Arquitetura é um negócio. Quer os arquitetos admitam abertamente ou não, administrar um escritório de arquitetura funciona como qualquer outra empresa. As empresas – e seus fundadores, líderes e partes interessadas – são influenciadas pelas forças da economia do mundo real. Você não pode fazer folha de pagamento com amor ao trabalho.
Em nosso sistema econômico atual, as empresas devem considerar a lucratividade para poder pagar a seus funcionários um salário digno, operar de forma sustentável e ética e continuar oferecendo seus serviços.
Então, por que os arquitetos não agem como empresários?
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É fácil apontar para o clima econômico atual, o treinamento de jovens designers em escolas de arquitetura ou a falta de conhecimento de negócios para as dificuldades que os proprietários enfrentam ao administrar uma empresa lucrativa. Todos esses fatores afetam o sucesso de um negócio? Absolutamente.
A realidade desconfortável é que muitas obras célebres da arquitetura são sustentadas pelo trabalho de profissionais sobrecarregados, estágios não remunerados e práticas de negócios exploradoras que deixam esses trabalhadores em dificuldades financeiras. Idealizar a profissão de arquiteto como uma profissão de arte nobre, gênio criativo e progressismo inerente disfarça as falhas das empresas como negócios. Os sacrifícios emocionais, financeiros e físicos de designers submetidos a horas extras vêm carregando os escritórios de arquitetura mais elogiados de nosso tempo.
Nos últimos anos, a pandemia do Covid-19 provocou grandes discussões sobre o trabalho na arquitetura. Parece que a cada um ou dois meses, há uma nova onda de controvérsias em torno de alguma empresa que anunciou um emprego com um salário absurdamente baixo, exigência de horas extras, ou um nível desproporcional de experiência para o cargo.
Somos confrontados com histórias de amigos arquitetos sobrecarregados, mal pagos e esgotados quase diariamente. Muitos afirmam que arquitetura não é uma carreira sustentável para o seu bem-estar e até chegam a desistir da profissão. Não importa o quão inspiradores sejam os projetos de uma empresa; se eles são subsidiados pela saúde, relacionamentos e salários baixos dos arquitetos, então o negócio responsável por aquele projeto não deveria existir.
Ouvimos tantas desculpas dos proprietários sobre por que eles não podem aumentar os salários, incluindo alterações de escopo, expectativas irrealistas do cliente e condições de mercado. Mas esse fardo não pode ser simplesmente transferido para os funcionários.
Não é culpa do estagiário que os projetos sofram aumento de escopo. Não é culpa do gerente de projeto que o cliente tenha expectativas de um prazo inviável para a equipe. Não é culpa do diretor que o mercado está em fluxo.
No entanto, a culpa é da liderança da empresa por não ser capaz de comunicar o valor apropriado e as expectativas razoáveis com o cliente. Os funcionários da empresa não deveriam trabalhar como se fossem donos do negócio porque não são donos do negócio.
Educar clientes
A realidade é que todo negócio precisa funcionar com as condições que produz na economia vigente. É um fato certo que os projetos sofrerão aumento de escopo. Educar clientes e funcionários sobre o que está no escopo e o que não está, e empregar contratos e mecanismos para cobrar adequadamente quando algo precisar ser ajustado é o básico. Devemos estar familiarizados com a forma como nossos amigos engenheiros fazem isso. Chama-se pedido de mudança, tem um custo, e também se aplica ao trabalho dos arquitetos.
Ao mesmo tempo, precisamos discutir sobre o mercado de Reserva Técnica.
Reserva Técnica é o nome pelo qual ficou conhecida a comissão financeira paga por fornecedores de produtos e lojistas pela indicação junto a clientes da área da construção. Essa prática cresceu muito nos últimos anos e em alguns lugares tornou-se comum. Porém, a Lei 12.378/2010, que regula o exercício da Arquitetura e Urbanismo no Brasil, caracteriza como infração disciplinar o ato de “locupletar-se ilicitamente, por qualquer meio, às custas de cliente, diretamente ou por intermédio de terceiros” (Art. 18). A proibição foi reforçada pelo Código de Ética e Disciplina do CAU/BR, que prevê que “o arquiteto e urbanista deve recusar-se a receber, sob qualquer pretexto, qualquer honorário, provento, remuneração, comissão, gratificação, vantagem, retribuição ou presente de qualquer natureza – seja na forma de consultoria, produto, mercadoria ou mão de obra – oferecidos pelos fornecedores de insumos de seus contratantes, conforme o que determina o inciso VI do art. 18 da Lei n° 12.378, de 2010”.
Porém esse mercado tem sido cada vez mais crescente e difícil de combater. Muitos arquitetos não conseguem fechar as contas sem a Reserva Técnica. Com o advento das redes sociais, temos visto cada vez mais a publicidade em troca de comissão em posts, vídeos e indicações.
Existem arquitetos fazendo projetos de graça para inluencers e celebridades em troca das verbas de patrocínio que vão envolver o uso daquela obra como conteúdo digital para ambos. Tem como lutar contra isso? Ou precisamos reconhecer isso como uma prática de mercado e criar regras para guiar essa relações ao invés de proibir algo que já é recorrente.
Como agir?
Se você – sim, você – está em uma posição de liderança em uma empresa de arquitetura de qualquer tamanho, é responsável pelo gerenciamento de seres humanos e está em posição de alterar o ambiente construído, é seu dever defender o valor do trabalho dos arquitetos, da profissão e das pessoas que apoiam esses empreendimentos. Se você não consegue fazer isso, você está falhando e merece ser responsabilizado por suas ações. Se muitos de nós estamos falhando, a profissão deve discutir abertamente sobre como corrigir essas falhas.
Sim, é difícil administrar um negócio de qualquer tamanho, mas construir um prédio também é.
Precisamos ultrapassar a visão do artista e começar a falar abertamente e sem amarras do arquiteto como empresário e gestor. Precisamos falar sobre dinheiro e entender que arquitetura é muito mais do que arte ou criação – é um meio de vida dentro de um mundo regido pelo capital.
E quem sabe assim encontremos meios honestos de criar e viver dentro de um sistema que pode ser cruel com quem não tem contatos ou heranças.
Via Tabulla.