Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile

Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 1 de 12
Casas de Força - Fordlândia. Imagem © Dan Dubowitz

O ambiente construído que habitamos pode ser hostil, tanto em uma escala arquitetônica individual quanto em um contexto urbano mais amplo. Pessoas em situação de rua, por exemplo, são dissuadidos de descansar em bancos públicos pela presença ameaçadora de grades e outras formas de arquitetura hostil. De uma lente global, vemos o impacto que as fronteiras têm em meio à hostilidade anti-imigração, exemplificado de forma imponente pelo fechamento da fronteira de Melilla entre o Marrocos e a Espanha. Esta "hostilidade" pode ser encontrada em um grande número de assentamentos ao redor do mundo, formados como resultado da migração orgânica ou configurados a partir do controle — como as cidades operárias criadas por grandes companhias.

Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 2 de 12Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 3 de 12Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 4 de 12Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 5 de 12Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Mais Imagens+ 7

A cidade operária é fácil de definir — é menos um lugar orientado às pessoas e mais uma instituição econômica, onde os habitantes são principalmente a mão-de-obra que mantém uma corporação funcionando. Uma única empresa fornece a seus funcionários bens e serviços — moradia, lojas e a arquitetura geral da cidade, tudo propriedade de uma organização. Muitas dessas cidades nascem de ideias utópicas, uma visão de uma comunidade feliz de trabalhar para uma corporação, que por sua vez seria grata à empresa pelo fornecimento das necessidades básicas. A própria natureza de ter uma empresa como proprietária de uma cidade, porém, significa que o objetivo final é sempre a extração de mão-de-obra, e ao facilitar isso, a cidade operária acaba procurando — tanto de pequenas quanto de grandes formas — o controle dos seus habitantes.

Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 9 de 12
Fordlândia. Imagem © Flickr Usuário TheHenryFord sob a licença (CC BY-NC-SA 2.0).

Sem dúvida, não há melhor exemplo disso do que o experimento de planejamento urbano do americano Henry Ford na Bacia do Rio Amazonas —a Fordlândia. O objetivo era ambicioso — construir uma nova cidade e um seringal na floresta amazônica. O objetivo secundário era “civilizar” a selva e moldar uma força de trabalho local brasileira ao fordismo presente em suas fábricas americanas. Para criar a cidade, um trecho de mata virgem foi desmatado, comprado do governo brasileiro — e a empreitada se tornou um dos exemplos mais extremos de controle operário.

Trabalhadores nativos brasileiros foram obrigados a assistir a leituras de poesia e tiveram que se abster de álcool, proibido na cidade. Um hospital moderno com 100 leitos, uma usina elétrica e uma biblioteca foram construídos, assim como um campo de golfe e casas de madeira para os funcionários viverem. O conhecimento local foi, como esperado, ignorado no projeto. O automóvel foi promovido como uma recreação, fazendo com que os 48 km de estradas construídas em Fordlândia, acabassem em grande parte sem uso. A visualização utópica da cidade, no entanto, não se estendeu a uma comunidade igualitária, já que os gestores americanos e os trabalhadores brasileiros eram alocados em diferentes áreas de moradia. A "Vila Americana" era a seção com a melhor vista da cidade e tinha água corrente, enquanto o lado operário brasileiro tinha que se contentar com a água fornecida por poços.

Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 8 de 12
Casas Fordlândia. Imagem © Flickr Usuário TheHenryFord sob a licença (CC BY-NC-SA 2.0).
Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 6 de 12
Casas Americanas - Fordlândia. Imagem © Dan Dubowitz

O plano de Ford de importar uma cidade do meio-oeste americano no meio da selva amazônica acabaria sendo um fracasso colossal, os trabalhadores brasileiros obviamente não se adaptariam ao estilo americano de habitação e a um processo de trabalho industrial que os obrigava a trabalhar durante a parte mais quente do dia. Motins de trabalhadores na década de 1930 causaram o declínio tranquilo e gradual da cidade.

Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 7 de 12
Casas de Força - Fordlândia. Imagem © Dan Dubowitz

No Chile, encontra-se outro tipo de experiência paternalista — a cidade de Humberstone. Hoje uma cidade fantasma, o local foi criado para a extração de salitre. Um grande número de influências moldou a área, principalmente a arquitetura industrial, vista em uma ampla gama de projetos, desde habitações em série até grandes metalúrgicas. Por estar localizada em um clima rigoroso, a infra-estrutura para atender às necessidades dos trabalhadores da cidade era extensa, incluindo áreas de armazenamento a frio de produtos até fornos industriais para o cozimento de pão. Assim como em Fordlândia, a rígida estrutura hierárquica era evidente. Um bangalô de Artes & Ofícios, semelhante ao que uma família de classe média-alta teria no meio-oeste americano, abrigaria o diretor da operação de mineração. Os trabalhadores, por outro lado, dividiriam quartos no que efetivamente era um quartel.

Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 10 de 12
Casas dos funcionários- Humberstone. Imagem © Diego Delso sob a licença CC BY-SA

O armazém geral era um dos maiores edifícios do assentamento, e outro nível de controle foi estendido para os trabalhadores na forma como eles gastavam seus salários. O dinheiro ganho pelos trabalhadores era distribuído na forma de fichas, que só podiam ser gastas em mercadorias no armazém geral. A loja foi deliberadamente projetada para ser um dos edifícios mais robustos e complexos da cidade, já que logo no acesso principal ficava o balcão onde seriam distribuídas as fichas ou contracheques — na verdade, o único balcão bancário de Humberstone.

Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile - Imagem 12 de 12
Humberstone, Chile. Imagem © Diego Delso sob a licença CC BY-SA

A cidade — desenvolvida entre 1872 e meados do século XX — é hoje Patrimônio Mundial da UNESCO. Seu legado é o de um assentamento complexo, construído sobre a exploração, que posteriormente levou a melhorias na mão de obra da década de 1930, até seu status atual de cidade fantasma.

A relação entre funcionário e empresa está longe de ser igualitária. As cidades operárias são, na verdade, uma manifestação física desta relação — uma relação onde o conforto do trabalhador é ostensivamente o objetivo, mas o controle do trabalhador é a realidade.

Galeria de Imagens

Ver tudoMostrar menos
Sobre este autor
Cita: Maganga, Matthew. "Controle utópico: cidades operárias no Brasil e no Chile" [Utopian Control: Company Towns] 09 Mar 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Bisineli, Rafaella) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/976151/controle-utopico-cidades-operarias-no-brasil-e-no-chile> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.