Em defesa da vaidade dos edifícios em altura

Recentemente os editores do ArchDaily receberam um pedido interessante de um Diretor de Comunicações anônimo de uma empresa não identificada de Nova Iorque, dizendo: "Em seu relato, por favor não repitam como fato, ou como 'oficial', a opinião de que o One World Trade Center em Nova Iorque será o edifício mais alto dos Estados Unidos.” Ele ou ela continua, explicando que quem decidiu "anunciar" a edificação como a mais alta nos EUA, o Council on Tall Buildings and Urban Habitat (CTBUH), não é oficialmente aprovado pelo AIA ou pelo governo dos EUA, e que, mesmo que seu trabalho tenha sido benéfico para a arquitetura e para as cidades como um todo, seu critério de avaliação da altura das edificações possui falhas e tem sido criticados por muitos na indústria.

O desejo de se ter o maior edifício em uma cidade, país ou até do mundo se dá desde, pelo menos, o período medieval, onde famílias nobres de cidades italianas de colina como San Gimignano tentavam superar os esforços de construção de outras cidades (piadas sobre a natureza freudiana de tal competição não são, imagino, tão recentes). Talvez o maior símbolo do desejo disso seja a coroa decorativa do Chrysler Building, que foi desenvolvida em segredo e permitiu ao edifício receber brevemente o título de mais alto do mundo, para a surpresa e ira dos competidores em seu tempo.

Com este espírito competitivo, aparentemente, ainda muito vivo, pensei que poderia ser útil abordar a questão levantada pelo nosso amigo anônimo.

A altura do 1WTC comparada com seu rival nos EUA, a Willis Tower em Chicago. Skyscraper diagram illustrations © SkyscraperPage.com. Todos os direitos reservados. Imagem utilizada sob licença de ArchDaily.

A decisão do CTBUH em relação ao tamanho dos edifícios resulta de sua ferramenta principal de avaliação, a "altura até topo arquitetônico", que inclui pináculos desocupados, mas desconsidera antenas, sinalização, mastros e outros "equipamentos técnico-funcionais." Sabe-se que isso não é particularmente científico, como o que constitui um pináculo em comparação a uma antena meramente funcional é muitas vezes subjetiva. O 1WTC passa no teste da torre devido à forma como o sua planta se afunila conforme se eleva; a torre, embora reconhecidamente insignificante em proporção ao resto do edifício, é uma continuação deste e pode, portanto, ser considerada como parte da arquitetura do edifício. Na Willis Tower em Chicago o topo é de fato mais alto do que o topo do 1WTC, mas o projeto recua de forma assimétrica ao invés de regredir gradualmente. Com a forma retilínea da edificação lida claramente do exterior, a antena da Willis Tower adiciona pouco à elegância do projeto geral, e portanto não é incluída como parte da altura do edifício. É uma decisão subjetiva do CTBUH chamar a estrutura em cima do 1WTC de torre, "tornando" este edifício mais alto que seu rival de Chicago.

Principal competidor do 1WTC para o título de mais alto nos EUA. Imagem © Flickr User skydeckchicago

Este tipo de “vaidade pela altura” já foi assunto de muitos debates, e outros métodos de avaliar a altura de uma edificação já foram propostos. O CBTUH reconhece duas alternativas, a "altura até o último pavimento" onde o pavimento mais alto ocupado funciona como referência, e "altura até a ponta", incluindo todas as estruturas da cobertura independente de sua função ou aparência. Entretanto, ambos os métodos também apresentam desvantagens. O método da altura até a ponta recompensa a vaidade pela altura de todas as formas, o que poderia permitir aos projetistas ou desenvolvedores buscarem uma forma barata de obter o primeiro lugar usando qualquer adição mal projetada e estranha na cobertura. Por outro lado, a altura até o último pavimento não reconhece o impacto que uma edificação tem na experiência do ambiente urbano - por exemplo, o Burj Khalifa não aparenta 584 metros, mas 828 metros, e como a maioria de nós nunca terá a chance de visitar o último pavimento, parece sensato julgar sua altura com base em seu impacto sobre a aparência da cidade.

Nosso contato anônimo recomenda um quarto método: a altura até a cobertura acima do último pavimento ocupado. Este método pode parecer instrutivo quando se compara a Willis Tower e o 1WTC - ambos de cobertura plana -, mas também apresenta, falhas quando aplicado de forma mais geral: por exemplo, o Shard não possui cobertura acima de seu último pavimento, de modo que alguns de seus pavimentos mais altos, incluindo um dos níveis de observação, são abertos. O Burj Khalifa possui 244 metros de "vaidade", mas onde exatamente é a cobertura acima de seu último pavimento? O projeto cônico deste edifício não permite essas simples definições. A definição dada também repete a falha do método da "altura até o último pavimento", em que muitos projetos de arranha-céus possuem acréscimos arquitetônicos significativos acima deste, que influenciam o modo como os edifícios são percebidos por aqueles que estão no nível do solo.

Edificações como o the Shard, sem um telhado óbvio, demonstram o quão difícil pode ser medir a altura de um edifício de forma consistente. Imagem © Michel Denance

Então, qual dos quatro métodos é o melhor? Eu diria que os métodos de medir a altura até o último pavimento ou cobertura possuem falhas fundamentais, medidas que, enquanto objetivas, nem sempre se relacionam com a experiência gerada pela edificação. É válido lembrar que a sigla CTBUH significa Council on Tall Buildings and Urban Habitat [Conselho de Edifícios em Altura e Habitat Urbano], o que implica que seu critério de avaliação deveria focar na percepção das pessoas em torno das edificações.

Isso nos deixa, então, com a opção da altura até a ponta, ou topo arquitetônico. Em sua descrição muito citada de como projetar bem edifícios em altura, Louis Sullivan diz: “Cada centímetro deve ser algo orgulhoso e elevado, subindo em pura exaltação de baixo para cima, uma unidade sem uma única linha dissidente", e se tomarmos isso como verdade, então fica claro que medir a altura até a ponta, inclusive - e recompensando - toda e qualquer desordem que muitas vezes adorna o topo dos arranha-céus, é uma jogada contra a qualidade do projeto.

Em contraste, o modo oficial de medição do CTBUH, ao menos, garante que a forma como a altura de um edifício é expressada também seja um fator para estabelecer sua altura "oficial". Como arquitetos, não deveríamos apoiar qualquer método que incentiva os edifícios altos a se expressarem com elegância?

Do nível da rua, é claro que as antenas da Willis Tower não são parte integral do projeto. Imagem © Flickr CC User Matt Barnett

O problema com os rankings do CTBUH não está nos métodos que eles usam para medir a altura, mas em sua decisão subjetiva de classificar o palito de pirulito subdimensionado do 1WTC como uma torre. No entanto, estou mais inclinado a contestar os empreendedores e proprietários do edifício e sua decisão de cortar drasticamente o projeto da torre a fim de economizar dinheiro, em oposição ao projeto – e objeções explícitas – de David Childs do escritório SOM, o arquiteto responsável pela edificação. Prefeitos e cidadãos de Nova Iorque e Chicago podem debater sobre quem tem a torre mais alta, mas como especialistas em juízo estético, esses debates não devem ter muita importância para nós. Arquitetos não deveriam discutir sobre qual construção é mais alta, mas sim qual é melhor.

Então, para responder ao pedido: será que os repórteres do ArchDaily irão se abster de chamar o 1WTC de edificação mais alta dos Estados Unidos? Talvez. Talvez não. Mas isso pouco importa.

Sobre este autor
Cita: Stott, Rory. "Em defesa da vaidade dos edifícios em altura" [In Defense of Rewarding Vanity Height] 05 Out 2014. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/628161/em-defesa-da-vaidade-dos-edificios-em-altura> ISSN 0719-8906

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