Como a imigração definirá o futuro da arquitetura e do urbanismo

Quando começamos a conversar sobre a imigração [como um tema da conferência], todo mundo disse: 'não façam isso, é muito controverso'. Mas nós respondemos que era exatamente por isso que iríamos fazer.

Com esta atitude desafiadora foi como Martin Barry, presidente da reSITE, abriu a Conferência 2016 em Praga há três semanas. Intitulada "Cidades de Migração", a conferência apareceu em um contexto de incontáveis e difíceis questões políticas relacionadas à migração. Na Europa, o desdobramento da crise de refugiados sírios mantém tensas ambas relações políticas e raciais em todo o continente; na América, o candidato presidencial republicano Donald Trump criou uma reação instintiva populista contra os mexicanos e muçulmanos; e no Reino Unido - um país na consciência da maioria dos participantes no momento- a decisão em favor do "Brexit", uma semana após a conferência, foi em grande parte baseada na ideia de limitar a imigração não só dos sírios, mas também dos cidadãos europeus de outros países menos ricos da UE.

Na arquitetura, tais questões foram destacadas este ano pela Bienal de Veneza de Alejandro Aravena, com arquitetos "Reporting from the Front" as batalhas e desafios muitas vezes relacionados com a imigração. Desde os campos de refugiados até as favelas para as crises de habitação em cidades globais ricas, a mensagem é clara: a imigração é um tema que os arquitetos devem entender e responder. Como resultado, as lições compartilhadas durante o intensivo evento de dois dias do reSITE sem dúvida serão de valor inestimável para a profissão da arquitetura.

Um desafio global

Martin Barry abrindo a reSITE 2016. Imagem © Tomas Princ

Em seu discurso de abertura, a socióloga Saskia Sassen esboçou o que foi, talvez, o tema de definição da conferência: que a imigração não é um evento aleatório, mas algo que é causado pelas ações de governos e cidadãos. "As imigrações são criadas, elas não acontecem por acaso", diz Sassen. "Há condições que lhes causam", muitos das quais surgem como resultado do capitalismo que permite nossos estilos de vida atuais. Como resultado, pode-se argumentar que cada um de nós tem a responsabilidade de se envolver com os desafios relacionados à imigração.

Saskia Sassense se apresentando na reSITE 2016. Imagem © Dorota Velek

Com base nesta declaração, Sassen identificou diferentes tipos de imigrantes: o primeiro era o refugiado político, aquele que foge da turbulência política em sua casa; o segundo, o imigrante econômico, que busca uma vida melhor em um novo país. Mas, enquanto esses dois tipos de imigrantes são amplamente discutidos, Sassen argumentou que o terceiro tipo de imigrante mal foi reconhecido-  o que ela chamou de "refugiado econômico", uma classe de pessoas que está fugindo da "enorme perda de habitat" catalisada por atividades econômicas como a monopolização ilegal de terrenos a partir de empresas ou por desastres econômicos. 

Além dos três tipos de imigrantes definidos por Sassen, outro palestrante da manhã, o crítico de arquitetura do New York Times, Michael Kimmelman, acrescenta um quarto: "um tipo muitas vezes não reconhecido, mas de classe média e educado que opta por ver diferentes partes do mundo e viver em outros lugares simplesmente porque pode. "

Michael Kimmelman se aprsentando na reSITE 2016. Imagem © Dorota Velek

Enquanto Kimmelman espera que continuemos a ver um número elevado de refugiados políticos e imigrantes econômicos, ele também acredita que o século XXI também verá um aumento dramático destes imigrantes de classe média, e daqueles que fogem dos desastres ambientais. Na verdade, ele fez apresenta a imigração relacionada aos desastres naturais como uma parte essencial de sua mensagem para a conferência. Falando ao ArchDaily ele resumiu a questão: "Podemos construir novas torres em Miami, mas se o mar subir elas não serão ocupadas por várias décadas, desta foma, vamos estar falando sobre a imigração de pessoas de Miami. Precisamos pensar sobre isso muito mais seriamente. "

"Play the City," um jogo de tabuleiro interativo gigante, que pediu os participantes da conferência de interpretar como as partes interessadas em uma cidade imaginária que lidam com o fluxo de imigrantes. Image © Dorota Velek

Para Sassen, levar estes migrantes a sério significa reconhecer sua existência e instituir mecanismos legais, semelhantes aos disponíveis para refugiados políticos, que permitam sua proteção. Mas isso também significa levar a sério o papel que as cidades têm historicamente em capacitar os imigrantes. "A cidade é um espaço onde os sem poder chegam e constroem uma história", diz ela, mas a trajetória atual de nossas cidades ameaça colocar isso em risco. Como muitas cidades globais continuarão a dar prioridade a concentração de capital, aqueles com menos capital para oferecer estão ameaçados a marginalização. Destacando 100 melhores cidades do mundo, Sassen aponta que estes lugares hospedam 10% da população mundial, com um total de 30% do seu PIB, dizendo simplesmente: "isso é demais."

Com essa gama de diferentes causas da imigração, uma coisa ficou clara a partir da abertura da conferência, a nível das cidades, a questão-chave da imigração é como a diversidade é reconhecida, respeitada e acomodada pelo ambiente construído.

Respostas arquitetônicas para o desafio

Martin Barry (esquerda) conversando com Carl Weisbrod (direita). Imagem © Dorota Velek

Um dos exemplos mais marcantes de uma cidade que aceita imigrantes e abraça a diversidade é, talvez, Nova York, como evidenciado pela apresentação de encerramento de Carl Weisbrod, diretor da Comissão de Planejamento de NYC, que discutiu o compromisso da cidade com a habitação de baixa renda sob Mayor Bill de Blasio. Um componente desta política e, talvez, a interação mais interessante entre arquitetura e política da cidade apresentada na conferência, é o experimento de Nova York com micro-apartamentos como o Carmel Place do nArchitects. Concebido como uma forma de fornecer apartamentos, de um dormitório, baratos no centro de uma cidade que tem uma superabundância de casas projetadas para famílias ou para os super-ricos, Carmel Place está, em grande parte, relacionado a preservação e o encorajamento da diversidade de Manhattan.

Mimi Hoang se aprsentando na reSITE 2016. Imagem © Dorota Velek

"É incrivelmente importante manter [os núcleos das cidades] tão diversos quanto possível", explica Mimi Hoang, diretora do nArchitects. "Eu acho que os sinais de alerta estão aqui na Europa - os sinais de alerta estão em Paris, onde eles tendem a colocar os imigrantes neste tipo de cinturão de imigrantes, o peripherique, nas banlieues. Isto, obviamente, cria sentimentos de ostracismo e de marginalização para alguns na sociedade. Nós temos nossos próprios problemas nos Estados Unidos, é claro, mas a realidade é que, se a classe operária está na periferia da cidade, isto está criando um foco de ressentimento. "

Carmel Place em Nova York, projetado por nArchitects. Imagem © Field Condition

E apesar dos micro-apartamentos serem naturalmente encarados como uma política para permitir essa diversidade, isso não significa que eles foram construídos sem controvérsias. Em um artigo recente publicado no ArchDaily, Jesse Connuck argumenta que tais apartamentos podem arriscar legitimar uma "característica normal" de pequenos apartamentos abaixo do padrão. Em resposta a este argumento, Hoang que geralmente se apresenta em um tom suave, muda para um comportamento mais animado. "Estamos preocupados", diz ela, "e nós certamente tivemos a nossa quota justa de chamadas a partir de desenvolvedores interessados, e se pensarmos que eles estão nos chamando só porque eles pensam que nós podemos espremer mais unidades de apartamentos em seus terrenos, não estamos interessados. Nós estamos interessados se eles estão interessados em criar uma comunidade, se eles estão interessados em criar um novo tipo de experiência de vida".

Interior do Carmel Place em Nova York, desenhado por nArchitects. Imagem © Pablo Enriquez

Para Hoang, uma parte importante da decisão do nArchitects em se envolver com o projeto dos micro-apartamentos foi a complexidade subjacente do problema. "O que me incomoda é que a questão é sempre discutida isoladamente", acrescenta ela. "Mas você tem que pensar em todos os outros efeitos tangenciais em não fazê-lo. Não fazer isso significa que as pessoas terão que comutar uma hora; Não fazê-lo significa que haverá um aumento do custo da infra-estrutura rodoviária e transportes público para os contribuintes; Não fazê-lo significa perda de talentos na cidade, porque muitas pessoas, especialmente criativas, estão deixando Nova York para viverem em outras cidades como Filadélfia ".

Joana Dabaj e Riccardo Conti da Catalytic Actionse apresentando na reSITE 2016. Imagem © Dorota Velek

Representando um lado muito diferente de imigração do que aquele explorado por Mimi Hoang, estava a Catalytic Action, uma organização sem fins lucrativos cujo trabalho, em lugares como o Líbano, tem focado em soluções simples para criar escolas, parques infantis e outros espaços cruciais para campos de refugiados. Entre seus projetos atuais está a Escola Jarahieh, um plano para criar um edifício escolar no Líbano, adaptando o Pavilhão Save the Children’s da Expo Milão em 2015. Joana Dabaj, coordenadora da Catalytic Action, acredita que este modelo poderia servir de exemplo para futuras exposições, bienais e similares na Europa. "Há enormes oportunidades quando se trata de estruturas de exposição, porque normalmente elas têm sido feitas de uma maneira temporária", diz ela. "Ao lidar com a crise e situações urgentes há também esse requisito, você precisa de estruturas temporárias. No Líbano, por exemplo, não se pode construir estruturas permanentes para os refugiados. Por isso, também se encaixam as mesmas diretrizes nos projetos dos edifícios: temporários, possibilitando a sua montagem e a desmontagem".

O conceito é, na sua base, um simples ato de reciclagem. "A reciclagem não é um conceito novo", diz o diretor executivo da Catalytic Action, Riccardo Conti. Mas ele acrescenta que "o que talvez deveria crescer um pouco mais é o ato de reciclar em uma escala global." O projeto também implica que os países ocidentais poderiam examinar resíduos que eles estão produzindo e pensar com mais cuidado sobre como seus produtos poderiam ter uma outra vida útil.

Um parque infantil desenhado e construído pela Catalytic Action em Bar Elias, Líbano. Imagem Cortesia de Catalytic Action

Claro, uma escola, adaptada de um único pavilhão da expo, não vai mudar essa situação sozinha. Mas a Catalytic Action está esperando que seu exemplo conduza a uma maior mudança. "A razão pela qual nós somos chamados de Catalytic Action é porque nós acreditamos que uma intervenção pode catalisar um maior impacto", diz Dabaj e Conti adiciona um exemplo de quando isso aconteceu no passado: "o primeiro projeto no playground aumentou a consciência sobre a necessidade desses espaços, no Líbano, para crianças refugiadas. Depois disso, nós fomos capazes de fazer mais projetos, mas houve também uma coisa muito agradável que aconteceu na mesma aldeia: uma outra organização construiu uma escola e eles incluíram um parque infantil por conta própria, eles sabian sobre o nosso trabalho e disseram que compreenderam a sua importância ".

No início, o fornecimento de escolas, parques infantis e espaços sociais para campos de refugiados pode parecer um mundo distante, literal e metafórico, a partir do trabalho que está sendo feito por arquitetos em cidades globais para acomodar o crescente fluxo de pessoas nos centros sociais e econômicos. Mas em uma análise mais próxima, os campos de refugiados podem ter mais em comum com lugares como Nova York do que pensamos. "Há um impulso de urbanização profundo que eu acho que é um desejo humano básico," explica Michael Kimmelman. "Se começarmos a pensar naqueles campos - onde as pessoas passam em média dezesseis anos - não como temporários, pararemos de mentir para nós mesmos e, em vez disso os consideraremos novas cidades, cidades pop-up, que devem beneficiar as pessoas que vivem lá neste momento e a longo prazo beneficiar os países de acolhimento, ou seja toda uma classe de cidades que podem se desenvolver a partir do zero ".

Um parque infantil desenhado e construído pela Catalytic Action em Bar Elias, Líbano. Imagem Cortesia de Catalytic Action

Visto desta forma, o trabalho da Catalytic Action e outras organizações nos campos de refugiados do Líbano pode ser visto como as primeiras ações de urbanização no nascimento de novas cidades- que são muito mais conscientes em como a imigração se encaixa tanto no seu passado quanto no seu futuro do que muitas das cidades maduras.

A coleção de perspectivas apresentadas na conferência do reSITE 2016 apresentou várias lições para urbanistas e políticos. Mas, talvez, a maior lição para os arquitetos foi resumida por Michael Kimmelman: "Eu acho que toda a questão da imigração nos permite repensar em como as cidades devem ser. Nunca houve um momento em que há tal demanda para pensar em uma escala tão grande sobre como construímos nossas cidades e o mundo. Para os arquitetos e urbanistas eu acho que este é um dos grandes momentos para estar na profissão."

Sobre este autor
Cita: Stott, Rory. "Como a imigração definirá o futuro da arquitetura e do urbanismo" [How Migration Will Define the Future of Urbanism and Architecture] 17 Jul 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Sbeghen Ghisleni, Camila) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/791111/como-a-imigracao-definira-o-futuro-da-arquitetura> ISSN 0719-8906

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