Sky House de Kikutake: onde o Metabolismo e Le Corbusier se encontram

Neste artigo, primeiramente publicado em Australian Design Review como "The Meeting of East and West: Kikutake and Le Corbusier", Michael Holt descreve a fertilização cruzada de ideias que ajudou a difundir o movimento Metabolista japonês, focando em como os ideais de Le Corbusier foram cruciais para um dos projetos mais enigmáticos do movimento, Kiyonori Kikutake's Sky House.

A casa do arquiteto japonês Kiyonori Kikutake, de 1958, permanece como um projeto exemplar que define a agenda metabolista mas, mais significativamente, reforça a ideia de que uma habitação unifamiliar pode ser ideologicamente recursiva e estratégica. Kikutake, entretanto, não deixa de ter um precedente pouco provável no renomado Le Corbusier.

Os dois arquitetos estabeleceram ordem e método de trabalho em seus menores projetos - Kikutake em Sky House e Le Corbusier em Villa Savoye (1929) - e desenvolveram suas ideias através de relatos escritos (o Manifesto Metabolista de Kikutake, 1960, e o Manifesto Purista de Le Corbusier, anterior ao trabalho construído, em 1918). Por fim, cada um leva suas ideias ao nível urbano, KIkutake através de Tower-Shaped Community Project (1959) e Le Corbusier em Chandigarh, Índia (1953). Para localizar a origem da influência, é necessário primeiro examinar a posição de Le Corbusier como figura representativa do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM).

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Le Corbusier's Villa Savoye. Image © Flavio Bragaia

CIAM foi uma plataforma discursiva crucial na Europa pós-guerra, permitindo a formulação de políticas e discursos urbanos, fundamental para a reconstrução metropolitana. Entretanto, conforme as cidades eram reconstruídas, agregadas e ampliadas, o impacto do CIAM começou a diminuir. O ápice de desintegração foi o CIAM 8, Hoddesdon, UK (1951), terminando oficialmente no CIAM 10, Dubrovik (1956). O arquiteto catalão e presidente do CIAM, Josep Lluís Sert, convidou o britânico MARS Group para formar o CIAM 8, focando no "centro cívico" ou "coração da cidade".

Curiosamente, este encontro foi o primeiro a reconhecer arquitetos não europeus, especialmente os japoneses Kenzo Tange, Kunio Maekawa e Junzo Sakakura. A propósito, Maekawa e Sakakura haviam anteriormente trabalhado para Le Corbusier entre 1928-1930 e 1931-1936, respectivamente. Não é apenas pelo reconhecimento global dos arquitetos japoneses que o CIAM 8 deve ser destacado, mas como o momento preciso em que a estrela de Le Corbusier desaparecia em favor do Team X e do Hi-Tech.

Kenzo Tange, trabalhando no escritório de Maekawa entre 1938–1942, apresentou o primeiro projeto de um arquiteto não ocidental no CIAM 8 – o Hiroshima Peace Centre and Memorial Park (1955). Enquanto o CIAM 8 foi progressista na inclusão de Tange, foi fundamentalmente falho em seu viés ocidental nas questões de habitação, considerando que não são questões limitadas à Europa. Mas a divisão decisiva veio no CIAM 9, quando Alison e Peter Smithson do Team X (com o arquiteto holandês Aldo van Eyck) acabaram com as categorias funcionalistas de trabalho, habitação, lazer e transporte ao propor uma abordagem celular como "aglomerado de crescimento urbano".

Desenho Axonométrico que mostra o detalhe da laje e as estruturas dos movenettes. Imagem

Na derrubada da ordem estabelecida, Team X formou sua própria posição, mas também deu ao contingente japonês uma oportunidade de voltar para casa com planos para criar suas próprias soluções para questões urbanas depois das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki. Veio na forma do Metabolismo. Enquanto o CIAM promoveu uma plataforma para o discurso arquitetônico, dando origem ao que é mais comumente conhecido como International Style, o Metabolismo foi um movimento utópico radical em resposta a questões urbanas do Japão pós-guerra.

De fato, a declaração de fundação do CIAM foi em grande parte o trabalho dos humanistas de esquerda Mart Stam, Hannes Meyer e Hans Schmidt, sugerindo que a arquitetura deve depender (e não se distanciar) do mundo industrializado. Foi uma tentativa de remover a arquitetura do artesanato tradicional para um método racionalizado de produção. Um ideal seguido pelos Metabolistas.

O Manifesto Metabolista - uma série de quatro ensaios intitulados Ocean City, Space City, Towards Group Form e Material and Man, desenvolvidos por Kisho Kurokawa, Fumihiko Maki, Masato Otaka e Kikutake - foi apresentado na Tokyo World Design Conference (1960), com uma insistência sobre a necessidade de separar partes de edifícios ou cidades que possuem diferentes taxas de mudança, permitindo que certas estruturas permaneçam sem perturbações enquanto outras sejam naturalmente deterioradas.

O termo Metabolismo, cunhado por Kikutake, foi uma analogia biológica - talvez fazendo referência ao conceito de Le Corbusier da casa como "máquina de morar". E apesar das propostas criativas e especulativas do Metabolismo serem, em última análise, inviáveis, eles instigaram um discurso, reorientando a arquitetura como uma ferramenta poderosa para regeneração social e interatividade - o centro do CIAM. Curiosamente, ocorreu um ciclo de feedback : como o Tem X distanciou a discussão europeia desses temas, os ideias metabolistas retornaram vigorosamente, por exemplo, no trabalho do arquiteto holandês Jaap Bakema.

Nakagin Capsule Tower, by Kisho Kurokawa, a later metabolist masterpiece from 1972. Image © Arcspace

Kikutake, tendo anteriormente trabalhado ao lado de Tange, projetou possivelmente o edifício mais emblemático do metabolismo, Sky House. Projetada e construída em 1958, a obra foi uma exploração de sistemas mutáveis. Kikutake projetou "espaços permanentes" - onde mudanças não são necessárias - e "espaços temporários" que possibilitam "subespaços com a possibilidade de remoção". Os últimos eram "movenettes", que controlavam a relação entre edifício e entorno. Os dormitórios das crianças, cozinha e banheiro, por exemplo, foram projetados como unidades que podem ser movidas, aumentadas ou diminuídas em tamanho, para facilitar a necessidades ou mudanças futuras; uma permutabilidade de espaço. A flexibilidade e o intercâmbio programático destacam a relação com o CIAM através da padronização, aglomeração volumétrica, (notável em Shodan House de Le Corbusier, 1956), e se misturam à abordagem celular do Team X.

Esteticamente, o edifício pode se assemelhar ao funcionalismo formal de Frank Lloyd Wright, mas na cobertura, na planta e na fachada livres e nos pilotis, Kikutake está mais próximo de Le Corbusier. Mais notavelmente, a cobertura do edifício funciona como um volume flutuante, uma estrutura que permite que os movenettes sejam pendurados e alterados livremente - uma ideia observada no telhado universal ou guarda sol de Le Corbusier (Chandigarh’s Parliament Building, 1953 ou Heidi Weber Museum, Zurich, 1968).

Kikutake sobrepôs o telhado tradicional japonês ao seu equivalente ocidental em uma tentativa de evitar quaisquer falhas práticas na construção da cobertura. Notou que o telhado ocidental é "mais prático contra o curto período de carga da velocidade do vento" e encontra uma força dinâmica, permitindo cobrir grandes distâncias com uma quantidade mínima de material. Em termos de construção este telhado era simples, as dificuldades surgiam quando o sistema devia operar na flexibilidade programática metabolista.

Le Corbusier's Heidi Weber Museum. Image © Samuel Ludwig

Sua solução foi simples e efetiva: o detalhamento do suporte do telhado exigia a experiência japonesa na aplicação do ângulo e das articulações corretas.  O encosto das juntas das extremidades do telhado, um transbordamento da propensão japonesa para o ornamento, possibilitou mais força e equilíbrio. Kikutake acreditava que o redesenho inventivo das articulações era o componente que poderia possibilitar a construção do telhado, permutabilidade e flexibilidade do Metabolismo.

Nos Cinco Pontos da Nova Arquitetura (1926) de Le Corbusier, os edifícios devem ter: estrutura de apoio ou pilotis - espaçados de forma regular, usados principalmente para elevar o plano de apoio; um telhado plano para a domesticidade; fachadas e paredes internas que devem permanecer independentes da estrutura possibilitando uma planta livre; e janelas horizontais. Exemplos chave são a Maison du Brésil, Paris (1959) ou Unité d’Habitation, Marseilles (1952). Com exceção da domesticidade da cobertura plana, todos os pontos são usados na Sky House e marcam um passo na direção do "regionalismo crítico" - a reapropriação do princípio modernista.

De acordo com Robin Boyd, "A geração de arquitetos japoneses pós-guerra usou Le Corbusier como um ponto de partida para evitar paródias do passado". De fato, Le Corbusier se tornou um modelo a ser entendido e manipulado para atender às necessidades específicas da cultura japonesa. O que aconteceu foi o despertar de um enquadramento ideológico que, desde então, estabeleceu uma forma distinta de trabalho e sensibilidade de design. Com uma construção em concreto armado, localizada em um terreno inclinado, em uma grelha de 10m x 10m, com sua estrutura elevada apoiada em quatro pilotis sobre os eixos cartesianos permitindo que a estrutura flutue, com volumes internos contínuos de serviços agregados em torno de um centro, transformando-se em investigações de escala urbana, sugere que Sky House foi a semente de Le Corbusier da qual o organicismo metabolista floresceu.

Michael Holt é editor de Architectural Review Asia Pacific coordenador de estúdio da University of Technology, Sydney. Foi anteriormente arquiteto de projeto em Robert A.M. Stern Architects, New York.

Sobre este autor
Cita: Holt, Michael. "Sky House de Kikutake: onde o Metabolismo e Le Corbusier se encontram" [Kikutake's Sky House: Where Metabolism & Le Corbusier Meet] 08 Mar 2014. ArchDaily Brasil. (Trad. Baratto, Romullo) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/01-181544/sky-house-de-kikutake-onde-o-metabolismo-e-le-corbusier-se-encontram> ISSN 0719-8906

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