Arquitetura de pedra: sensibilidade ambiental nas ruínas da Chapada Diamantina

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Quando fluxos migratórios não se dirigem a grandes centros urbanos surge a manifestação de uma arquitetura espontânea para suprir a necessidade de abrigo e proteção, função primordial de uma habitação. O uso de técnicas que se adaptam e improvisam com os materiais disponíveis no local traz novas possibilidades de imaginar a arquitetura e o modo como o humano desenvolve o entorno para servir a seus desejos e necessidades. Na impressionante Chapada Diamantina, em Igatu, o garimpo levou aproximadamente trinta mil pessoas para morar numa região distante e sem infraestrutura, impondo à criatividade humana o desafio de solucionar a questão de moradia, que foi respondida através da interação com o próprio entorno: as pedras.

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Ruínas localizadas no bairro Luiz dos Santos – conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico tombado pelo IPHAN no ano 2000, Igatu. Image © rodriguezremor.art

Para compreender melhor este cenário e a "arquitetura de pedra" que nele despontou, conversamos com os artistas e pesquisadores, Denis Rodriguez e Leonardo Remor, que em janeiro de 2021, fundaram o Mirante Xique-Xique, uma para-instituição sediada em Igatu que promove residências de pesquisa em diferentes áreas: meio ambiente, arquitetura, gastronomia e artes. A dupla reflete em seu trabalho sobre o binômio Arte e Natureza em projetos que voltam seu olhar ao campo, à terra e à transmissão de conhecimento e tecnologias que percebem em vias de desaparecimento, e enxergam na tipologia encontrada no Leste da Chapada Diamantina a melhor plataforma para se pensar e discutir a arquitetura e sua intrínseca relação com a natureza.

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Sede do Mirante Xique-Xique, Alto das Estrelas. Image © rodriguezremor.art

Victor Delaqua (ArchDaily): Durante o garimpo de diamantes, junto do auge populacional de Igatu, surgiram as "tocas". Vocês poderiam falar um pouco mais sobre como essa tipologia se desenvolveu e como as pessoas se apropriaram dos meios naturais para construir?  

RodriguezRemor (Mirante Xique-Xique): Pelo termo “tocas” devemos entender as residências em cavernas ou grutas da época do garimpo. Espaços de arquitetura espontânea, nos quais as estruturas tectônicas existentes são transformadas em moradia, ao se adicionar paredes, portas, janelas e telhados. Uma arquitetura que reaproveita as pedras que são retiradas para viabilizar a mineração do diamante.

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Toca na trilha da cachoeira Califórnia, Igatu. Image © rodriguezremor.art

Podemos atribuir o aparecimento dessa arquitetura presente no lado Leste da Chapada Diamantina – e abundante na região de Igatu – a pelo menos três fatores. O primeiro é o geográfico/geológico, Igatu situa-se em uma região de serras (750-1050m de altitude), de topografia acidentada, os famosos campos rupestres da Chapada. A esse ecossistema temos que adicionar a brutalidade e a violência da ação humana para a extração do diamante, que é encontrado no cascalho. Assim, para acessá-lo é preciso remover as matas de altitude, a terra abaixo da mata e as pedras que estão sobre o cascalho. Essa intervenção expõe a ossatura rochosa típica da região. 

E o terceiro e último fator a se considerar é o incremento demográfico a partir de meados do século XIX em razão do vultoso fluxo migratório em busca do enriquecimento rápido do extrativismo diamantífero, em uma região historicamente isolada do litoral e sem infraestrutura urbana. Ou seja, não havia moradia e tampouco acesso a materiais de construção. 

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Toca no Alto das Estrelas, Igatu, vizinha ao Mirante Xique-Xique. Image © rodriguezremor.art

As tocas são estratégias construtivas de sobrevivência, modos populares de se construir com os materiais disponíveis no contexto do garimpo. É surpreendente perceber hoje como essas práticas construtivas resilientes e encantadoras se reconectam com as noções de permacultura e sustentabilidade.

E é por isso que o Mirante Xique-Xique se preocupa com a preservação dessa arquitetura. Insertar a arquitetura vernacular do garimpo na cartografia hegemônica da arquitetura é a nossa missão. Pois para nós é fundamental afirmar a originalidade e a criatividade do sertanejo-garimpeiro na edificação de infraestruturas sustentáveis e resilientes. E assim promover discussões sobre território, memória, patrimônio, arquitetura e arte.

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Toca na trilha para a Rampa do Caim, Igatu. Image © rodriguezremor.art

VD: O processo de emigração dos garimpeiros trouxe um certo vazio ao que seria a possível urbanidade de Igatu. Como a cidade se relaciona com esses espaços atualmente?  

RR: Há exatos cem anos, Igatu vivia o auge da mineração. E as tocas e as edificações de pedras espalhavam-se pelo distrito e pelas serras adjacentes. Cerca de 30 mil pessoas residiam na região nessa época. A decadência da economia diamantífera a partir dos anos 1940 que resultou na desertificação social do distrito nos anos 1970 – momento em que menos de cem pessoas permaneceram no povoado – levou os garimpeiros remanescentes a minerarem os pisos de suas próprias moradas. Atitude que transformou grande parte da cidade em ruínas. Entretanto o tombamento do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico de Igatu, no ano 2000 pelo Iphan, permitiu a conservação desse patrimônio e hoje a vila é um local propício ao turismo histórico-cultural e certamente um museu vivo da história da mineração de diamantes no Brasil. 

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Conjunto de tocas no bairro Luiz dos Santos, conjunto arquitetônico tombado pelo IPHAN no ano 2000, Igatu. Image © rodriguezremor.art

VD: Compreender o passado é uma das formas de idealizar o futuro. Quais lições podemos tirar da "arquitetura de pedra"? 

RR: A comunidade que habita um território dá à arquitetura o seu significado, a cultura e a história do garimpo estão imbricadas no conhecimento espacial e construtivo dos moradores daqui.

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Toca do garimpeiro, na trilha para a Rampa do Caim, Igatu. Image © rodriguezremor.art

Hoje essa arquitetura sem arquitetos, essa tipologia de habitação encontra novo significado ao responder de maneira muito eficiente aos problemas urgentes do meio ambiente e das mudanças climáticas, pois são práticas construtivas atadas ao contexto, de baixo carbono e de alto impacto socioeconômico – já que o trabalho na construção de novos edifícios em pedra, com características similares às antigas, é importante fonte de renda da comunidade. 

Construídas com rochas e sobre as rochas, as tocas se fundem na natureza e, assim, fazem melhor uso dos espaços naturais. Portanto, essa cultura habitativa é ecológica e de extrema sensibilidade ambiental, afinal utiliza-se apenas dos materiais disponíveis localmente, com uma vantagem – o entorno não é adaptado para dar espaço a moradia e sim preservado e reorganizado para abrigar o homem. Essas estruturas permitem uma vivência além das habituais quatro paredes e seus ângulos retos e nos convocam a imaginar a longa história da habitação humana, desde as cavernas, passando pelas estratégias de construção comunitária dos povos originários, até chegar na arquitetura contemporânea mais adaptativa, que hoje finalmente se reconecta com a delicadeza e o respeito da bioconstrução e da permacultura. E é por isso que as tocas são para o Mirante Xique-Xique a melhor plataforma para se pensar e discutir a arquitetura e sua intrínseca relação com a natureza.

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Ruínas localizadas no bairro Luiz dos Santos – conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico tombado pelo IPHAN no ano 2000, Igatu. Image © rodriguezremor.art

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Sobre este autor
Cita: Victor Delaqua. "Arquitetura de pedra: sensibilidade ambiental nas ruínas da Chapada Diamantina" 21 Ago 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/966171/arquitetura-de-pedra-sensibilidade-ambiental-nas-ruinas-da-chapada-diamantina> ISSN 0719-8906

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