Lixo Zero na arquitetura: Repensar, reduzir, reutilizar e reciclar

As atividades econômicas humanas são dependentes do ecossistema global, sendo que as possibilidades de crescimento econômico podem ser limitados pela carência de matéria-prima para abastecer os estoques das fábricas e comércios. Enquanto que para determinados recursos ainda há estoques inexplorados, como certos metais e minerais, existem outros, como combustíveis fósseis e mesmo a água, com problemas graves de disponibilidade em alguns locais.

É inegável que a indústria da construção civil representa um impacto significativo no planeta. Quantidades enormes de recursos, materiais, água e energia são explorados, processados e consumidos para a execução de uma obra e a vida útil das edificações. O Conselho Internacional da Construção (Conseil International du Bâtiment - CIB) aponta que a construção civil é o setor humano que mais consome recursos naturais e utiliza energia de maneira intensa. Esse impacto ainda é amplificado por processos de produção pouco eficientes, grandes deslocamentos para abastecimentos e enormes desperdícios durante as diversas etapas. Há muitas frentes a atacar para tornar nosso mundo mais sustentável e eficiente. Mas o que pode estar ao nosso alcance, como arquitetos?

É certo que a humanidade já não pode continuar explorando os recursos ambientais como se estes fossem infinitos e, principalmente, gerando tantos desperdícios e resíduos. Tornar-se mais eficiente em termos de recursos é uma saída para um crescimento econômico sustentável. E isso quer dizer uma menor demanda de recursos, energia e a redução da geração de resíduos. É sempre prudente pensar que falando em nosso planeta, não existe o “jogar fora”. Estima-se que os Resíduos da Construção Civil podem representar de 50% a 70% do total dos resíduos no Brasil, por exemplo.

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Wrightwood 659 Exhibition Space / Tadao Ando Architect and Associates. Image © Jeff Goldberg / ESTO

O conceito da Economia Circular busca mudar os paradigmas em relação a isso. Inspira-se nos mecanismos naturais, que trabalham em um processo contínuo de produção, reabsorção e reciclagem, se auto gerindo e regulando-se naturalmente, onde os resíduos são insumos para a produção de novos produtos. Diferente da economia linear, onde um produto é criado, utilizado e torna-se resíduo, na economia circular ele retorna ao processo produtivo. É dessa forma que a relação entre crescimento econômico e aumento de consumo de recursos naturais pode ser quebrada, através de processos mais eficientes, inteligentes e sustentáveis.

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Transformation of 530 dwellings / Lacaton & Vassal + Frédéric Druot + Christophe Hutin architecture. Image © Philippe Ruault

Em suma, isso consiste no máximo aproveitamento e correto encaminhamento dos resíduos recicláveis e orgânicos e a redução (ou mesmo o fim) do encaminhamento destes materiais para os aterros sanitários. Também, e muito importante, consiste no aumento da eficiência e desenvolvimento de novos modelos de negócios. Busca diminuir ineficiências ao longo do ciclo de vida dos produtos, desde a extração das matérias-primas até à sua utilização, por meio de gestões mais eficientes dos recursos, prologando ao máximo a vida útil do produto e minimizando ou acabando com a criação de resíduos.

Nesse mesmo sentido, o conceito do Lixo Zero já vem sendo abordado por cidades, eventos, empresas, e outros. De acordo com a ZWIA (Zero Waste International Alliance), Lixo Zero é “uma meta ética, econômica, eficiente e visionária para guiar as pessoas a mudar seus modos de vidas e práticas de forma a incentivar os ciclos naturais sustentáveis, onde todos os materiais são projetados para permitir sua recuperação e uso pós-consumo.” Repensar, Reduzir, Reutilizar e, por último, Reciclar. São esses 4 R’s que abrangem o conceito, e que podem ser apropriados para uma casa, uma cidade, uma construção, um país, e por aí vai. Evidentemente, em projetos e construções também:

O Repensar diz respeito a mudar o raciocínio em relação às coisas. Quebrar paradigmas, incluir novos materiais, soluções, ponderar sobre o que é pré-estabelecido. Isso pode passar a desde reconsiderar decisões de projeto meramente estéticas, pequenos luxos, até investir em práticas mais sustentáveis que poderão impactar na vida útil da edificação, ou trabalhar com materiais mais locais, buscar entender as mais diversas condicionantes ao projeto, para, enfim, tomar decisões mais bem fundamentadas.

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© José Tomás Franco

A ideia de Reduzir também pode ser altamente abrangente. Desde diminuir a quantidade de concreto em uma estrutura através de seu dimensionamento consciente, ou projetar levando em conta sistemas leves que utilizam menos matérias-primas e menos recursos, no lugar de estruturas pesadas e densas. Decrescer a geração de resíduos na obra optando por sistemas construtivos secos. Até reduzir a necessidade de resfriamento ou aquecimento através da correta especificação dos materiais ou a pegada de carbono especificando um material produzido mais próximo da obra. Pensar em toda a vida útil do material é também essencial. De que forma ele envelhece, qual o seu melhor destino após sua vida útil acabar? Para isso, considerar materiais que durem mais tempo pode ser uma decisão sábia

Mas isso pode abranger as nossas cidades também. De fato, se pensamos em um mundo mais sustentável, isso precisa passar pelas cidades, onde mais da metade da população mundial vive e onde são consumidos mais de 80% de toda a energia do mundo. Nesse sentido, o reduzir pode referir-se aos deslocamentos no espaço urbano, uma vez que cidades compactas concentram diversidade, oportunidade, conhecimento e cultura”, otimizando a infraestrutura conectadas por sistemas de transporte eficientes.

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Empire Stores / S9 Architecture. Image

Reutilizar pode ser abordado no reuso de materiais, tais como madeiras maciças, ou mesmo peças estruturais de aço, revestimentos, vidros, paredes divisórias, etc. Ou a reutilização de edifícios para novos usos. De fábricas para escritórios. Hotéis como habitações, e assim por diante. Antes de demolir e direcionar toneladas de entulhos para aterros, para iniciar uma construção do zero, deve-se avaliar a possibilidade de reuso da mesma. Temos focado muito nesse tema nos últimos anos. Como arquitetos, durante a etapa de projeto também é possível criar edificações que possam ter uma maior flexibilidade para todas as etapas de sua vida útil, recebendo usos variados. Geralmente uma planta livre pode ser compartimentada da forma mais conveniente para determinado uso. Trabalhar com uma modularidade inteligente também é algo que nunca sairá de moda. Dessa forma, até as instalações elétricas e hidráulicas também poderão ser desenhadas de forma a permitir possibilidades específicas.

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Refurbishment Of 906 School In Sabadell / H Arquitectes. Image © Adrià Goula

Reciclar é o último dos R’s, mas não menos importante. Trata-se de aproveitar os resíduos para fabricar um outro produto, que pode ter características e usos distintos ou parecidos ao original. Dessa forma, evita-se que os materiais sejam descartados e sobrecarreguem os aterros sanitários, interrompendo o seu ciclo. Se pensarmos em nossas cidades e seu enorme estoque de edificações já construídas e que necessitam de melhorias, podemos imaginar o tamanho do potencial de reutilização desses materiais presentes nas estruturas, alvenarias, fechamentos, etc. Já há um conceito que abrange isso, que é o da Mineração Urbana. No lugar de explorar os recursos naturais, e com o apoio da tecnologia, “Mineração urbana é um termo que simboliza a cidade de amanhã. Vincula uma perspectiva abrangente ao impulso criativo e isso deve ser particularmente enfatizado, com instrumentos úteis e escaláveis ​​que já existem. Isso inclui aquelas para quantificar matérias-primas secundárias, técnicas de recuperação e reciclagem, a digitalização de padrões de reciclagem em informações estruturais, análises de rentabilidade e setores de negócios, como aqueles que processam e recuperam materiais valiosos.” [1]

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House Rehabilitation / BAST. Image © BAST

Flexibilidade e a reutilização de materiais são aspectos fundamentais da sustentabilidade. A indústria da construção deve e já vem mudando para se adaptar às necessidades dos novos tempos. No lugar de ser uma indústria atrasada, extremamente consumidora e dependente de recursos naturais cada vez mais escassos, ela tem o poder de se tornar um vetor de mudanças que impactarão em diversos outros meios. Com mais da metade da população mundial morando em cidades, esse futuro inevitavelmente dependerá da recuperação e reciclagem de materiais de construção do “ecossistema urbano” e uma maior consciência de nosso impacto em todas as ações. Por isso, além de pensar e construir edifícios de alto desempenho e muito sustentáveis, é imprescindível levar em consideração as expectativas e preocupações, e, principalmente, envolver as pessoas nos processos.

Referências:
[1] Hillebrandt, Annette; Riegler-Floors, Petra; Rosen, Anja; Seggewies, Johanna-Katharina. Manual of Recycling: Building as Sources of Materials. Edition Detail. 2019

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Sobre este autor
Cita: Eduardo Souza. "Lixo Zero na arquitetura: Repensar, reduzir, reutilizar e reciclar" 28 Dez 2019. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/928156/por-que-flexibilidade-e-a-reutilizacao-de-materiais-sao-aspectos-fundamentais-da-sustentabilidade> ISSN 0719-8906

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