7 Mitos sobre detalhamento que estão mudando na era digital

A recente disponibilidade de técnicas automatizadas de projeto e produção está mudando a forma de desenvolver detalhes arquitetônicos. Com métodos de projeto paramétricos e com o uso de algorítimos e da fabricação digital, os arquitetos precisam adquirir novas habilidades para a etapa de detalhamento, ao mesmo tempo em que novos atores estão começando a participar do seu desenvolvimento.

Embora nem sempre recebam a atenção necessária, os detalhes arquitetônicos são de extrema importância para muitos aspectos de uma edificação. Eles podem definir sua expressão teórica e seu caráter técnico, e impactar seu processo de produção, seu método de construção e até mesmo sua pegada ecológica. A arquitetura contemporânea mostra um novo interesse no detalhamento, o que não deve ser confundido com o retorno à valorização do trabalho artesanal [1]. Este novo interesse está relacionado ao recente envolvimento do arquiteto com a execução física dos edifícios, como resultado do uso de tecnologias digitais [2]. O novo "mestre de obras digital" [3] conta com os processos file-to-factory, nos quais a morfologia dos detalhes da construção está diretamente relacionada ao conhecimento dos processos de produção disponíveis.

No processo de projeto do Aviva Stadium em Dublin (foto abaixo), por exemplo, os princípios geométricos dos elementos estruturais e das peças da fachada estavam presentes no modelo paramétrico desde o início. Durante o processo de projeto, as sugestões e as necessidades dos fornecedores, com base nas restrições de fabricação, foram incorporados neste modelo, que posteriormente foi usado como base para a fabricação das peças:

Os fornecedores optaram por usar a geometria paramétrica arquitetônica feita pela Populous como base para seu modelo detalhado do sistema de fachada, eliminando assim quaisquer discrepâncias possíveis entre a geometria desejada e a construída. [4]

A informação para a produção do sistema de revestimento foi extraída de um modelo extremamente detalhado para o fabricante, para que todas as peças pudessem ser produzidas na fábrica e montadas no local com precisão. Os fornecedores de montantes e estrutura também extraíram os desenhos diretamente do modelo para numeração, sequenciamento e codificação de barras, assim como para definir a posição e a rotação dos pontos de perfuração. Isso permitiu a fabricação fora do canteiro de obras de todos os elementos estruturais.

Detalhe da Fachada do Aviva Stadium. Imagem © Usuário Wikimedia Alicia Fagerving licença CC BY-SA 3.0

A cobertura não padronizada projetada por a3lab para a Westend Gate Tower em Frankfurt Main [5] (foto abaixo) é outro bom exemplo de como o uso da fabricação digital pode transformar detalhes arquitetônicos. Desde a fase conceitual, o projeto foi otimizado para o melhor desempenho e fabricação da estrutura. De acordo com os autores:

ele não foi concebido em um processo projetual convencional de cima para baixo, onde o arquiteto determina o desenho e transmite-o para engenheiros e fabricantes realizarem-no. Foi desenvolvido em um processo interativo de baixo para cima, onde todos os diferentes membros da equipe concordaram em um processo de negociação e co-decisão, enriquecendo o processo com o conhecimento de cada um. Arquitetos, engenheiros e fabricantes estavam ligados em um fluxo comum de informações constantemente atualizado.

As decisões sobre drenagem, revestimento e as juntas estruturais foram tomadas pelos arquitetos e fabricantes em conjunto. A dimensão das ramificações, por exemplo, foi definida pelo tamanho dos reservatórios nos quais eles seriam galvanizados. Este exemplo ilustra o que Deamer [6] quer dizer quando afirmou que "a prática contemporânea revitaliza, a partir dos novos detalhes, o interesse 'naqueles que os constroem' e oferece a oportunidade de reajustar psicologicamente os papéis de todos os atores de um projeto e sua importância", referindo-se à participação daqueles que realizam a fabricação digital no processo de projeto.

Cobertura com estrutura em árvore, por a3lab. Cortesia da Imagem: a3lab

7 mitos sobre detalhamento arquitetônico

O que mudou na etapa de detalhamento arquitetônicos com a atual disponibilidade de softwares paramétricos e da fabricação digital? Eu acredito que a introdução dessas técnicas no processo de projeto arquitetônico está desafiando 7 mitos:

Mito 1: O detalhamento acontece depois que o projeto conceitual é definido

Quando consideramos a possibilidade de fabricar digitalmente peças personalizadas para um edifício, precisamos prever desde o início como essas peças serão produzidas e como elas serão montadas. Não podemos arriscar desenvolver um conceito que não pode ser fabricado, portanto, os detalhes devem ser desenvolvidos em paralelo com o projeto conceitual, o que é mais fácil de se fazer em um processo de projeto digital integrado. A modelagem paramétrica permite que os projetistas usem dimensões provisórias e alterem-nas mais tarde, sem ter que remodelar tudo do zero.

Mito 2: A autoria do detalhe pertence ao arquiteto

É uma ilusão pensar que um arquiteto pode desenvolver um bom detalhe sozinho. Bons detalhes só podem ser desenvolvidos em conjunto com fabricantes e engenheiros mecânicos e de materiais. As instruções para fabricação digital são agora uma parte importante dos desenhos de detalhamento, porque a especificação dos parâmetros para as ferramentas e máquinas podem interferir no produto final.

Mito 3: A etapa de detalhamento é menos importante e menos interessante que a etapa conceitual

Os escritórios de arquitetura muitas vezes valorizavam mais a criatividade do que as questões técnicas, deixando o desenvolvimento de detalhes para os técnicos. Atualmente, a sinergia entre a fase conceitual e de detalhamento é vital para a construção bem-sucedida de um edifício. Exemplos recentes mostram como os detalhes de edificações estão sendo desenvolvidos desde as primeiras etapas do projeto, em um processo desafiador intelectualmente.

Mito 4: Detalhes são representados através de desenhos ortogonais

Os típicos desenhos 2D que os arquitetos usavam para representar detalhes estão ficando obsoletos. Embora ainda precisemos dos tradicionais desenhos para execução, o detalhamento agora inclui também instruções de fabricação, como layouts e arquivos gcode que são enviados para o fabricante. Building Information Models (BIM) agora permitem que os arquitetos representem diferentes níveis de detalhe e gerem desenhos 2D dinamicamente a partir de modelos 3D. Os detalhes arquitetônicos também podem ser gerados por scripts e apresentados à equipe de construção através de animações que mostram as etapas de montagem.

Mito 5: Há sempre uma solução padrão para um problema de detalhamento

O detalhe está ganhando um novo status nos escritórios de hoje e se tornando uma parte importante do projeto. Embora os detalhes padrões ainda sejam usados na maioria das partes de um edifício, aqueles produzidos especificamente podem agregar valor a um edifício e definir sua personalidade, por exemplo criando efeitos de superfície. [1]

Mito 6: Detalhes existem para disfarçar imperfeições nos materiais

Os detalhes devem ser desenvolvidos para comunicar algo, para não disfarçar nada. Com a fabricação digital não há imperfeições; estamos nos aproximando da tolerância zero, como discutido em uma edição especial da AD. [7]

Mito 7: Com as tecnologias digitais não há mais necessidade de detalhamento

Pelo contrário, com a modelagem paramétrica e a fabricação digital, existem novas oportunidades para desenhar detalhes de construção cada vez mais complexos e interessantes, que exigem um novo conjunto de habilidades dos arquitetos.

Com base na literatura recente sobre o tema, é possível concluir que o detalhamento arquitetônico deve levar em conta não apenas aspectos teóricos e de tecnologia de construção, mas também questões de personalização em massa, incluindo a parametrização e o script no processo de projeto e o uso de técnicas de fabricação digital na fabricação de peças. Quando os detalhes de um edifício muito complexo são gerados por scripts, há menos probabilidade de erros, mas eles só podem ser escritos após uma compreensão clara da lógica por trás do projeto. Scripts foram usados, por exemplo, para gerar a maioria dos detalhes do edifício Swiss RE. Hugh Whitehead, do "Grupo Especialista em Modelagem" da Foster + Partners, diz que este edifício obrigou-os a "abordar o problema de como projetar e produzir detalhes que são programados em vez de desenhados. Em cada andar, as regras são sempre as mesmas, mas os resultados são sempre diferentes" [8]. A automação e a parametrização da elaboração dos detalhes possibilitam que haja uma engenharia simultânea, à medida que os detalhes possam começar a ser desenvolvidos quando as definições iniciais, como a altura do pé-direito, ainda estão sendo decididas.

O último pavimento do 30 St Mary Axe, também conhecido como o Swiss RE Building ou the Gherkin, em Londres. Imagem © Usuário Wikimedia Geekchic licença CC BY-SA 3.0

Ao mesmo tempo, com a disponibilidade de máquinas de impressão 3D mais baratas, a prototipagem rápida pode ser usada desde o início do processo. Considerado muito caro e demorado há não muito tempo, o uso de modelos impressos em 3D durante o a fase de detalhamento pode ter um impacto enorme no resultado.

Finalmente, é extremamente importante entender profundamente os novos processos de produção. Ford [9] aponta a diferença entre a concepção e a realidade entre os arquitetos modernistas cujas ideias surgiram do modo como "eles acreditavam que carros e aviões eram construídos". Ele afirma que no início do século XX "poucas ideias foram extraídas de uma análise da indústria da construção civil como ela realmente era". A produção em massa resultou na separação do design e da produção e entre os projetistas e os trabalhadores das fábricas. Para evitar repetir o equívoco modernista da integração entre design e produção, precisamos compreender profundamente os processos de fabricação digital, para que possamos projetar detalhes apropriados para as técnicas de produção automatizadas disponíveis.

Como Robert e Rivka Oxman afirmam [10], a arquitetura está se reformulando como profissão. Eles apontam para a fabricação de sistemas materiais como uma nova área de atuação e pesquisa conjunta para arquitetos e engenheiros estruturais. Novas habilidades são necessárias para o desenvolvimento de detalhes arquitetônicos com o uso de técnicas de fabricação digital. Isso pode evoluir para um novo campo de especialização para arquitetos. Agora precisamos começar a pensar em estratégias para desenvolver as habilidades necessárias no ambiente acadêmico, aumentando as oportunidades de trabalho interdisciplinar.

Este artigo baseia-se em um artigo de Gabriela Celani publicado na A+C Arquitectura y Cultura #5, p. 50-60, 2014.

Gabriela Celani é professora associada da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas, Brasil. Ela é a fundadora do LAPAC, o Laboratório de Automação e Prototipagem para Arquitetura e Construção.

Referências

  1. Kolarevic, B. & Klinger, K. (eds.). Manufacturing Material Effects: Rethinking Design and Making in Architecture. (New York: Routledge, 2008).
  2. Celani, G. “Digital Fabrication Laboratories: Pedagogy and Impacts on Architectural Education.” Nexus Network Journal, 14(3), 2012: 469-482. doi: 10.1007/s00004-012-0120-x.
  3. Górczyński, M. & Rabiej, J. “Digital Master Builder: From ‘Virtual’ Conception to ‘Actual’ Production through Information Models.” In: Proceedings of the 29th eCAADe Conference. (Ljubljana: University of Ljubljana Press, 2011): pp.412-420
  4. Shepherd, P. G., Hudson, R. and Hines, D. “Aviva Stadium: a parametric success.” International Journal of Architectural Computing, 9 (2), 2011: pp. 178.
  5. Agkathidis, A. & Brown, A. “Tree-Structure Canopy: A Case Study in Design and Fabrication of Complex Steel Structures using Digital Tools.” International Journal of Architectural Computing, 1(11), 2013: 87-104.
  6. Deamer, P. “Detail Deliberations.” In: Deamer, P. & Bernstein, P. G. (eds.) Building (in) the future – Recasting labor in architecture (NY: Princeton Architectural Press, 2010): pp. 86-87.
  7. Sheil, R. “Special Issue: High Definition: Zero Tolerance in Design and Production.” AD Volume 84, Issue 1, January/February 2014.
  8. Menges, A. “Instrumental geometry.” In: Corser, R. (ed.) Fabricating Architecture: Selected Readings in Digital Design and Manufacturing (NY: Princeton Architectural Press, 2010): pp.29-3041.
  9. Ford, E. R. The architectural detail. (NY: Princeton Architectural Press, 2011).
  10. Oxman, R. and Oxman, R. (eds.). The new structuralism – Design, engineering and architectural technologies. (New York: Wiley, 2010).

Sobre este autor
Cita: Celani, Gabriela. "7 Mitos sobre detalhamento que estão mudando na era digital" [7 Myths in Architectural Detailing that Are Changing in the Digital Age] 16 Jan 2018. ArchDaily Brasil. (Trad. Moreira Cavalcante, Lis) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/886854/7-mitos-sobre-detalhamento-que-estao-mudando-na-era-digital> ISSN 0719-8906

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