Total Space: Considerando o estruturalismo holandês atualmente

Neste artigo, Dirk van den Heuvel liga o estruturalismo (holandês) aos desenvolvimentos atuais - mais especificamente na esfera digital. O seguinte ensaio foi publicado pela primeira vez por Volume em sua edição 50, cujo editorial Beyond Beyond está disponível para ser lido aqui (em inglês).

Ao longo de sua vida, o arquiteto holandês Jaap Bakema (1914-1981) procurou transmitir aos seus alunos e colegas a noção do que ele chamou de "espaço total", "vida total" e "urbanização total". Em sua visão, o projeto arquitetônico tinha que ajudar a tornar as pessoas conscientes do ambiente maior a que pertencem e em que operam. A arquitetura não poderia ser desvinculada do urbanismo, estava relacionada com a estrutura mais profunda da sociedade. Sua conceituação de arquitetura foi baseada em programa e processo e colocou as relações sociais e visuais no centro, o que trai sua adesão ao estruturalismo como expressado na revista holandesa em que ele era editor, juntamente com Van Eyck e Hertzberger e ao Team 10, do qual ele mesmo foi uma das principais vozes. Ao mesmo tempo, Bakema expandiria o legado do movimento holandês De Stijl e do funcionalismo holandês. Em particular, seu conceito de espaço e continuidade espacial é derivado do De Stijl. Sua abordagem diagramática ao projeto arquitetônico e organização programática, bem como a linguagem arquitetônica elementar de seus projetos foram elaborações da tradição funcionalista holandesa.

Particular à abordagem de Bakema e seus amigos da Dutch Forum e do Team 10, foi a forma como essas noções teóricas foram articuladas arquitetonicamente como um sistema inter-relacionado de espaços transicionais, elementos, filtros, entre outros, desde a porta à rua da cidade e à paisagem. Para Bakema, tal sistema sócio-espacial permitiria aos cidadãos navegarem na realidade do pós-guerra de um novo consumismo emergente e planejamento controlado pelo Estado por opção individual. Entretanto, no contexto do Estado do bem-estar, que estabeleceu uma burocracia redistributiva de recursos, produção industrial e acumulação de riqueza, o aspecto "total" do novo pensamento ambiental produziu igualitarismo e livre escolha para práticas de planejamento aparentemente "totalitárias" de encontros e escolhas pré-programadas. Não foi até a década de 1970 quando a expansão aparentemente interminável desse sistema econômico colapsou e um novo regime baseado na chamada ideologia do mercado livre substituiu o antigo sistema redistributivo.

Gabinete de Van den Broek e Bakema. Sede da Siemens em Munique, 1971. Detalhamento do programa funcional. Image © Het Nieuwe Instituut, Rotterdam, Architectenbureau Van den Broek en Bakema / Archive (BROX), inv. nr. BROXf1772.

Mega-estruturas

"Crescimento e Mudança", "Habitat", "Dimensões Ascendentes" e "Estética dos Números" foram todos termos-chave que Bakema ligou a um programa político para uma sociedade social-democrata, igualitária e aberta incorporada pelos sistemas europeus de bem-estar social. Outras palavras do período mais característico dos círculos de vanguarda em que Bakema se movia incluíam os termos agora conhecidos como "redes", "padrões", "ambiente", "metabolismo" ou "urbanismo ecológico". Embora o sistema de Estado de bem-estar tenha sido extinto sob a ascensão da política neoliberal, muitos desses termos históricos dos anos 50 e 60 ainda são atuais na descrição das transformações de nossos estilos de vida e ambientes urbanos sob a influência de novas tecnologias digitais de informação. Em seu recente livro The Stack, On Software and Sovereignty, Benjamin Bratton usa um dos conceitos arquitetônicos mais importantes da década de 1960 quando fala de "mega-estruturas acidentais" para explicar o conglomerado de infraestruturas de TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) que criou uma nova realidade "global".

As novas liberdades acomodadas pelas novas tecnologias, juntamente com os acordos judiciais internacionais e inter-estaduais, são consideradas bastante ambíguas, para dizer o mínimo. Como é bem sabido, estas disposições permitem ultrapassar e minar o controle estatal através da terceirização e da evasão fiscal. As novas liberdades sociais, tal como concebidas pelas plataformas globais do Facebook e similares, enfrentam atualmente uma desconfiança semelhante, uma vez que as plataformas se transformaram não só em agregados de dados privados, mas também em máquinas de produção de novos dados privados para serem comercializados como mercadorias. Assim como o sistema de boas-intenções de bem-estar público criou sua própria paranoia, hoje a ubiquidade das novas tecnologias privadas de segurança, facilidades e conforto, paradoxalmente, provoca um constante nervosismo sem qualquer perspectiva de alívio ou relaxamento. No final da década de 1990, durante o primeiro hype em torno das novas possibilidades com as tecnologias da internet, algumas vozes já advertiram pela "suavidade ideológica" na arquitetura e no planejamento (Michael Hays, por exemplo), ainda todos os tipos de conceitos neo-Deleuzianos -horizontal, rizomático, etc.- foram reciclados como para promover uma nova liberdade libertária longe de sistemas de controle do Estado. Curiosamente, o conceito de Bratton da mega-estrutura acidental das tecnologias de TIC como uma "pilha" reconhece as novas hierarquias verticais em jogo, que estão aninhadas entre si como campos interrelacionais ou grades de pontos na nuvem.

Gabinete de Van den Broek e Bakema. Siemens em Munique, 1971. Diferentes camadas do modelo 'spacebox'. Image © Het Nieuwe Instituut, Rotterdam, Architectenbureau Van den Broek en Bakema / Archive (BROX), inv. nr. BROXf1772.

Visualizações

Quais podem ser as coisas específicas a observar e o que podemos aprender ao comparar o discurso histórico com o desenvolvimento de hoje? Especialmente em relação à arquitetura e ao planejamento urbano? A "urbanização total" dos regimes do Estado de bem estar social redistributivos passou para o próximo nível da "cidade global" (Saskia Sassen) ou da "cidade sem fim" (Ricky Burdett) de redes globais e fluxos migratórios, de pessoas, bens, dinheiro e informação . Do ponto de vista da arquitetura e do planejamento, é fundamental notar que não é apenas uma questão de acomodação pura, mas antes de mais nada a produção de novos espaços, um processo que alimenta nossas cidades, comunidades e regiões, como por exemplo, as indústrias de imóveis e turismo. Arquitetura e planejamento definitivamente não estão no controle aqui, eles são marginalizados pelos novos ecossistemas que produzem seus próprios regimes, fluxos e ambientes. Estes ecossistemas não são tão harmoniosos quanto o próprio termo pode sugerir. Os ecossistemas são sistemas entrópicos: enquanto um morre e o outro é emergente, eles vivem uns dos outros.

Richard Vijgen, Architecture of Radio, 2015. Image © Juuke Schoorl

Assim, as novas configurações espaciais emergentes não são apenas interações, trocas e eventos através de redes labirínticas policêntricas, como tantos teorizaram de maneira bastante otimista nos anos 50 e 60 (Archigram, Constant, Yona Friedman). Ao lado da nova mobilidade e interconectividade, eles também criam novas hierarquias e podem sustentar enclaves, autossuficientes. Afinal, mudanças digitais também implicam em opções de desligar e sair, uma condição de desconexão, dispositivos de camuflagem e opacidade, algo que o artista plástico Femke Herregraven criou como "geografias da evasão".

Diagrama do The Stack, 2015. Image © Benjamin Bratton and Metahaven

Sem surpresa, então, um papel crítico para a arquitetura e planejamento urbano não é tão fácil de delinear neste desenvolvimento em curso. Como disciplinas de projeto, eles são fundamentais para ajudar a apoiar e trazer para o mundo esta "mega-estrutura acidental". No entanto, seu impacto parece ser muito mais profundo no nível da teoria e da linguagem: a arquitetura e o planejamento urbano contribuem para os modelos, conceitos e metáforas (por exemplo, o da mega-estrutura), pelo qual se torna possível (re) pensar, visualizar e imaginar o conglomerado ubíquo de infraestruturas TIC e seu impacto. A questão da visualização dos regimes "totalizantes" contemporâneos de tecnologia e espaço é mais urgente do ponto de vista das sociedades democráticas e abertas. Tal visualização possibilitaria uma reformulação da "polis" e do assim chamado "corpo político", seja ela uma nação, uma cidade ou outra, para entender onde estamos e como habitar e percorrer os espaços da comunicação digital.

"Total Space"

Total Space é um projeto de pesquisa em curso do Centro de Estudos Jaap Bakema (JBSC), que produzirá um programa e apresentação pública no Het Nieuwe Instituut (anteriormente o NAi) nos próximos anos. Apresenta um olhar mais próximo nas dimensões internacionais do estruturalismo e do intercâmbio interdisciplinar entre as áreas da arquitetura, do planeamento, da teoria de sistemas e da antropologia. Ele também pretende conectar a história recente do século XX com especulações sobre o futuro de nossos estilos de vida nas cidades do século XXI.

O JBSC é um centro de pesquisa, fundado pela Het Nieuwe Instituut e pela Delft University of Technology, liderado por Dirk van den Heuvel e com sede em Roterdã no Het Nieuwe Instituut.

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Sobre este autor
Cita: van den Heuvel, Dirk. "Total Space: Considerando o estruturalismo holandês atualmente" 28 Mar 2017. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/868004/total-space-considerando-o-estruturalismo-holandes-atualmente> ISSN 0719-8906

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