moradia na região central gera um efeito em cascata de espalhamento urbano. Ou seja, uma unidade que deixa de ser construída na região central não some, mas vai para mais longe.

Imagem de satélite da mancha urbana da região metropolitana de Belo Horizonte. NASA – Paulo Nespoli/Flickr

Isso faz com que a região metropolitana cresça mais do que a própria capital. Belo Horizonte é o epicentro econômico da região, concentrando a demanda por espaço, mas sem possibilitar a expansão adequada de espaço construído para abrigar as pessoas que nela desejam morar. Cidades não fogem da regra econômica básica da oferta e demanda: se não possibilitamos oferta suficiente para uma demanda crescente, preços vão aumentar ou alguns ficarão de fora desse mercado.

A urbanização dispersa gera altos custos de infraestrutura. Se há aqueles que argumentam que não é possível adensar as regiões centrais por ausência de infraestrutura adequada, é preciso reconhecer que o custo de infraestrutura e de serviços públicos nas periferias é substancialmente maior. Ou seja, a alternativa ao adensamento em áreas centrais é o adensamento periférico.

E se moradores da região central não gostam de ver a transformação do seu ambiente construído com mais prédios, mais pessoas ou mais trânsito, devem reconhecer que o ambiente natural do seu entorno está sendo devastado de forma muito mais agressiva, com uma mancha urbana de baixa densidade consumindo áreas verdes nas periferias.

Estes quatro gráficos mostram a relação entre densidade demográfica e a distância do centro de quatro cidades: Nova York, Londres Cingapura e Xangai.

Cidades que cresceram respondendo à demanda por uso do solo tem densidades maiores nas regiões centrais e que diminuem à medida que se distancia do centro. É uma característica normal já que representa a atratividade natural das áreas centrais em relação às periferias.

Belo Horizonte tem uma curva de densidade quase plana, refletindo seu espalhamento no território. Isso significa que, embora contra intuitivo, densidades no Contorno não são muito maiores que no restante da cidade. Manchas de altas densidades longe do centro representam, normalmente, comunidades irregulares onde ocorre alta concentração de pessoas: embora sejam assentamentos horizontais, são unidades pequenas, muito próximas umas das outras e, geralmente, com famílias grandes ou até mais de uma família morando em cada habitação.

Com uma cidade espraiada, uma grande quantidade de pessoas busca morar próximo às regiões centrais, mas são impossibilitadas pelos altos preços gerados pela restrição da oferta. Ainda, as periferias às vezes não conseguem acessar o mercado de trabalho nestas regiões centrais, dada a inviabilidade de operar o transporte de massa em regiões periféricas de baixa densidade.

No entanto, ao invés de permitir a ampliação da oferta nas regiões centrais, muitos tentam incentivar a chamada “cidade policêntrica”, fazendo com que os empregos sejam distribuídos nas periferias da cidade em vários pequenos centros ao invés de permitir a concentração de empregos e de moradores na região central.

Este modelo, infelizmente, é utópico e não existe na vida real, como descrito pelo Alain Bertaud. A razão de ser de uma cidade é concentrar um grande mercado de trabalho: há múltiplos ganhos de escala ao aproximar pessoas diferentes com habilidades complementares, atraindo negócios que retroalimentam o mercado gerando mais empregos. Áreas densas tem um custo de infraestrutura per capita reduzido, onde o valor é compartilhado por um grande número de pessoas.

Bertaud descreve que o papel do urbanista é, nesta aglomeração de pessoas que chamamos de cidade, permitir que o maior número de pessoas tenha acesso ao maior número de empregos. Ainda, devemos lembrar que o planejador não tem o poder de determinar onde empresas e empregos serão localizados.

Querer distribuir empregos em múltiplos centros periféricos remete a um dos primeiros conceitos de urbanismo inventados, também utópico, a chamada Cidade Jardim, de mais de 100 anos atrás, onde a cidade seria fragmentada em pequenos núcleos urbanos interconectados ao redor de um núcleo central. Ao restringir as densidades e dividir a cidade em pedaços, se divide também o tamanho do seu mercado de trabalho: não haveria muita diferença entre existir uma grande cidade e várias pequenas cidades, sendo contra a natureza de uma metrópole. Além disso, os próprios exemplos de Songdo e Masdar são alertas de que a infraestrutura por si só não consegue direcionar o crescimento urbano, no máximo complementar ou potencializar uma demanda por território que já é identificada.

Grandes cidades contemporâneas seguem, na realidade, um modelo composto entre o monocêntrico, onde o centro é pólo atrator predominante, e o disperso, com viagens entre subúrbios e periferias. Assim, o gestor urbano deve entender as particularidades do desenvolvimento urbano e dos deslocamentos da sua cidade e planejar as redes de transporte de acordo, ao invés de tentar sobrepor uma nova lógica de transporte ou de empregos, remando contra as marés de viagens intraurbanas existentes.

Aglomerado da Serra, Belo Horizonte. Via Caos Planejado

Voltemos à cidade real. Hoje restrições e regulações são aplicadas sobre apenas parte da cidade, que conhecemos como cidade formal. Aqueles que não têm condições de atender tais exigências são excluídos, e acabam formando assentamentos informais, as favelas, alheias a qualquer tipo de planejamento — mas estão longe de serem livres, pois os moradores não têm o direito de incorporarem estas áreas como empreendimentos formais, apenas a construírem abaixo da vista grossa do Estado.

Assim, o urbanismo serve apenas para alguns, nas áreas consideradas formais, e planos normalmente ignoram aqueles que não participam dessa cidade. São pessoas que, em teoria, serão atendidas depois do plano, com algum programa habitacional específico para o qual eles devem se inscrever em filas ou sorteios. É como se o plano não estivesse afetando as suas vidas: no entanto, é a própria exigência de licenças, regras e uma série de condições para a formalidade que divide a cidade em dois mundos.

Ironicamente, é apenas quando regularizarmos estas áreas, diminuindo as barreiras à construção, que permitiremos a evolução gradual da qualidade de moradia.

Este resultado tem sido desenvolvido em Belo Horizonte desde a sua concepção, quando a área do Contorno era restrita apenas a determinados tipos de proprietários e de moradia. Moradias irregulares eram removidas, criando a ilusão do planejamento e de uma cidade ordenada na sua região urbana central. Semelhante à situação que vemos hoje, o urbanista Flávio Villaça relata que a área central de Belo Horizonte, na sua concepção, era rarefeita, e que ainda em 1940 havia quadras inteiras vagas dentro da avenida do Contorno. Até 1920, a maior parte da área urbana estava vaga e não foi por motivos de saturação que ela não absorveu o crescimento urbano de então. Ou seja, havia mais cidade fora da área urbana do que dentro dela, iniciando desde então o processo de espalhamento e exclusão de certos moradores às periferias.

A tentativa de criar uma utopia também gera distorções como a dispersão de empreendimentos em municípios adjacentes que possuem regras mais flexíveis. Este efeito não apenas aumenta ainda mais a dispersão dos deslocamentos e do custo de infraestrutura para conectar as extremidades urbanas, como faz com que a capital que gera de fato esta demanda perca seus investimentos.

O edifício Concórdia (imagem abaixo, à direita) é o sexto mais alto do Brasil com 170 metros de altura, a exatos 136 metros de distância da borda administrativa de Belo Horizonte, e a 9 quilômetros do centro da capital. Apenas neste edifício se investiu entre R$350 e 400 milhões, e foram R$6,5 bilhões em investimentos imobiliários na região de Nova Lima com a construção de dezenas de edifícios corporativos e residenciais de alto padrão com altura entre 50 e 90 metros que, ausentes as restrições de uso do solo, talvez parte deles tivesse sido feita em Belo Horizonte.

À direita, edifício Concórdia, Nova Lima/MG. Imagem: Paulo Braz/Arcoweb

Para os que gostariam, alternativamente, de restringir o desenvolvimento também destes municípios adjacentes, alerto que o resultado mais provável será ora um aumento da informalidade e do encarecimento de imóveis, ora a simples perda de competitividade da RMBH perante outras metrópoles brasileiras, deteriorando sua economia. As portas da cidade não podem ser fechadas sem repercussões.

Neste cenário, não é surpreendente o trânsito de Belo Horizonte encontrar-se em mau estado, dado que as distâncias para atingir as áreas periféricas são imensas, exigindo o transporte motorizado — mas espalhadas de forma a inviabilizar o transporte coletivo de massa. Assim como outras cidades, Belo Horizonte cresceu privilegiando o uso do carro, que ocupa a grande parte das vias públicas, mas que é utilizado em apenas cerca de um terço dos deslocamentos, sendo os outros dois terços viagens a pé e de ônibus. Com ônibus presos em meio ao congestionamento, o tempo médio de viagens é cerca do dobro das feitas de carro, que já ultrapassam uma hora.

Em ruas já lotadas de carros — não diferente de outras cidades brasileiras —, ainda se subsidia mais uma vez o automóvel ao permitir o estacionamento grátis em vias públicas, ocupando espaço valioso e escasso que poderia ser utilizado para melhorar a mobilidade urbana da cidade. Mesmo áreas cobertas por parquímetros têm preços reduzidos, muito inferiores à estacionamentos privados: este delta de valor é, no mínimo, uma renúncia fiscal das prefeituras para privilegiar aqueles que andam de carro, em detrimento dos demais. Não é preciso de tecnologia para corrigir esta distorção.

Enquanto isso, as calçadas, vias dos pedestres, também recebem menos atenção que as vias rodoviárias, e fora do controle do poder público, neste estranho misto entre público e manutenção privada que temos no Brasil, não tem continuidade, não tem a manutenção de um padrão adequado ou mesmo a integração com o resto da caixa viária.

Em busca de alternativas, serviços de transporte emergem espontaneamente na cidade. No entanto, historicamente se viu a coibição do que chamamos justamente de transporte alternativo, que nada mais é do que pequenos empreendedores ofertando serviços de transporte coletivo em rotas que passageiros gostariam de fazer. Muitas vezes esses empreendedores atendem comunidades periféricas que não têm acesso ao sistema de transporte público e também não têm recursos para comprar um automóvel. Alguns alegam que estes perueiros são controlados por milícias: no entanto, se assim forem, apenas são por serem excluídos ao mercado negro ilegal: não há nada intrínseco a uma van que a torne objeto de crime organizado.

Alguns dizem que estes perueiros quebrariam o sistema de transporte coletivo de massa ao providenciarem uma alternativa: o carro já não é uma alternativa, disponível então apenas para aqueles que têm condições financeiras? E se carros estão congestionando as vias e tirando pessoas do transporte coletivo, por que não os proibimos também para manter a tal viabilidade do sistema? É uma lógica que não se sustenta.

As principais entidades de estudo de mobilidade do mundo orientam no sentido contrário, de pensar em como regularizar e adequar este meio de transporte hoje informal à malha formal de transporte, um formato que pode ser extremamente eficiente e de baixo custo, ainda ausente de subsídios, principalmente para cidades que cresceram como Belo Horizonte, atendendo com maior capilaridade periferias que não sustentam transporte de massa.

Assim como a busca por alternativa de moradia nas favelas, na ausência de alternativas seguras de mobilidade, as pessoas buscam o que lhes restam, no caso, as motocicletas, que estão relacionadas a mais da metade das mortes no trânsito de Belo Horizonte. Felizmente, ainda não estamos discutindo a proibição das motos, talvez pela comodidade que os serviços de entrega imediata têm oferecido a parte da população. Mas precisamos discutir imediatamente como tornar esse modo de transporte mais seguro.

Algumas cidades conseguem equilibrar crescimento demográfico com acessibilidade a moradia e redes de transporte, e vou citar aqui o caso de Tóquio.

Tóquio não é uma cidade ordenada, mas uma cidade que funciona. Sua organização territorial lembra, muitas vezes, o próprio crescimento periférico de cidades brasileiras, ou da própria Belo Horizonte. Mas esse desenvolvimento não é irregular, ou informal, como é no Brasil, mas sim parte da característica da cidade formal.

Em Tóquio há pouca regulação sobre o uso do solo em relação a usos, taxas de ocupação, exigências de vagas de garagem ou padrões mínimos construtivos — dado que a cidade passou por terremotos e bombardeios, reconstruindo-se várias vezes e entendendo uma realidade que não era possível exigir uma moradia de primeiro mundo em uma situação de pobreza e calamidade pública. O que torna as edificações de Tóquio de alta qualidade não é a regulação que incide sobre elas, mas a riqueza atingida pela sua população, que nem sempre foi rica. A lição serve para o Brasil: devemos aceitar que exigir a construção de vagas de garagem, recuos de ajardinamento, telhados verdes ou limites de adensamento não fará com que as nossas favelas milagrosamente se tornem a Suíça, apenas dificultará o acesso de boa parte da população ao mercado formal, onde a entrada em filas para buscar assistência de moradia do poder público não é uma opção, mas uma necessidade.

Tóquio também entende que é necessário ampliar a oferta habitacional para permitir a acessibilidade. Em uma cidade semelhante ao tamanho de São Paulo, Tóquio constrói quase 5 vezes mais unidades de moradia por ano do que a capital paulista, apesar de já ter um estoque de moradia muito melhor consolidado. É um dos principais motivos para Tóquio atingir este resultado surpreendente: ser uma grande metrópole em crescimento com níveis de acessibilidade a moradia muito positivos comparado com outras cidades globais.

A capital japonesa suportou este desenvolvimento urbano não regulando intensamente seus lotes privados mas através de investimentos de infraestrutura pública. No Brasil, fazemos o contrário, regulando os lotes privados e investindo pouco em infraestrutura. Por exemplo, delegamos a solução de drenagem urbana para o proprietário do lote, exigindo parâmetros como a taxa de ocupação e recuos de ajardinamento, que raramente é respeitada e dificilmente é fiscalizada. Enquanto isso, Tóquio vê a drenagem como um problema de natureza pública, que exige soluções em escala, investindo pesadamente em um sistema sofisticado de cisternas subterrâneas contra inundações.

Cisternas subterrâneas contra inundações. Imagem: Kunitaka NIIDATE/Wikimedia

No Brasil, Goiânia é um caso interessante. Mesmo crescendo rapidamente, a cidade tem um dos melhores índices de acessibilidade a moradia. Goiânia não possui limites ao adensamento e altura em sua região central e, talvez por isso, tem um dos mercados imobiliários mais acessíveis entre as grandes capitais, com o menor percentual da população morando em favelas: 0,25%. Edifícios de 30, 40 andares são vistos com frequência subindo na região central e a cidade recentemente inaugurou um edifício de 50 andares, com 190 metros, um dos mais altos do Brasil. Falando em cidades inteligentes, em Goiânia também foi recentemente lançado o sistema de vans chamado Citybus 2.0, serviço que possui vans com rotas dinâmicas, chamadas por aplicativo. O sistema usa tecnologia israelense e opera em várias cidades do mundo, inclusive Nova York, provando que peruas não precisam estar associadas a milícias.

Belo Horizonte agora tem um novo Plano Diretor que, com boas intenções, tenta implementar a teoria das múltiplas centralidades e, apesar de permitir o adensamento em corredores de transporte, diminuirá o potencial construtivo da cidade como um todo.

Lúcio Costa, urbanista de Brasília, tem uma frase um tanto irônica, de que a única coisa do planejamento é que as coisas nunca ocorrem como foram planejadas. Planos Diretores no Brasil são feitos a cada dez anos e, quase sem exceção, a cada dez anos olhamos para a cidade apenas para ver o fracasso do plano elaborado uma década antes. Raramente se assume a responsabilidade pelos erros, alegando simplesmente que “a cidade não reagiu da forma que esperávamos”. O urbanismo, no entanto, deve ser feito como gestão urbana, acompanhando indicadores específicos diariamente e não esperando 10 anos para observar os resultados.

Com este novo Plano recentemente aprovado em Belo Horizonte, faço aqui um pedido para selecionarem métricas essenciais, como indicadores de acessibilidade a moradia e tempos de viagem na região metropolitana. Abaixo apresento um gráfico mostrando como os preços de imóveis cresceram mais que a renda dos trabalhadores da cidade de Belo Horizonte entre 2009 e 2016, piorando a acessibilidade a moradia na cidade, e certamente o Plano Diretor vigente na época certamente influenciou para este resultado. Este efeito só não é superior porque parte da demanda está sendo atendida fora da cidade ou irregularmente, com dados que inclusive não são registrados pelo índice.

O sucesso do Plano recém implementado não deve ser avaliado subjetivamente, mas na melhoria destes indicadores ao longo do tempo. Tais indicadores ao longo da próxima década também servirão para alertar os gestores públicos de que, se estiverem piorando, o Plano deve ser alterado, sem esperar mais uma vez que a cidade se molde aos desejos do planejador e novamente fracassando.

Acredito que há mérito em conseguir aprovar um Plano Diretor no sentido de conquista política, de alinhar interesses dispersos em torno de um objetivo em comum para a cidade. No entanto, o que mais deve ser celebrado é a mudança na cidade de fato, a cidade real, e não no que escrevemos em um pedaço de papel.

É com esta mensagem que venho aqui, de outra cidade e de outro estado, não para criticar o trabalho que vem sendo feito em Belo Horizonte, mas como um chamado de que tipo de prioridade devemos ter em relação às nossas cidades. É uma mensagem que não faço apenas para Belo Horizonte, mas para a maioria das cidades brasileiras que enfrentam dificuldades urbanas semelhantes.

Morro da Cruz, Porto Alegre. Imagem: Guilherme Santos/Sul21

Termino com uma imagem de um dos morros da minha própria cidade natal, Porto Alegre, que tem um dos planos diretores mais restritivos do país, senão o mais restritivo entre as grandes capitais brasileiras e que talvez por isso também tenha um alto índice de favelas apesar da alta renda per capita e se encontre em um cenário tão grave de estagnação econômica. A fuga de talentos que ocorre hoje em Porto Alegre, cuja população não cresce há 15 anos, não é algo que eu gostaria que se repetisse aqui em Belo Horizonte. Com isso, desejo sucesso para o desenvolvimento urbano da Região Metropolitana de Belo Horizonte, por uma cidade mais acessível, humana, diversa e dinâmica.

Artigo baseado na palestra "Cidades inteligentes, tecnologias existentes", ministrada por Anthony Ling na VII Conferência Metropolitana da RMBH, em 28 de novembro de 2019. Assista ao vídeo completo da apresentação no final deste artigo.
Via Caos Planejado.

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Sobre este autor
Cita: Anthony Ling. "O que são cidades inteligentes dentro da realidade brasileira?" 23 Fev 2020. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/933328/o-que-sao-cidades-inteligentes-dentro-da-realidade-brasileira> ISSN 0719-8906

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