Brutalismo e cultura: A segunda vida do Seminário São Pedro na Escócia

Gillespie, Kidd & Coia projetaram o Seminário São Pedro - outrora eleito o melhor edifício moderno da Escócia - que foi durante muito tempo vítima do destino, largado à decadência depois de ser abandonado apenas vinte anos após sua inauguração. Este artigo, originalmente publicado na Metropolis Magazine como "Ruin Revived," explica como mesmo neste estado de ruínas, estra dramática estrutura brutalista já está mostrando seu valor como equipamento cultural.

A arquitetura moderna, costumava-se dizer, era inadequada pois os materiais industrializados dos edifícios modernos não os permitiriam envelhecer com graça. O que poderiam essas carcaças retangulares comunicar às gerações futuras? 

O Seminário de São Pedro em Cardross, Escócia, é um exemplo vívido para este pensamento: construído em 1966 e abandonado 20 anos mais tarde, o seminário atingiu um estado de 'decrepitude agradável'. Vidro e gesso já se foram faz tempo. O concreto permanece em grande parte intacto, mas manchado e descascado. Coberturas e escadas cederam. Os únicos sinais de vida são os murais de grafite nos "interiores". No entanto, o sentido do lugar perdura, suas formas nobres ainda permanecem extremamente assertivas - se destacando diante da densa floresta circundante - e otimista.

O seminário (visto aqui em seu estado original foi abandonado e deixado a apodrecer nos anos 1980. Imagem Courtesia de Glasgow School of Art via Metropolis Magazine

Recentemente, o terreno protegido pelo patrimônio foi visado para novos empreendimentos, com esquemas altamente divulgados e planos de construir ali um luxuoso complexo residencial em torno da estrutura de concreto. A ideia foi descartada em 2011, mas outra proposta ainda mais incomum elaborada alguns anos antes - de restaurar parcialmente o edifício principal e o converter em um centro de artes e educação - conseguiu recentemente o financiamento para sua implementação. "Um restauro comum não iria funcionar aqui", argumenta Angus Farquhar, diretor criativo do grupo de arte pública com sede em Glasgow NVA, que irá estabilizar a estrutura e manter algumas de suas partes em ruínas. "Iríamos abrir o espaço para o público para que eles possam ver o esqueleto do edifício. Trata-se de construir um sentido de pertencimento do público."

© Alan McAteer

No final de março, por um período de dez dias, 8.000 visitantes tiveram a chance de experienciar a estrutura dilapidada de perto, ainda que à noite e com algumas estruturas transformadas por luz e som. Guiados por alguns cetros de luz, os visitantes perambularam pela floresta para alcançar morro acima a estrutura de concreto - um volume brutalista do bloco das salas de aula entre rachaduras reverberantes de som, quase como música concreta, que apontavam o caminho. Eles então encontraram com a grande parede curva da capela e ao entrar, alcançaram a grande rampa que serpenteia para os interiores da capela de pé direito triplo, onde os padres davam sermão. Os espaços parecem cambalear em ambas as direções: acima, os antigos pavimentos residenciais angulam, a meia altura, uma formação piramidal, enquanto que a plataforma inferior parece despencar em um lago seco e raso.

Em Hinterland, como foi chamado o evento, essa depressão foi repleta de água, que refletia o colorido das luzes das instalações e ondulava a medida que era agitada por sombrias figuras cobertas de capuz comandando a ação. Músicas de coral gravadas enalteciam a atmosfera obscura cinematográfica. "Foi como caminhar por um filme de Stanley Kubrick, mas melhor", declarou Farquhar na época da instalação. "Você não está vendo uma performance - é apenas o edifício edifício. É o edifício que interage consigo mesmo".

Em seu estado deporável, o edifício tem atraído arquitetos, jovens entediados e grafiteiros. Imagem © Alan McAteer

São Pedro foi projetado pelos arquitetos Andy MacMillan e Isi Metzstein da Gillespie, Kidd & Coia, um experiente escritório escocês que fez carreira projetando igrejas modernistas (muitas das quais infelizmente foram demolidas). Construído para abrigar 102 padres, começou seu declínio quase assim que inaugurou. As reformas conciliatórias de Vaticano II, que dirigiu os padres para serem treinados em suas comunidades e não em isolamento, colocou em questão o propósito do seminário. Apesar dos custos operacionais e algumas falhas de projeto, o edifício funcionou até os anos 1980, quando serviu brevemente como um centro de re-habilitação para usuários de drogas para, então, ser desocupado.

Arquitetos têm se aventurado em peregrinação à obra-prima modernista desde então. MacMillan e Metzstein levantaram fortemente a partir dos volumes do pós-guerra de L’Oeuvre Complete, a série monográfica auto-produzido de Le Corbusier, se inspirando em formas da capela de Ronchamp e convento de La Tourette. A Maisons Jaouls, também forneceram uma inspiração improvável para a grelha de abóbadas retrabalhadas em São Pedro com grande imaginação. A flutuante arca à la Breuer do bloco de sala de aula, no entanto, aparece como um sequitur - uma chocante, se não indesejada, intrusão neste relicário de forma corbusiana.

No final de março, o grupo de arte pública baseado em Glasgow chamado NVA construiu uma instalação de luz e som para ilustrar o potencial do lugar. Imagem © Alastair Smith

Os visitantes não precisam de conhecimento prévio de Le Corbusier, nem do punhado de referências arquitetônicas secundárias incorporadas no projeto do seminário para sondar o mistério de Hinterland. O evento, bastante frequentado que deu início aoFestival de Arquitetura anual, sugere como o edifício pode, eventualmente, ser utilizado para exposições, instalações e performances. "O projeto de NVA realmente capturou a imaginação do público", diz Neil Baxter, secretário da Royal Incorporation of Architects na Escócia e um organizador do festival. "Eles tomaram esse belo modelo de arquitetura modernista e o transformaram em um dos eventos culturais de maior sucesso já organizadas no nosso país."

A organização recentemente recebeu financiamento para converter o seminário em um centro de artes e educação. Parte da estrutura permanecerá como ruína. Imagem © Alastair Smith

Para Farquhar, o entusiasmado apoio do público para Hinterland, juntamente com o ganho do financiamento necessário para a continuação do projeto traz um alívio. Muito trabalho pela frente, com as últimas etapas de limpeza a fazer e as obras de restauração (a cargo de Avanti Architects) que seguirão. Tão crucial é uma montagem pública para estabelecer os princípios do centro. "Será como uma ágora, um momento onde as pessoas podem debater" sugere Farquhar. "Cinquenta anos atrás, quando construíram este lugar, eles estavam otimistas sobre o futuro, mas agora o mundo se tornou mais difícil. Quero usar este lugar para celebrar os valores humanos mas também para fomentar um debate."

Sobre este autor
Cita: Medina, Samuel . "Brutalismo e cultura: A segunda vida do Seminário São Pedro na Escócia" [Brutalism and Culture: How St Peter's Seminary is Already Shining in its Second Life] 16 Mai 2016. ArchDaily Brasil. (Trad. Santiago Pedrotti, Gabriel) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/787243/brutalismo-e-cultura-como-o-seminario-de-sao-pedro-ja-esta-brilhando-em-sua-segunda-vida> ISSN 0719-8906

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